Canberra, Austrália, 25/3/2015 – A crescente resistência a múltiplos medicamentos em pacientes com tuberculose, uma infecção pulmonar registrada principalmente nos países em desenvolvimento, gerou uma emergência de saúde pública em Papua-Nova Guiné, segundo fontes oficiais.
Os esforços para combater a doença tiveram resultado em todo o mundo e a mortalidade diminuiu 45% desde 1990. Mas, nesse país insular, a cifra anual de novas infecções aumentou de 16 mil para 30 mil casos nos últimos cinco anos. Por ocasião do Dia Mundial da Tuberculose, celebrado no dia 24, especialistas comentaram os desafios que enfrentam para frear a enfermidade que se espalha nas comunidades já afetadas por diversas dificuldades, com escassa informação e pouco acesso aos serviços básicos.
“O maior obstáculo, atualmente, reside nas crenças culturais relacionadas às causas da doença”, disse à IPS o especialista Louis Samiak, presidente de saúde pública da Faculdade de Medicina e Serviços de Saúde, da Universidade de Papua-Nova Guiné. “A tuberculose é uma enfermidade de longa incubação e a primeira ajuda procurada pelos pacientes são os bruxos e os remédios locais. Os pacientes chegam tarde aos centros de saúde, com a doença em estado avançado, e é muito difícil atendê-los”, acrescentou.
Os sintomas da tuberculose são febre, dor no peito, perda de peso e tosse, em geral com escarro e sangue, o que favorece a transmissão da bactéria. A doença se propaga rapidamente em assentamentos pobres e superlotados. Em Papua-Nova Guiné, onde o saneamento cobre apenas 19% da população e menos da metade tem acesso a água potável, a enfermidade é a principal causa das mortes hospitalares.
Nos povoados rurais do distrito de Kikori, na província do Golfo, a incidência da tuberculose alcançou a alarmante taxa de 1.290 casos para cada cem mil pessoas, segundo o Instituto de Pesquisa Médica. A prevalência nacional é de 541 para cem mil habitantes, ainda assim muito acima da média mundial, de 126.
A campanha para conter a epidemia nessa província conta com apoio da organização Médicos Sem Fronteiras (MSF), que no povoado de Kerema diagnostica, desde o ano passado, cerca de 50 novos casos por mês, entre os quais houve pacientes até de dez meses. Pessoas de 15 a 24 anos constituem o principal grupo afetado pela doença, mas os jovens representam 28% dos casos nesse país, e a tuberculose pulmonar e a meningite tuberculosa contribuem para a má nutrição e a mortalidade infantil.
Uma mãe levou seu filho de seis anos ao Hospital Geral de Kerema, uma viagem difícil desde sua ladeia na montanha, que incluiu três horas em um barco e duas em um caminhão. “No começo não entendia o que era a tuberculose, por que o menino precisava de tratamento diário por um longo período e por que tinha que permanecer longe de sua aldeia. Demorou dois meses para aceitar o tratamento e se preparar para viver longe”, disse à IPS um porta-voz da MSF. “Agora a criança recebe tratamento diário e apresenta sinais de melhora”, acrescentou.
A crescente resistência aos remédios de primeira linha – isoniazida e rifampicina – coloca em risco os esforços para controlar a doença. É comum os pacientes interromperem o tratamento quando se sentem melhor, se convertendo na principal causa de resistência a múltiplos medicamentos nesse país, disse à IPS a especialista Suparat Phuanukoonnon, do Instituto de Pesquisa Médica.
Quando o tratamento é interrompido, a baixa concentração de medicamentos não consegue erradicar a bactéria no corpo do paciente, e ela se torna resistente.
Em 2013, 4,5% dos casos de tuberculose diagnosticados no país eram resistentes, um aumento significativo em relação ao 1,9% registrado em 2010. A tuberculose multirresistente aumenta nas províncias Ocidental e Golfo e na capital Port Moresby, onde mais da metade da população vive em assentamentos precários.
O impacto da doença no desenvolvimento é grave, pois afeta 75% da população economicamente ativa. “A tuberculose pode afetar uma ou todas as partes do corpo humano. Portanto, prejudica a pessoa reduzindo sua capacidade de ser produtiva para a sociedade e sua comunidade”, pontuou Samiak, da Universidade de Papua-Nova Guiné.
Os pacientes devem enfrentar o gasto com saúde, mas sua incapacidade para trabalhar reduz sua renda. A pobreza se perpetua quando a doença afeta o pai e a mãe, o que obriga os filhos a abandonarem a escola para cuidar deles e manter a família. Papua-Nova Guiné é o país mais povoado dos Estados insulares do Oceano Pacífico, com sete milhões de habitantes.
Além disso, conter a propagação da doença é um enorme desafio logístico, com mais de 85% da população localizada em zonas rurais com escasso, quando existe, acesso a caminhos ou a algum meio de transporte para as cidades e os centros de saúde. Outro obstáculo é a falta de profissionais, com menos de um médico e pouco mais de cinco enfermeiras para cada dez mil pessoas, bem como uma redução nos serviços de saúde desde 2002, segundo um informe do Instituto Nacional de Pesquisa de 2014.
O estudo também concluiu que a distribuição de remédios nas clínicas caiu 10% e as visitas aos médicos 42% na década passada. Apesar do rápido crescimento populacional, o número diário de pacientes que consulta um profissional caiu 19%. Também é necessário destinar recursos à educação da população, pois um estudo do Instituto de Pesquisas Médicas realizado nas províncias Central, Madang e Terras Altas Orientais, mostrou que a maioria das 1.034 pessoas consultadas não sabia o que era tuberculose, suas causas e tratamento.
“Antes da ajuda do Fundo Mundial de Luta Contra Aids, Tuberculose e Malária em Papua-Nova Guiné, em 2007, a tuberculose era uma doença desatendida em termos de compromisso político e destinação de fundos para programas de controle”, recordou Phuanukoonnon.
Os limitados serviços de saúde são exigidos ao máximo e, apesar de a informação sobre a doença estar disponível nos centros de saúde, o pessoal sobrecarregado de trabalho não tem muito tempo para conscientizar sobre a tuberculose. Todo enfoque educativo deve se concentrar em “como a população recebe e processa a informação e em que acredita para tomar medidas”, o que exige que “a comunicação sobre saúde seja relevante para os contextos locais”, acrescentou Phuanukoonnon.
Os recursos para enfrentar a doença aumentaram. O Fundo Mundial anunciou em fevereiro mais US$ 18 milhões para lutar contra a tuberculose em Papua-Nova Guiné nos próximos três anos. Samiak ressaltou que os recursos econômicos poderiam ser destinados à criação de laboratórios e capacitação de pessoal, assim os exames seriam feitos com mais eficiência, e o acompanhamento e tratamento dos pacientes seria mais rápido. Envolverde/IPS