Por Inés Benítez*
Málaga, Espanha, 25 de maio de 2015 (Terramérica).- Milhares de cidadãos, unidos em plataformas e assembleias, pressionam contra o desembarque na Espanha da fratura hidráulica, uma questionada técnica para extrair petróleo e gás de xisto, que racha o subsolo com a injeção de água e produtos químicos a altíssima pressão.
“Somos pessoas de todo tipo, moradores da região, que amamos nossa terra e desejamos proteger nossa biodiversidade”, declarou ao Terramérica o ativista Hipólito Delgado, da Assembleia Antifracking de Las Merindades, uma comarca da província de Burgos. Ali a empresa BNK España, filial da canadense BNK Petroleum, pediu autorização para perfurar 12 poços exploratórios e aguarda a avaliação de impacto ambiental exigida por lei.
No dia 3 de maio, cerca de quatro mil pessoas se manifestaram no município de Medina de Pomar, em Burgos, para exigir do governo que não permita essas pesquisas exploratórias e também cobrar a paralisação das solicitações semelhantes, pelos múltiplos riscos que a técnica representa para o ambiente e a saúde da população.
Atualmente não existe na Espanha nenhuma licença de fracking, termo inglês pelo qual também é conhecida a fratura hidráulica, ou hidrofratura, para explorar ou extrair gás de xisto. Mas existem 70 permissões de pesquisa e 62 pedidos de exploração pendentes de concessão, segundo o Ministério de Indústria e Energia. Todos são de exploração de gás, o combustível no qual se concentra atualmente o desenvolvimento do xisto no país.
“Graças à luta da população”, se conseguiu anular uma permissão de exploração na comunidade de Cantábria, em fevereiro de 2014, explicou ao Terramérica a ativista Carmen González, da Assembleia Contra o Fracking de Cantábria, integrada, sobretudo, por habitantes das zonas rurais dessa região.
Os críticos da fratura hidráulica alertam para o risco de contaminação de aquíferos pelo uso de produtos químicos, para o perigo de vazamento na atmosfera de gás metano – com uma capacidade, como gás de efeito estufa, 25% superior à do dióxido de carbono –, e para o risco de movimentos sísmicos.
“Cada vez há mais notícias negativas sobre a fratura hidráulica”, apontou ao Terramérica o geólogo Julio Barea, porta-voz do Greenpeace Espanha, garantindo que no país existe uma “rejeição social e política absoluta” a essa técnica que “ninguém quer”. O ministro de Indústria e Energia, José Manuel Martínez Soria, apoia o desenvolvimento dessa técnica, “sempre e quando cumpridas determinados condições e requisitos gerais”.
Há 12 meses, 20 partidos políticos, incluído o principal de oposição, o Partido Socialista Operário Espanhol, assinaram no parlamento o compromisso de proibir o fracking quando houver mudança de governo, por “seu impacto ambiental de consequências irreversíveis”. Apenas quatro partidos de direita, incluído o governante Partido Popular, promotor do desenvolvimento do gás não convencional, não assinaram o compromisso.
Para extrair o gás, perfura-se um poço vertical até as camadas onde fica preso o xisto, entre 400 e cinco mil metros abaixo da superfície Uma vez alcançado esse nível, abre-se um poço horizontal de até três quilômetros e injeta-se, a alta pressão, entre dez mil e 30 mil metros cúbicos de água, areia e compostos químicos para quebrar a rocha e liberar o gás, que junto com os aditivos sobe para a superfície, onde é separado.
As empresas interessadas minimizam os perigos dessa técnica e destacam o grande potencial na Espanha do gás de xisto (shale, em inglês), principalmente na zona de Cantábria, no País Basco, em Castela e León, onde fica Burgos, embora também haja permissões de exploração em outras comunidades.
“Como qualquer atividade, representa riscos, mas os avanços tecnológicos permitem minimizá-los”, afirmou Daniel Alameda, diretor-geral da Shale Gas España, uma plataforma das empresas do setor com permissões de exploração no país. Ao Terramérica, Alameda assegurou que as companhias “são totalmente conscientes de que é preciso respeitar o ambiente’.
O diretor defendeu que “é impossível tecnicamente” o fracking contaminar os aquíferos, já que a fratura ocorre a cerca de três mil metros abaixo do nível onde se encontram e os poços estão isolados por uma barreira protetora de aço e concreto.
“É uma balela que o fracking não contamina, afirmou por sua vez, ao Terramérica o ativista Samuel Martín-Sosa, responsável internacional da organização Ecologistas em Ação. Ele também recordou que já houve uma primeira sentença contra essa indústria, no Estado norte-americano do Texas. Nela, uma companhia petroleira foi condenada, em 2014, a indenizar uma família que adoeceu pela proximidade de seus poços.
A Shale Gas España também rechaça que exista uma vinculação entre a hidrofratura e os movimentos sísmicos. “Não produzimos terremotos. Temos todas as ferramentas para que a atividade não seja uma ameaça, nem para os cidadãos, nem para as próprias empresas”, assegurou Alameda.
Em um documento de 2014, o Instituto Geológico e Mineiro da Espanha alerta para a possível radiação das águas do entorno, contaminação dos aquíferos e da atmosfera e para o perigo de movimentos sismológicos como principais preocupações apresentadas pelo fracking. Martín ressaltou que é um fato que a maioria das demandas não chegam a julgamento porque as empresas conseguem acordos econômicos e “cláusulas de confidencialidade” que impedem os afetados pelos poços de falar.
Os Estados Unidos são o maior produtor mundial de hidrocarbonos de xisto, seguidos pela Argentina. Na União Europeia, a França foi o primeiro país do mundo a proibir a fratura hidráulica, em julho de 2011, e atualmente 17 países excluem seu uso, enquanto a Espanha e outros dez o permitem, com a Grã-Bretanha na liderança de seu desenvolvimento.
Alameda afirmou que o xisto permitirá criar postos de trabalho, reduzir a dependência energética e melhorar a balança comercial. A Espanha importa cerca de 80% da energia que consome, segundo o Plano de Ação para Economia e Eficiência Energética 2011-2020. As estimativas de jazidas de gás não convencional garantiriam 70 anos de autoabastecimento para o país, segundo seus defensores.
Para reduzir essa dependência, “o caminho não é a extração de gás, não podemos nos permitir continuar queimando hidrocarbonos”, afirmou Martín-Sosa. Ele criticou a “promoção absoluta” do xisto pelo governo, quando o necessário é “uma mudança do modelo energético”, baseado no abandono dos combustíveis fósseis pelas energias renováveis. Mas estas “têm mais travas do que nunca”, que vêm do poder central, acrescentou o ativista. Porém, a Shale Gas assegura que “a indústria do gás e do petróleo é compatível com as energias renováveis”.
No biênio 2013-2014, quatro das 17 comunidades autônomas espanholas aprovaram leis para proibir o fracking em seus territórios, mas o governo central aprovou mudanças na competência sobre esse desenvolvimento, que permitiram a revogação das normas regionais pelo Tribunal Constitucional do país. Martín-Sosa considera que é preciso buscar a proibição nacional da hidrofratura, e não tentar conseguir sua regulamentação. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.