Málaga, Espanha, 11 de agosto de 2014 (Terramérica).- Jose María Gómez se abaixa para tirar da terra um maço de cenouras e algum alho-poró orgânicos. Este agricultor do sul da Espanha acredita que o cultivo orgânico transcende o prescindir de químicos e pesticidas, para ser um “modo de vida” que exige criatividade e respeito pela natureza.
Aos 44 anos, Gómez vende em feiras de orgânicos de Málaga as hortaliças e cítricos que planta nos três hectares de sua horta no Vale del Guadalhorce, 40 quilômetros a oeste desta cidade do sul da Espanha. A cada semana, esse filho e neto de agricultores também entrega em domicílio dezenas de cestas de alimentos, “fechando, assim, o ciclo desde a semeadura até a mesa”, contou, em sua propriedade, ao Terramérica.
A crise econômica, com 25% da população economicamente ativa desempregada, não freou a agricultura ecológica. Em 2012, essa forma de cultivo se estendeu para 1,7 milhão de hectares contra 988.323 do ano anterior, segundo os últimos dados do Ministério de Agricultura e Meio Ambiente. Essa produção proporcionou 913.610 euros (US$ 1,22 milhão), 9,6% a mais do que em 2011.
“A produção agrária ecológica cresce na Espanha e na Europa apesar da crise porque seu consumidor é fiel”, explicou ao Terramérica o técnico agrário Víctor Gonzálvez, coordenador da não governamental Sociedade Espanhola de Agricultura Ecológica. Os mercados de alimentos orgânicos proliferam em povoados e cidades do país, ao mesmo tempo em que algumas redes de supermercados já oferecem esses produtos aos seus consumidores. Na Espanha se chamam mercadillos as feiras ou mercados móveis que se instalam em ruas e dias fixos.
A comunidade de Andaluzia conta com a maior extensão de cultivo orgânico: 949.025 hectares registrados, 54% do total nacional, segundo o Ministério. A maior parte da produção local é exportada para outros países europeus, como Alemanha e Grã-Bretanha, algo incoerente para os partidários de uma agricultura orgânica verdadeiramente alternativa à intensiva e industrial, baseada em um enfoque local e camponês.
“Não tem sentido falar de exportação de alimentos orgânicos porque a produção deve redundar em benefício para a economia local”, ressaltou ao Terramérica a agricultora Pilar Carrillo, em sua propriedade Finca La Coruja, no município de Tacoronte, na ilha canária de Tenerife. Ela e seu companheiro, Julio Quílez, vivem ali há um ano com seu pequeno filho. Trabalham menos de meio hectare de cultivos de permacultura, cuja colheita é vendida todos os sábados no Mercadillo del Agricultor.
Permacultura define o cultivo baseado nos ecossistemas locais e com pouca intervenção do produtor em seu processo. “Quando você compra produtos orgânicos locais, alimenta-se de forma saudável, se relaciona com as pessoas do campo e gera riqueza em seu entorno próximo”, pontuou ao Terramérica o engenheiro Juan José Galván, que há cinco anos compra alimentos em mercadillos em Málaga.
A Espanha, com seu clima favorável, é o primeiro país da União Europeia em superfície dedicada à agricultura orgânica, segundo dados da Eurostat de 2012, e o quinto do mundo, atrás de Austrália, Argentina, Estados Unidos e China, de acordo com um informe da Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica.
O controle e a certificação da produção agrária ecológica, que na Espanha são feitos por entidades públicas e privadas, não são trâmites simples ou gratuitos. Para poder comercializar alimentos orgânicos, estes devem ter impresso o código da autoridade e do organismo de controle correspondente a cada comunidade, informa o site do Ministério da Agricultura.
A qualificação de orgânico demora no mínimo dois anos e as inspeções são exaustivas, contaram agricultores ao Terramérica. Os requisitos e controles exigidos e o esforço econômico que isso representa encarecem esses alimentos, acrescentaram. Quílez, que cultiva em sua propriedade plantas aromáticas e medicinais, conta que deve pagar o certificado “como produtor ecológico e também a de comerciante ecológico, o que duplica o custo e boa parte do preço do alimento orgânico se perde na burocracia”.
Segundo Gonzálvez, os fundos públicos na Espanha se dedicam mais à agricultura convencional e à pesquisa em biotecnologia do que em apoiar o cultivo ecológico, e afirmou que os agricultores “temem dar o salto” para esse tipo de produção alternativa porque não há assessoria, ao contrário da industrial e intensiva.
“A agricultura ecológica é muito empírica. Se o pulgão ataca o melão, planto fava ao lado porque elas o atraem. A cada ano fica-se mais experiente”, destacou Gómez entre os tomateiros de sua propriedade Bobalén Ecológico. De cabelos pretos desordenados e pele curtida de sol, argumenta que, enquanto “as grandes indústrias produzem variedades voltadas para o mercado, a agricultura ecológica, sobretudo a local e próxima, se foca na qualidade do alimento”, além de preservar o ambiente e a fertilidade do solo.
Seus críticos qualificam seus produtos de caros e pouco eficientes, “mas depende de quem compra e onde”, afirma, em seu artigo Quem Tem Medo da Agricultura Ecológica II, Esther Vivas, do Centro de Estudos sobre Movimentos Sociais da Universidade Pompeu Fabra, da cidade de Barcelona. Vivas esclareceu ao Terramérica que, apesar de os índices de consumo de alimentos orgânicos na Espanha serem pequenos em relação aos da indústria convencional, é um mercado em crescimento, o que reflete um interesse social e de cidadania incentivado por diversos escândalos alimentares.
Galván reconhece que o custo maior dos orgânicos pode dissuadir os consumidores, mas, apesar disso, “cada vez há mais demanda”, ressaltou. “A revolução verdadeira tem de vir de baixo, do consumidor que vai comprar nos mercadillos e quer produtos de qualidade”, afirmou Gómez. O ecoprodutor destacou a dimensão social da agricultura orgânica e do comércio próximo pelo “bom atendimento contínuo que dão aos clientes, conscientes dos benefícios para a saúde dos alimentos e de sua sustentabilidade”.
Para Quílez, que deixou um trabalho bem remunerado na área de informática para se dedicar ao cultivo ecológico, “a agricultura de exploração abalou a soberania alimentar” e isso se reflete bem nas Ilhas Canárias, “onde 85% dos produtos consumidos chegam de fora”. Na propriedade de Gómez, que trabalhou por anos como agente de meio ambiente, planta favas, batata e crucíferos (como repolho, brócolis, etc.) para colher em outubro e novembro. “Acordo às cinco e meia da manhã e dedico 15 ou 16 horas. Mas é o melhor trabalho que já tive na vida”, afirmou, risonho. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
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