Por Joaquín Roy, da IPS –
Miami, Estados Unidos, 28/3/2016 – O inimigo não é Bruxelas: é a Europa. Foi o que deixou bem claro o Estado Islâmico ao atacar, mais do que o aeroporto de Bruxelas, uma estação de metrô de estilo comum. Maelbeek não é apenas uma parada do sistema de transporte subterrâneo da capital da Bélgica. Embora o simbolismo pudesse ter sido mais dramático se os terroristas tivessem escolhido a estação Robert Schuman, pode ser que as condições de segurança maiores os dissuadiram.
O certo é que se trata do coração simbólico da União Europeia. Por ali passam diariamente milhares de funcionários das três instituições comunitárias, o Conselho, o Parlamento e a Comissão. O órgão supremo da UE representa os sacrossantos interesses dos Estados membros, que desde o surgimento do terrorismo e do drama dos refugiados capturam a disciplina da organização. O Parlamento, que defende os valores dos cidadãos, se sente deslocado em fazer ouvir sua voz. A Comissão, que controla o capital constitucional dos tratados, aderiu aos desejos dos Estados.
Em contraste com as gratuitas acusações sobre a ineficácia da UE, o certo historicamente é que tem sido um êxito espetacular que garante durante décadas o que não existiu na Europa durante séculos: estabilidade, paz, progresso, justiça. Assim demonstraram com suas ações recentemente os milhares de imigrantes e refugiados que optaram, contra todos os obstáculos, por ir ao refúgio da Europa e da UE. Esses milhares estão dispostos a assumir qualquer risco e pagar qualquer preço (pecuniário e pessoal) para se colocar sob a proteção de um dos poucos sistemas do planeta que podem lhes garantir o que desejam.
Os terroristas detectaram este detalhe que, por fim, identifica o inimigo último de suas ações. Não são os Estados, as sociedades nacionais, os governos, os capitais individuais que já são vítimas de seu ódio, mas um organismo que tenazmente reclama conhecimento. A UE ainda tem todo o potencial de se constituir em um escudo efetivo, não apenas para garantir a sobrevivência da Europa como civilização, mas de se apresentar como agente efetivo da eficácia prática de sublimar os sonhos dos próprios cidadãos. Ao mesmo tempo, dá razão aos que desde o exterior tenazmente querem se colocar sob sua proteção.
Os terroristas estão executando ações que até agora tinham objetivos predominantemente nacionais para provocar, até agora com êxito, a reação nacionalista e autoprotetora dos governos temerosos em perder sua pretendida soberania nacional. O ataque à emblemática estação do metrô, cordão umbilical das instituições, é uma mensagem cristalina: o inimigo não é o Estado. É o ente coletivo que ainda pode salvaguardar os êxitos que desde quase o final da Segunda Guerra Mundial continuam sendo admirados pelo resto do mundo.
Os governos, por meio de decisões diminuídas no próprio Conselho da Europa, em diversas ocasiões responderam temerosamente aos ataques terroristas, mediante a redução das decisões coletivas. Por exemplo, como resposta equivocada aos ataques de novembro do ano passado em Paris, o governo francês desdenhou usar a cláusula de solidariedade do artigo 211 do Tratado da UE – uma espécie de artigo 5 da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)–, e optou por aplicar o artigo 42, um plano intergovernamental. A França, como outros governos europeus, decidia reduzir a soberania europeia e neutralizava perigosamente o acordo de livre trânsito de Schengen.
Em lugar de reforçar os poderes das instituições, procedia-se a devoluçãoaos Estadosda soberania compartilhada. Para conseguir a cooperação dos guardiões alternativos da autoridade europeia coletiva se “comprava” a cumplicidade da Turquia para constituir uma barreira diante da invasão de refugiados, sob a promessa de uma facilidade de entrada na própria UE. Apontava-se que Bruxelas não tinha poder. Dava-se razão aos nacionalistas e aos próprios terroristas.
O ataque à estação do metrô de Bruxelas nos recorda que o próprio terror reconhece que o inimigo é precisamente o organismo do qual os próprios europeus querem reduzir o potencial. Chegou o momento de se voltar às origens e assumir, de uma vez por todas, que foi o Estado nacional o culpado pelo holocausto representado pelas duas guerras europeias que quase destruíram a civilização do Velho Continente. O que se necessita não é o que numerosos governos e setores da sociedade reclamam: menos Europa. O que, precisamente, é peremptoriamente necessário é o resgate da estação de Maelbeek.
Em lugar de desmontar Schengen, é preciso um sólido tratado, interno e externo, que garanta a livre circulação de cidadãos e visitantes. Para reforçar esta argumento, deve-se criar uma força supranacional que supervisione o funcionamento das fronteiras de uma maneira coletiva, não sujeita aos caprichos dos Estados. Necessita-se de mais Europa, não de menos. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami ([email protected]).