Por Emilio Godoy, da IPS –
Cidade do México, México, 16/6/2015 – Os dois últimos empregos deixaram um sabor amargo em Yoloxochitl Solís, uma mexicana de 48 anos e mãe solteira, que ela resume com dois conceitos: abuso e discriminação.
“A senhora jogava em mim a comida, os remédios. Começou a ser grosseira comigo, porque não gostava que eu cumprimentasse as pessoas que a visitavam, queria que eu ficasse fechada na cozinha, não podia passar nem para ir ao banheiro”, contou Solís à IPS, ao relatar as penúrias que suportou como empregada doméstica.
Esta mãe que criou sozinha seu filho, agora com 24 anos, e cujo nome significa “flor de coração” na língua náhuatl, trabalhou entre 2000 e 2005 como empregada em uma casa na Villa Olímpica, bairro de classe média do sul da Cidade do México, onde cuidava de uma senhora octogenária, além de limpar e cozinhar. “Era muito estranho essa agressividade do tratamento, porque não tinham motivo para me discriminar”, observou sobre a idosa e seu filho de aproximadamente 60 anos.
Ela ganhava cerca de US$ 20 por dia, dos quais gastava US$ 2 no transporte, por uma jornada longa, de segunda a sábado, na qual acrescentava duas horas de viagem, enquanto como benefício recebia apenas um pequeno abono anual. Cansada dos maus tratos, se demitiu.
Porém, sua experiência seguinte foi pior. Recomendada por um sobrinho, aceitou trabalhar, também em Villa Olímpica, para uma senhora que sofrera embolia e tinha dois filhos. Teoricamente, sua jornada de trabalho era das 8h30 às 15 horas, “mas saía até oito da noite, sempre havia alguma coisa para fazer e, mesmo doente, não podia faltar”, contou Solís.
Em março, sofreu uma alergia e apresentou um quadro febril que a obrigou a ficar em casa, no populoso bairro de Magdalena Contreras, também no sul da capital. “Gritaram comigo, me xingaram, não quiserem me escutar”, afirmou. Por isso deixou o trabalho em que estava desde 2006.
Histórias como a de Solís são moeda corrente no México, onde as trabalhadoras domésticas sofrem discriminação, assédio sexual, exploração e salários baixos, sem que a legislação mexicana as defenda. Apesar desse contexto, o México ainda não ratificou o Convênio 189 sobre Trabalhadoras e Trabalhadores Domésticos, que assinou em 2011, dentro da Organização Internacional do Trabalho, e que entrou em vigor dois anos depois.
O convênio, que é vinculante, define padrões trabalhistas, como salário mínimo, liberdade de associação, direito à negociação coletiva, proteção contra abuso e assédio, um dia de descanso semanal, contratos formais, assistência social e licença-maternidade.
Esse acordo foi acompanhado da Recomendação 201, neste caso não vinculante, que representa um guia prático para o fortalecimento das leis e políticas nacionais para o trabalho no serviço doméstico. O instrumento também aborda assuntos não cobertos pelo Convênio 189, como políticas e programas para o desenvolvimento profissional dos trabalhadores, dados e cooperação internacional, como proteção dos direitos de quem trabalha para pessoal diplomático.
“As trabalhadoras são demitidas sem justa causa, acusadas de roubo, colocadas em prisões por acusações de qualquer tipo para não serem pagas, sofrem assédio sexual. Estão no desamparo, o trabalho está desvalorizado”, destacou Marcelina Bautista, fundadora e diretora do não governamental Centro de Apoio e Capacitação para Empregadas do Lar (Caceh).
Bautista, que também é coordenadora regional para a América Latina da Rede Internacional de Trabalhadoras do Lar, fala com experiência, conforme contou à IPS, porque começou a trabalhar como empregada doméstica na capital quanto tinha 14 anos. Originária do Estado de Oaxaca, as humilhações que sofreu a fizeram tomar consciência da precariedade do trabalho doméstico e retomou seus estudos, para poder ajudar a melhorar as condições de vida dos que se empregam no setor doméstico.
O Caceh recebe entre três e cinco queixas diárias, as mais comuns por demissão injustificada e discriminação, que, se não são resolvidas por meio do diálogo, passam para um grupo de advogados voluntários. O Centro também assessora as domésticas sobre seus direitos e possui um programa de colocação profissional.
No informe Condições Trabalhistas das Empregadas Domésticas, publicado em abril pela estatal Comissão Nacional para Prevenir a Discriminação, ressalta a discriminação por classe social, a violência, o racismo e as ofensas que essa categoria sofre.
Calcula-se que 2,3 milhões de pessoas, mais de 90% mulheres, trabalham no serviço doméstico no México, país com 120 milhões de habitantes. Esse informe evidenciou a baixa escolaridade, o trabalho herdado de familiares, a contratação irregular e as longas jornadas como traços marcantes do setor. A partir de pesquisas com empregadas e empregadores, a Comissão concluiu que os principais conflitos provêm de falsas acusações de roubo, revista em seus pertences, maus tratos verbais, uso de linguagem pejorativa e inclusive abuso físico.
As empregadas mencionaram desvantagens como falta de assistência social, maus salários, maus tratos, trabalho pesado e exigente, sem horário fixo e descumprimento das pautas da contratação. Também enumeraram a falta de dinheiro e de estudos e carência de opções como razões para trabalharem nessa área.
Segundo a pesquisa, a média de idade é de 35 anos. Do total, a maioria, 28%, tem entre 18 e 25 anos, enquanto 5% são menores de idade. Das domésticas entrevistadas, 36% começaram a trabalhar com menos de 18 anos e 21% quando ainda não tinham a idade legal para fazê-lo, que no México é de 15 anos. Além disso, 23% são de origem indígena e, deste segmento, 33% sofreram tratamento depreciativo e 25% foram proibidos de falar em sua própria língua.
Durante a 104ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho da OIT, que aconteceu em Genebra entre os dias 1º e 13 deste mês, o governo mexicano comunicou à organização que analisa como compatibilizar os dois instrumentos internacionais e a Lei Federal do Trabalho, reformada em 2012 sem incluir os compromissos do Convênio 189.
Mas o governo não acatou o convite prévio da Comissão de Especialistas no Cumprimento de Convenções e Recomendações da OIT para enviar o mais rápido possível o texto ao Senado para ser ratificado e entrar em vigor no país.
Pela América Latina, Argentina, Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Equador, Nicarágua, Paraguai, República Dominicana e Uruguai já o ratificaram, segundo a OIT.
Solís reconhece que desconhece a existência de um convênio internacional que possa protegê-la. “É muito importante que tenhamos orientação sobre qual é o trabalho e os nossos direitos”, afirmou.
Para Bautista, é difícil sensibilizar os tomadores de decisões. A ativista afirmou que o Convênio 189 é “primordial porque é melhor do que qualquer lei nacional. Além disso, é preciso adequar as leis ao Convênio, a lei não é boa para as empregadas domésticas”. Envolverde/IPS