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Terramérica - A subsistência e o capitalismo exacerbado

O povoado de San Pedro de Atacama é o principal destino turístico do Chile, no altiplano do país, na região de Antofagasta. Recebe mais de um milhão de turistas por ano, enquanto seus habitantes lutam para convertê-lo em um município sustentável. Foto: Marianela Jarroud/IPS
O povoado de San Pedro de Atacama é o principal destino turístico do Chile, no altiplano do país, na região de Antofagasta. Recebe mais de um milhão de turistas por ano, enquanto seus habitantes lutam para convertê-lo em um município sustentável. Foto: Marianela Jarroud/IPS

Por Marianela Jarroud*

San Pedro de Atacama, Chile, 14 de setembro de 2015 (Terramérica).- O altiplano chileno, corroído pelo sol do deserto de Atacama, o mais árido do mundo, guarda entre suas areias dezenas de comunidades indígenas que lutam por sua subsistência mediante o turismo sustentável, embora, às vezes, rocem o capitalismo exacerbado. “Aqui, com dinheiro, o macaquinho dança”, ironizou Víctor Arque, guia turístico de San Pedro de Atacama. “Aqui o dinheiro move as pessoas. Se não tem dinheiro, não lhes interessa”, afirmou ao Terramérica.

San Pedro de Atacama, capital do turismo, da arqueologia e da astronomia no norte do Chile, conta com 4.797 habitantes, 61% deles atacamenhos, ou lickantays, o nome em sua língua kunza pelo qual são chamados os integrantes deste povo originário. Mas, durante a temporada turística, somam-se centenas de milhares de visitantes, sobretudo estrangeiros atraídos pelos mistérios do deserto, por seus vulcões e gêiseres. Ali estão também os céus mais limpos do planeta, o Observatório Alma (Atacama Large Millimiter/Submillimeter Array, ou Grande Conjunto Milimétrico/Submilimétrico de Atacama), onde os cientistas tentam decifrar enigmas do espaço.

Dados fornecidos ao Terramérica pelo Serviço Nacional de Turismo indicam que este pequeno povoado do altiplano, a 2.600 metros de altitude e 1.700 quilômetros ao norte de Santiago, recebeu no ano passado 1.066.046 visitantes nacionais e estrangeiros. Todos chegaram atraídos por uma paisagem de desertos de sal, dunas, picos rochosos, gêiseres, águas termais e montanhas nevadas.

Isto transformou San Pedro de Atacama, na região de Antofagasta, no principal destino chileno para o turismo internacional. Porém, existe em alguns setores uma fundada preocupação pelo turismo exacerbado na região e pelo que poderia provocar nos diversos ecossistemas que compõem seu território de 23.439 quilômetros quadrados. Assim, os governos municipal e regional impulsionaram diversas iniciativas para transformar a localidade em sustentável.

Uma delas fez parte do Projeto sobre Serviços do Ecossistema (ProEcoServ), financiado pelo Fundo para o Meio Ambiente Mundial (GEF) e implantado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnud). Sua execução se estendeu até 2014 e teve investimento de US$ 1,5 milhão. O projeto consistiu em gerar ferramentas para avaliar e valorizar os serviços que o ecossistema presta ao município.

Um grupo de habitantes da localidade encerrou, em maio, uma capacitação em alternativas renováveis, que podem dar solução para a geração elétrica no município. Em julho, 14 empresas de serviços de alojamento turístico e gastronômico receberam o certificado do Acordo de Produção Limpa, que incentiva o manejo sustentável dos resíduos sólidos, o uso eficiente da água e da energia, entre outros aspectos.

“Tudo o que é planejado, ou estudos nos quais possamos melhorar e ter consciência do que temos e do que acontece em todo o ecossistema, é valioso”, destacou ao Terramérica a prefeita de San Pedro de Atacama, Sandra Berna. “Gostaria que as pessoas se conscientizassem, que se possa ver na ciência, nos estudos, o que dizem de nosso ecossistema”, acrescentou.

