Jiquilisco, El Salvador, 8 de setembro de 2014 (Terramérica).- Camponeses de uma das zonas costeiras mais frágeis de El Salvador levam adiante um modelo de crescimento econômico sustentável, que respeita o ambiente e oferece educação e segurança à população, como chave para o desenvolvimento da região.
O plano é praticado há 14 anos pela Associação Mangue, na zona sul do departamento de Usulután conhecida como Baixo Lempa, e envolve 86 comunidades agrícolas e pesqueiras assentadas na baía de Jiquilisco. Na área vivem 147.549 pessoas, segundo o Ministério de Meio Ambiente e Recursos Naturais.
“Trabalhamos com diferentes atores, grupos locais, comitês de jovens, comitê ambiental, guardas florestais para levar adiante esta plataforma de desenvolvimento econômico do território”, explicou ao Terramérica a presidente da associação, Carmen Argueta.
O crescimento econômico com enfoque social, na educação e na segurança são os três eixos estabelecidos pelo presidente Salvador Sánchez Cerén para sua gestão, que se iniciou em junho. Precisamente, são os três elementos com que as comunidades do Baixo Lempa implementam seu plano de desenvolvimento sustentável.
“Concordamos com o plano quinquenal proposto pelo governo e queremos fazer com que veja que, para nós, funciona e as pessoas podem ver os resultados”, disse Carmen. Ela acrescentou que esperam ter financiamento do governo para alguns projetos. O respeito e o cuidado dos recursos naturais são fundamentais para o impulso deste modelo, destacou esta camponesa, que tem décadas de trabalho organizativo nas comunidades.
A zona da baía tem 635 quilômetros quadrados e é um dos principais ecossistemas do país, habitat da maioria das aves marinho-costeiras e lugar onde fazem ninho quatro das sete espécies de tartarugas marinhas existentes, entre elas a tartaruga-de-pente (Eretmochelys imbricata), em risco de extinção. A área, salpicada de mangues, é reconhecida desde outubro de 2005 como sítio Ramsar da Convenção Internacional sobre Mangues de Importância Internacional. O Estado salvadorenho também a catalogou como zona natural protegida e reserva de biosfera.
Além disso, é uma das zonas mais propensas a sofrer inundações na época de chuva (de maio a outubro), o que destrói periodicamente seus cultivos e infraestrutura e causa perdas humanas. Para impulsionar o desenvolvimento econômico, algumas comunidades deram vez à diversificação agrícola e deixaram a monocultura para trás. Em algumas propriedades, as famílias plantam abacaxi e manga, não só para autoconsumo, como também para gerar renda, ainda que modesta, para a economia familiar.
Paralelamente, conscientes da proteção do ambiente, desenvolveram projetos de adubo orgânico para que aos poucos deixem a dependência de insumos químicos. O Centro de Produção Romero, na localidade de Zamorán, município de Jiquilisco, produz adubo orgânico tipo Bocashi, elaborado à base de casca de ovo, cinzas e outros materiais que são uma alternativa viável e barata aos adubos químicos.
Também já existe o Banco de Semente Xanachtli, palavra em língua náuhatl, que significa semente. Ali são conservadas, desde 2007, sementes de grãos básicos, hortaliças e espécies florestais e medicinais. Há também uma escola agrícola, que promove técnicas de produção agrícola amigáveis com o ambiente. Uma das apostas mais rentáveis para os camponeses reunidos em seis cooperativas agrícolas é a produção de sementes de milho certificadas, que desde 2011 o governo adquire anualmente para distribuir a 400 mil agricultores, como parte do Plano de Agricultura Familiar.
Assim, comunidades rurais pobres entraram no negócio de sementes, setor monopolizado durante anos por companhias privadas. Calcula-se que 15 mil camponeses trabalham nessa área. “Pela primeira vez os camponeses, gente pobre, está produzindo sementes melhoradas. Antes o negócio era só para as empresas ricas”, observou ao Terramérica Héctor Antonio Mijango, membro de uma cooperativa de Jiquilisco, enquanto separava da terra mudas de milho para ajudar os mais fortes a prosperarem.
A pobreza afeta 34,5% dos 6,2 milhões de salvadorenhos, mas na área rural esse número sobe para 43,3%, segundo a Pesquisa de Famílias de Propósitos Múltiplos de 2013, da Direção Geral de Estatística e Censos. “A semente é uma fonte importante de emprego e renda para as famílias da área”, afirmou ao Terramérica o presidente da Cooperativa Nancuchiname, Manuel Antonio Durán. Com extensão de 8,3 quilômetros quadrados, essa cooperativa produziu 460 toneladas de sementes melhorada na colheita 2013-2014.
A aquicultura é outro item importante no Baixo Lempa, sobretudo de camarão. “Busca-se passar da produção artesanal de camarões para uma semi-intensiva, sempre respeitando o ambiente”, disse ao Terramérica o prefeito de Jiquilisco, David Barahona, um dos mais envolvidos no plano de desenvolvimento sustentável da área. Há duas semanas o país experimenta uma acentuada seca e, segundo cálculos oficiais, já se perdeu 400 mil toneladas de milho. Mas a produção de sementes certificadas do Baixo Lempa não sofreu o impacto, já que conta com sistemas de irrigação.
Em educação, os dirigentes comunitários estabeleceram acordos com centros de ensino como a Universidade Nacional de El Salvador e conseguiram bolsas para jovens da área. Alguns terminaram seus estudos superiores e voltaram ao Baixo Lempa para trabalhar no local. “São jovens que não estiveram ligados à violência que vive o país, porque trabalhamos muito na prevenção, com programas desportivos, por exemplo”, ressaltou Carmen.
Todo esse esforço realizado no Baixo Lempa, que inicialmente compreendeu os seis municípios da região, agora se busca estender para toda a região e colocá-lo em prática na Bacia Hidrográfica do Rio Lempa, formada por 14 municípios.
A ministra do Meio Ambiente, Lina Pohl, visitou em agosto algumas comunidades do Baixo Lempa para constatar o trabalho que as comunidades e organizações desenvolvem ali. “Não podemos chegar com propostas sem antes conhecermos o que há no território em que trabalham os atores locais, e como estão se organizando para apresentar suas propostas”, destacou a ministra ao Terramérica. Lina acrescentou que o nível de organizações na região “é impressionante” e um modelo que pode ser replicado em outras áreas do país. Envolverde/Terramérica
* O autor é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.