Por Ivet González*
Havana, Cuba, 11 de maio de 2015 (Terramérica).- A população cubana considera que os furacões são o desastre natural mais devastador que atinge esta ilha do Caribe. Mas começa a temer igualmente a seca, um fenômeno silencioso que este ano poderia alcançar uma intensidade sem precedentes. “A seca é tão grave como os ciclones. Agora mesmo, toda a vegetação está amarela e qualquer coisa pode provocar um incêndio”, afirmou Odalys Ramírez, que vive no povoado de Quivicán, na província de Mayabeque, vizinha à capital e das mais afetadas pela crise.
“Ao menos não sofremos problemas com a água nas casas”, acrescentou Ramírez, de 41 anos e de família camponesa, que conversou com o Terramérica no começo deste mês, quando normalmente termina a estação seca, que no país tem início em outubro. Entretanto, as autoridades tiveram que tomar medidas de emergência para proteger centenas de milhares de pessoas, como transporte de água em caminhões-pipa, análises para mudar as fontes de fornecimento em lugares com déficits do recurso, construção de novas instalações hídricas e aprofundamento e abertura de poços.
Para Ramírez, “na agricultura, o impacto foi sentido porque muitos produtores não têm sistema de irrigação e os animais recebem menos alimentos pela falta de capim. Os camponeses são os que mais sofrem, porque seu trabalho pode se perder ou não render o necessário”. O período seco deixou uma mensagem clara sobre a intensificação de secas prolongadas em Cuba, onde seus 11,2 milhões de habitantes dependem, sobretudo, das chuvas para ter água nos setores residencial e produtivo.
O Centro do Clima do estatal Instituto de Meteorologia informou que a situação crítica do final de 2014 se agravou ao terminar o primeiro trimestre de 2015, devido a um período “intenso e prolongado” de seca, que afeta 63% do território, especialmente sua metade mais ocidental. Das áreas afetadas, em 8% ocorreram déficits de chuvas de severos a extremos, em 18%, moderados, e 37%, fracos. Até março as províncias mais impactadas eram as ocidentais de Pinar del Río, Mayabeque e Matanzas, as centrais de Cienfuegos e Villa Clara, e as orientais de Granma, Santiago de Cuba e Guantânamo.
No final de abril, por exemplo, as mídias locais informaram que as reservas de água subterrânea na província de Ciego de Ávila apresentaram a situação mais crítica das últimas quatro décadas, com queda de 61% em sua capacidade explorável. Em algumas regiões do aquífero avilenho, chegou-se a bombear água do volume morto, que deveria ser intocável porque há o risco de intrusão salina na fonte de água e sua consequente perda. Por isso, o fornecimento hídrico diminuiu e foi vedada a irrigação nas plantações de várias regiões.
A imprensa local qualifica como “graves” as consequências da seca, mas as autoridades ainda não divulgaram as perdas econômicas sofridas pela escassez de água e os esforços extras para abastecer com caminhões-pipa as populações em situação crítica, bem como a pecuária e a agricultura. A principal causa da lenta recuperação dos aquíferos e o pouco crescimento das represas, 969 em todo o país, foram as muito exíguas precipitações, segundo o Centro do Clima. O problema está relacionado com a mudança climática e a consequente elevação de temperaturas e os eventos naturais extremos.
O ano passado foi o mais quente dos últimos 135 e o dia 26 de abril de 2015 está entre os dias com maior temperatura em meio século, com registros superiores a 35 graus Celsius em 23 estações meteorológicas cubanas. O Escritório Nacional de Estatísticas e Informação indicou que, em 2014, a média total de chuvas no país foi de 1.268 milímetros (1,26 litro por metro quadrado), uma redução de 17,2 milímetros com relação a 2013.
Cuba está entre os países de baixa disponibilidade de água por pessoa, com 1.220 metros cúbicos por habitante para todos os usos, que fontes especializadas definem como “estresse hídrico moderado”. “Todos os anos vemos que diminuem as chuvas históricas médias”, pontuou Alberto López, vice-presidente do governo de Cauto Cristo, um município rural da província de Granma. “O ano passado foi atípico. Choveu mais tempo, mas com volumes mínimos”, afirmou ao Terramérica.
“Felizmente, há bastante tempo não passa nenhum furacão por aqui”, alegrou-se López, identificando, ao mesmo tempo, a seca como o principal problema climático desse município agropecuário de 21 mil habitantes. “Dependemos da água da chuva, e pouquíssimas propriedades têm sistemas de bombeamento de água”, explicou. Bem abaixo de seu nível habitual, esteve o rio Cauto, segundo mais caudaloso de Cuba e que passa por este município de 550 quilômetros quadrados. López disse à imprensa que a represa Cauto El Paso, a terceira maior do país, tinha 30% de sua capacidade.
Por sua vez, Manuel Sánchez, da não governamental Associação Nacional de Pequenos Agricultores de Granma, explicou ao Terramérica que as baixas precipitações impedem que represas como a de Carlos Manuel de Céspedes, em Santiago de Cuba, forneçam água de qualidade ao rio Cauto para baixar seus altos níveis de salinidade.
“Nos últimos anos, os episódios de seca aumentaram em Cuba trazendo consequências muito prejudiciais”, alertou a pesquisadora Cecilia M. Fonseca, do Centro do Clima, no artigo As Condições de Seca e Estratégias de Gestão em Cuba. A especialista recordou a sucessão de vários eventos extremos, que “causaram ingentes problemas à população, enormes perdas econômicas e significativos danos ao ambiente”.
Entre 2004 e 2005, foi registrada a seca mais crítica do último século de registros meteorológicos no país, com perdas equivalentes a US$ 40 milhões. E entre 2009 e 2010, a metade ocidental de Cuba sofreu a seca mais severa de sua história. Especialistas e a população alertaram para outras questões, como o desperdício e a deficiente gestão do setor, porque em vários territórios até 50% da água bombeada vaza por buracos em redes envelhecidas sem a adequada manutenção.
“É preciso implantar mais medidas de racionalização e preservar as bacias de águas subterrâneas – seguindo as normas sanitárias vigentes e limites de exploração – e não contaminar rios, lagos e poços”, opinou ao Terramérica a especialista russa Viera Petrova, residente em Matanzas desde 1970. Ela também alertou para a vulnerabilidade das comunidades costeiras, onde se deve ter extremo cuidado para proteger as fontes de água da invasão salina.
Segundo o Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários, a seca passou a ser em 2013 o principal desastre em número de pessoas afetadas na América Latina e no Caribe. Mais de 1,7 milhão de pessoas sofreram no ano passado a escassez de água, sobretudo em El Salvador, Guatemala, Honduras e Nicarágua. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.