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Terramérica - Eletricidade comunitária se acende na Espanha

Fachada fotovoltaica de um dos prédios do Museu da Ciência e da Técnica da Catalunha. Foto: Chixoy CC BY-SA 3.0)
Fachada fotovoltaica de um dos prédios do Museu da Ciência e da Técnica da Catalunha. Foto: Chixoy CC BY-SA 3.0)

Málaga, Espanha, 5 de maio de 2014 (Terramérica).- Até há pouco era impensável que, em países industrializados totalmente eletrificados como a Espanha, pequenos grupos da sociedade civil gerassem sua própria luz de fontes limpas, desafiando o modelo energético imperante. Agora, quem quiser se converter em “agente de mudança” pode ser coproprietário de projetos coletivos que promovem as energias renováveis, como o Horta Solar Amigos da Terra, uma planta fotovoltaica de 20 quilowatts no município de Sisante, um empreendimento da empresa sem fins lucrativos Ecooo e Amigos da Terra Espanha.

“Temos que mudar o modelo do século 20, pelo qual a energia é igual a combustíveis fósseis e o cidadão é considerado um simples consumidor”, disse ao Terramérica o responsável de Energia e Clima da Amigos da Terra, Héctor de Prado. “Comprando participações a partir de cem euros as pessoas se convertem em coproprietárias e recebem uma rentabilidade”, explicou ao Terramérica José Vicente Barcia, porta-voz da Ecooo, que conta com 65 instalações fotovoltaicas coletivizadas instaladas em telhados de diferentes comunidades espanholas, rurais e urbanas.

A Ecooo, que integra a Plataforma por Um Novo Modelo Energético, junto a mais de 300 organizações, também instala e mantém painéis fotovoltaicos para particulares e realiza auditorias para analisar o consumo elétrico. “A potência instalada é superior ao que se necessita, para lucro das corporações elétricas”, pontuou Barcia. O que se necessita é uma cultura da economia, porque “o quilowatt mais ecológico e econômico é o que não se consome”, acrescentou.

Outra possibilidade de um usuário que deseja fazer parte do progresso da energia coletiva e renovável é mudar sua comercialização habitual de eletricidade por uma de várias cooperativas “verdes” que operam na Espanha, como a Zencer, na região de Andaluzia, a Som Energia, na Catalunha, ou GoiEner e Nosa Enerxia, na Galícia.

“Queremos o consumidor participando da gestão da energia que consome”, explicou ao Terramérica o arquiteto Francisco Javier Porras, fundador e presidente da Zencer, que desde janeiro de 2013 comercializa eletricidade em nível nacional procedente de fontes renováveis.

Essas cooperativas podem adquirir eletricidade do mercado geral e dos grandes oligopólios energéticos, mas garantem a origem limpa de toda energia que comercializam, administrando Certificados de Garantias de Origem para os produtores de fontes renováveis. Segundo Porras, entre 30% e 40% da energia comercializada no mercado elétrico espanhol procede de fontes renováveis.

Em seu escritório em Fuengirola, em Málaga, Porras reconhece que o usuário é “muito reticente às mudanças na área energética”, apesar de o preço das contas ter disparado nos últimos anos. O custo da eletricidade para os sócios dessas cooperativas não é maior do que o das grandes corporações como Iberdrola, Gas Natural Fenosa, Endesa, HC e E.On., e inclusive pode ser menor, e supõe um aporte limpo ao consumo, destacam alguns de seus membros.

É que, com desemprego na casa dos 25% e o custo da energia elétrica subindo constantemente, aparece um fenômeno novo: a pobreza energética.

A quantidade de espanhóis com dificuldades para pagar seu consumo de energia cresceu em dois milhões entre 2010 e 2012 nesse país com mais de 47 milhões de habitantes, segundo estudo da Associação de Ciências Ambientais (ACA). Na Espanha existe uma pobreza energética de mais de 10% das famílias, o que representa mais de quatro milhões de pessoas, segundo o estudo.

José Luis López, coordenador desta pesquisa, acredita que as iniciativas de gestão coletiva da energia podem ter “certa influência” em reduzir a pobreza energética quando conseguem baratear o custo para seus sócios, embora “não exista um efeito imediato de curto prazo”. Promover a energia renovável e autóctone também reduz a dependência dos combustíveis fósseis e, portanto, os milhões de euros de custos fixos que saem dos cofres do Estado, acrescentou.

A Amigos da Terra critica o fato de o governo criar obstáculos ao progresso das energias renováveis nesse país de grande potencial “não aproveitado”, enquanto outros países da União Europeia encontram nessas fontes um caminho para reduzir as emissões de gases-estufa, responsáveis pelo aquecimento global. “O que o governo faz é uma desfaçatez”, disse Marc Roselló, da Som Energia, se referindo às políticas do governo, que privilegiam as grandes empresas que usam combustíveis fósseis.

Em julho, o governo iniciou uma reforma energética e em dezembro aprovou a emenda da Lei do Setor Elétrico, rechaçada por centenas de organizações da Plataforma e por 14 partidos políticos da oposição. Roselló afirmou ao Terramérica que a Som Energia transferiu para a Espanha no final de 2010, um ano após a liberalização do mercado elétrico, a experiência de modelos europeus afiançados como a Ecopower, da Bélgica, ou a Enercoop, da França. “Não só comercializamos como produzimos mediante projetos próprios”, acrescentou.

As contas de luz da cooperativa detalham para seus mais de 14 mil sócios a origem da eletricidade que distribuem. Em 2013, por exemplo, procediam de fontes fotovoltaicas, eólicas e biogás. Também para Porras, da Zencer, “o grande objetivo” é que a cooperativa, com 600 sócios e acreditada para distribuir em toda Espanha, produza com fundos próprios sua energia mediante pequenos projetos de geração.

Embora há alguns anos não fosse possível a participação social no sistema energético, agora milhares de pessoas de diferentes perfis – investidores comprometidos com o meio ambiente, ecologistas e outros – estão se associando ou participando de projetos de energia limpa, como o Viure de L’Aire, um aerogerador de propriedade compartilhada da Catalunha. “Cada quilowatt/hora verde acrescentado à rede elétrica é um quilowatt/hora a menos que se queima de combustível fóssil”, destacou Héctor de Prado. Envolverde/Terramérica

* A autora é correspondente da IPS.

 

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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.