Internacional

Tratado mitigará crise de refugiados

Refugiados sírios protestam em Atenas para terem permissão de viajar a outros países europeus, em novembro de 2014. Foto: Apostolis Fotiadis/IPS
Refugiados sírios protestam em Atenas para terem permissão de viajar a outros países europeus, em novembro de 2014. Foto: Apostolis Fotiadis/IPS

Por Andreas Sieber*

Estrasburgo, França, 15/9/2015 – À mudança climática são atribuídos muitos dos males sociais e econômicos que afetam principalmente os mais pobres no Sul global, e agora há quem a considere uma das causas fundamentais da atual crise de refugiados. Para evitar outra crise, é necessário um tratado sobre a mudança climática que seja “ambicioso, sólido e vinculante”, afirmou o presidente da Comissão Europeia (CE), Jean-Claude Juncker, no discurso sobre o estado da União Europeia (UE), que fez no dia 9, no Parlamento Europeu, nesta cidade francesa.

“A mudança climática é uma das causas fundamentais de um novo fenômeno da migração. Os refugiados climáticos se converteram em um novo desafio, se não agirmos rapidamente”, advertiu Juncker. O presidente da CE pediu à UE e aos seus sócios internacionais que sejam mais ambiciosos quanto à proteção do clima, e alertou que o bloco “não assinará qualquer acordo” na 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá em Paris no mês de dezembro com a finalidade de acordar um novo tratado universal para reduzir o aquecimento global.

As consequências da mudança climática, como as secas de maior duração, tempestades mais violentas e a elevação do nível do mar, pioram as condições de vida de centenas de milhões de pessoas. Principalmente nos países mais pobres, a mudança climática obriga as pessoas que não têm a capacidade para se adaptar a abandonar suas casas. Parte da população dos países do Sahel, Bangladesh e Sul do Pacífico teve que fugir por causa dos efeitos do clima.

“A mudança climática já está causando muito dano no Sul global. Pode arruinar todo o progresso realizado na luta contra a pobreza mundial nas últimas décadas”, afirmou Jan Kowalzig, da organização humanitária Oxfam. Entretanto, é a relação entre a mudança climática e o fenômeno dos refugiados que chama a atenção de muitos especialistas.

No começo deste ano, um estudo de uma equipe de pesquisadores da Universidade de Colúmbia e da Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla), ambas dos Estados Unidos, responsabiliza pelo aquecimento global, em parte, a guerra civil desatada na Síria em março de 2011. Segundo esse estudo, entre 2006 e 2010, a Síria sofreu “a pior seca segundo os registros instrumentais”, o que provocou a perda de colheitas e uma forte migração dentro do país. Os modelos climáticos indicam que a seca teria sido extremamente improvável sem a mudança climática.

“Na Síria, país caracterizado por má governança e políticas agrícolas e ambientais insustentáveis, a seca teve um efeito catalisador que contribuiu para a instabilidade política”, afirma o documento. O número de refugiados que entrou na Europa este ano é o maior registrado em décadas, e os oriundos da Síria são, de longe, a maior quantidade. Calcula-se que nove milhões de sírios abandonaram suas casas até o momento.

Além da crise síria, a Organização das Nações Unidas (ONU) adverte que, em todo o mundo, a mudança climática poderia elevar drasticamente o número de refugiados. Srgjan Kerim, presidente da Assembleia Geral da ONU, estima que o aquecimento global poderá provocar até 200 milhões de refugiado até 2050. “Amanhã teremos refugiados climáticos, e é preciso que saibamos disso”, destacou Juncker no Parlamento Europeu.

Kowalzig apontou à IPS o que é preciso incluir no tratado sobre clima, a ser negociado na capital francesa, para mitigar uma potencial crise de refugiados. “A mudança climática expulsa as pessoas de suas casas e é aqui que entra o tratado climático de Paris. Primeiro, temos que reduzir as emissões de gases-estufa e manter o aquecimento global abaixo dos dois graus Celsius. Em segundo lugar, as pessoas dos países pobres precisam de apoio para se adaptarem à mudança climática, e, terceiro, o tratado tem que estabelecer normas especificas para os danos e prejuízos causados pelo aquecimento global, onde a adaptação não é possível”, explicou.

Em seu discurso em Estrasburgo, Juncker também admitiu que a UE “provavelmente não esteja fazendo o suficiente” para combater a mudança climática. O bloco anunciou que reduzirá suas emissões de gases-estufa em 40% até 2030, como parte de sua contribuição prevista e determinada em nível nacional (INDC). Os INDC são os compromissos que os países devem anunciar antes da COP 21.

Entretanto, já que o tratado negociado em Paris baseado nos INDC não bastará para manter o aquecimento global abaixo dos dois graus Celsius, muitas organizações e muitos países do Sul global exigem um processo quinquenal de “revisão e melhorias”, para que os compromissos climáticos sejam mais ambiciosos com o passar do tempo. O acordo a ser alcançado na COP 21 deverá, ao menos, oferecer uma proteção eficaz do clima. Isso depende, em grande parte, de a negociação incorporar um processo de revisão periódica, que permita aos países melhorar o tratado.

Nas negociações preparatórias para a COP 21, realizadas entre 31 de agosto e 4 deste mês, em Bonn, houve apoio para os objetivos de longo prazo, mas os compromissos de curto prazo não tiveram essa sorte. Um acordo em Paris, que tenha compromissos de curto prazo e ciclos quinquenais sem um objetivo concreto de longo prazo, poderia não ser perfeito. Faltaria uma perspectiva para além de 2030, mas melhoraria a proteção climática e a redução de gases-estufa nos próximos 15 anos.

Por outro lado, um acordo com um ambicioso objetivo de longo prazo, mas sem medidas eficazes de curto prazo, permitiria que os países atrasem suas reduções de gases-estufa. Muitos simplesmente não poderiam se colocar em dia depois de 2030. Envolverde/IPS

* Andreas Sieber trabalhou para várias organizações não governamentais e para a chancelaria do Estado alemão da Saxônia. Atualmente integra o projeto #Climatetracker.