Santiago, Chile, 24 de fevereiro de 2014 (Terramérica).- A pergunta soa entre tecnologia futurista e ideia descabelada. Contudo, com o acelerado retrocesso das geleiras pelo aquecimento e pela exploração mineral, a ciência busca restaurar ou recriar essas valiosas massas de água doce. “Há diversas tecnologias para salvar e criar novas geleiras”, afirmou ao Terramérica o glaciologista chileno Cedomir Marangunic. Isso soa como uma doce promessa para o Chile, país mineiro que possui pelo menos 3.100 glaciares e a maioria deles apresenta um evidente retrocesso, segundo dados oficiais.
Essas grandes massas de neve e gelo recristalizado guardam 69% da água doce do planeta. Se formam quando o acúmulo de neve caída nas nevadas anuais excede em demasia a quantidade que derrete no verão, juntando enormes quantidades de material em um período geológico curto. Porém, no caso de ser uma obra humana, o tempo de criação de uma geleira dependerá de quanto se investir, afirmou Marangunic.
O prazo mínimo para que um acúmulo de neve suficiente se transforme completamente em gelo é de três anos, detalhou Marangunic, geólogo da universidade do Chile e doutor em glaciologia na Universidade Estatal de Ohio, nos Estados Unidos. “Deve-se simular o processo natural, vale dizer que o acúmulo de inverno deve ser maior do que o derretimento no verão. E isto não é difícil de conseguir, o importante é poder fazê-lo com o mínimo custo e de maneira ambientalmente sustentável”, ressaltou.
As técnicas testadas “apontam para a redução da fusão na superfície do gelo ou da neve, ou, então, aumentar o acúmulo de neve”, indicou Marangunic. Nos testes realizados no Chile se cobriu com detritos rochosos um depósito artificial de gelo, reduzindo a ablação a um quarto ou um quinto do normal, pontuou o especialista ao Terramérica. A ablação glacial é a perda de massa por derretimento ou outras causas.
Marangunic, diretor de uma empresa que faz projetos e pesquisas em geleiras, neve e avalanches, também fez testes transportando uma massa de gelo de um lugar a outro em 2007. Com caminhões, foram movidos em um dia 30 mil toneladas de gelo para um lugar separado. Enquanto em seu lugar original o gelo retrocedia cerca de 15 centímetros por ano, em sua segunda alocação diminuiu 30 centímetros no primeiro ano, mas depois a perda ficou mais lenta, tal como se esperava. Em 2012, o gelo só retrocedeu três centímetros.
O especialista testou transformar um campo de gelo em uma pequena geleira, construindo um obstáculo, como os usados para a proteção de avalanches ou nas quadras de esqui, e modificando-a para alterar o trânsito do vento durante as tempestades. Isso permitiu duplicar o acúmulo de neve. Entre as técnicas mais usadas “destaca-se cobrir parte da superfície de uma geleira com uma manta de material geotêxtil, que reduz a ablação a partir da superfície”, explicou o glaciologista.
Marangunic alerta que devem ser tomados cuidados, por exemplo, quando uma geleira é impactada “acrescenta-se água à sua bacia pela fusão acelerada da massa de gelo, mas depois diminui durante o acúmulo artificial”. Todo o processo, reconhece, “pode afetar o ecossistema local, que deve ser manejado para evitar danos”.
Para o diretor do Greenpeace do Chile, Matías Asun, trata-se de um assunto não concludente, que não há “base alguma para se dizer que essa seja uma tecnologia viável, suficiente, de sucesso, efetiva em custos e, menos ainda, possível de realizar em todos os perímetros onde há zonas glaciais”. Em um inverno seco, por exemplo, não haveria neve suficiente para o acúmulo que uma nova geleira necessita. E, pela mudança climática, tudo indica que haverá mais e mais invernos secos, observou.
“Não duvido que há intenções muito boas da parte de quem quer tentar desenvolver estratégias de proteção de geleiras, porque, de fato, parte importante dos riscos poderiam ser minimizados”, afirmou Asun ao Terramérica. “O ponto central é proteger as geleiras que existem de maneira efetiva. Elas estão aí e deveriam continuar aí”, ressaltou.
Na América Latina, 82% das reservas de água doce em geleiras estão no Chile, segundo o Greenpeace. Mas uma boa parte das geleiras chilenas está ou estará ameaçada pela mudança climática e pela mineração. “São uma reserva estratégica de água e também uma parte importante do patrimônio da região, e hoje em dia não são protegidas por lei”, como na vizinha Argentina, pontuou Asun.
A legislação atual permite que um projeto produtivo afete uma geleira, se o impacto for explicitado no estudo de impacto ambiental e compensado de alguma forma. Em recente intervenção no parlamento, o glaciologista Alexander Brenning, da canadense Universidade de Waterloo, garantiu que a magnitude das intervenções em geleiras do Chile não tem comparação no mundo e exortou no sentido de avaliar seus efeitos acumulativos.
O Poder Legislativo tem em exame um projeto de lei que incluiria uma definição clara do que é uma geleira e um cadastro permanente. Para Marangunic, é essencial que essa definição não feche parte importante do território a todo tipo de atividades, como turismo ou projetos de desenvolvimento, “sem contribuir em nada para a persistência das geleiras”. Deve-se estabelecer o domínio das geleiras, principalmente as que estão em terreno privado, acrescentou.
“Poderão ser compradas e transacionadas, como ocorre com os direitos de água?”, questionou o especialista, recordando o Código de Águas da ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990), que transformou este recurso em propriedade privada. Projetos de mineração como Los Bronces, da empresa Anglo American, Andina 244 e Escalones, da Estatal Corporação do Cobre do Chile, e Pascua Lama, da Barrick Gold, são a principal ameaça para várias geleiras deste país, afirmam ambientalistas.
Marangunic, porém, afirmou que, embora “alguma mineração” prejudique os glaciais, “a contaminação ambiental em grandes cidades, como Santiago, ou a fumaça da queima de pastagens e florestas” também deixam sua marca nesses gelos. Por isso, a seu ver, a futura lei deverá ser aplicada igualmente para todos. “Como se poderá castigar Santiago por produzir o smog que afeta as geleiras da Cordilheira?”, questionou.
Pode-se conseguir o fim do retrocesso de uma geleira em um ano, se for uma relativamente pequena. “Mas conseguir que se recomponha em suas dimensões históricas uma que diminuiu por décadas ou séculos seguramente demorará um tempo semelhante”, que poderia ser acelerado com alto investimento, destacou.
Para Asun, “a urgência hoje não é esperar milhares de anos para poder reproduzir outra geleira e ver se dá resultado, mas proteger o que existe”. Brincando de ser Deus, “já vimos o que aconteceu com Jurassic Park. Se as geleiras estão aí, vamos protegê-las”, enfatizou. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação apoiado pelo Banco Mundial Latin America and Caribbean, realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.