Apesar dos avanços, no pequeno centro do povoado, são inúmeras as agências turísticas que oferecem viagens aos principais pontos de atração da região. E em uma madrugada qualquer se pode apreciar a fileira de carros subindo rumo aos gêiseres de El Tatio, uma das principais atrações turísticas da região, que recebe em média cem mil visitas por ano. El Tatio, que em língua kunza significa “o avô que chora”, é um campo de 80 gêiseres localizados a 4.200 metros de altitude e a 97 quilômetros de San Pedro de Atacama.

Amanhecer nos gêiseres de El Tatio, na região chilena de Antofagasta, norte do país, que tem anualmente cerca de cem mil visitas e são administrados por duas comunidades indígenas, que foram beneficiadas com sua concessão gratuita por 30 anos. Foto: Marianela Jarroud/IPS
Amanhecer nos gêiseres de El Tatio, na região chilena de Antofagasta, norte do país, que tem anualmente cerca de cem mil visitas e são administrados por duas comunidades indígenas, que foram beneficiadas com sua concessão gratuita por 30 anos. Foto: Marianela Jarroud/IPS

Desde setembro de 2014, essa maravilha natural é administrada pelas comunidades indígenas das localidades de Toconce e Caspana, no altiplano, por meio de uma Concessão de Uso Gratuito por 30 anos, que concedida pelo governo da presidente Michelle Bachelet. Para entrar em El Tatio, os turistas chilenos e estrangeiros devem pagar uma entrada.

E, além disso, os líderes das comunidades indígenas cobram quase US$ 1 mil por uma entrevista jornalística. “É que isto é visto por todo o mundo e são vocês que ganham”, explicou ao Terramérica o presidente da aldeia de Caspana, Ernesto Colimar.

Preocupada, Luisa Terán, atacamenha deste pequeno povoado, se apressou em advertir que se trata apenas de um caso particular. “Aqui as pessoas estão louquinhas por dinheiro, mas não são todos. A maioria de nós trabalha para viver e tentamos proteger nossa comunidade”, afirmou ao Terramérica esta engenheira que instalou, junto com uma prima, a rede de eletricidade solar de Caspana.

A maioria dos povos do altiplano do Chile subsiste graças ao pastoreio de lhamas, vicunhas, guanacos, e da agricultura familiar camponesa. Em localidades como Caspana, a 114 quilômetros de San Pedro de Atacama, os habitantes ainda aplicam os mecanismos da agricultura andina pré-hispânica, como o cultivo em terraços. Outros, como os de Chiu Chiu, trabalham com o turismo mais limitado e mantêm a igreja local como sua principal atração, embora esta esteja quase em ruínas após o terremoto que, em 2007, afetou Antofagasta.

No meio do caminho entre El Tatio e San Pedro fica Machuca, uma localidade despovoada que surge quase como um povoado fantasma, mas que é parada obrigatória para os guias turísticos. A quatro mil metros de altitude, este lugar tem 20 casas e uma igreja que é sua maior atração turística, junto com pratos com carne de lhama e as empanadas de queijo de cabra que são vendidos no lugar.

O povoado quase não tem moradores e se mantém vivo apenas pelos turnos semanais que suas antigas famílias fazem para atender os turistas. Aqui só se pode fotografar a infraestrutura e a paisagem. Para retratar os membros da comunidade é preciso pagar.

“Todos nós queremos que chegue um turista, naturalmente. Me diga, que povoado não quer isso, se isso significa mais investimento e que as pessoas regressem. Nossos povoados estão praticamente destinados a desaparecer, porque a cada ano dezenas de famílias deixam a cidade por causa dos estudos dos filhos ou por trabalho, então isto nos ajuda a sobreviver”, afirmou Terán. Mas “ninguém quer que sua terra se transforme no que é San Pedro de Atacama, porque esse é outro extremo”, acrescentou. Envolverde/Terramérica

* A autora é correspondente da IPS.

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.