por Neeta Lal, da IPS –
Nações Unidas, 9/6/2016 – A recente inauguração do Amaara, o primeiro banco de leite humano de Nova Délhi, apoia a meta da redução da mortalidade infantil e aborda a questão fundamental da falta de leite materno para os recém-nascidos com fragilidade física na capital da Índia. Este país de 1,25 bilhão de habitantes tem o maior número de bebês com baixo peso ao nascer, com uma elevadíssima taxa de mortalidade neonatal, que se refere às mortes até os 28 dias de vida para cada mil nascidos vivos.
A Índia teve 28 mortes em mil nascidos vivos em 2013, e uma taxa de mortalidade infantil de 40 até o primeiro ano de vida para cada mil nascidos vivos, segundo o Informe anual do Ministério de Saúde e Bem-Estar Familiar. Dos 26 milhões de bebês que nascem anualmente na Índia, um milhão estarão enfermos ao completarem um mês de vida.
Embora tenha se reduzido a mortalidade infantil – de 2,3 milhões de mortes de menores de cinco anos, em 2001, para 1,4 milhão, em 2012 –, a Índia ainda concentra 20% dessas mortes no mundo. Muitas destas tragédias poderiam ser evitadas segundo os médicos, se os pequenos fossem alimentados com leite materno.
“A alimentação desses bebês com leite materno de doadoras, por intermédio dos bancos de leite, pode ter grande impacto na redução da mortalidade infantil”, assegurou Bhavdeep Singh, presidente da Fortis Healthcare, uma rede hospitalar que lançou o Amaara, em colaboração com a fundação Breast Milk. O leite materno contém “componentes bioativos” que protegem os recém-nascidos contra doenças, infecções graves e outras complicações relacionadas com os nascimentos prematuros, algo que o leite comercial não pode fazer, segundo os médicos.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a melhor opção para um bebê que não pode ser amamentado é o leite extraído de sua progenitora ou de outra mãe saudável. As meninas e os meninos alimentados com leite materno também não são vulneráveis a certas enfermidades não transmissíveis, segundo a OMS.
“Considerando as complicações associadas com a alimentação com substitutos e a incapacidade de algumas mães para amamentar, existe uma forte necessidade de se criar bancos de leite humano. É uma grande ajuda para os recém-nascidos de alto risco, que não podem receber o cuidado que as mães lhes dariam”, destacou Singh. Os bancos de leite recolhem, filtram, processam, armazenam e receitam leite humano para os bebês que precisam desse tipo de alimentação doada por mães lactantes que não estão biologicamente relacionadas com eles.
O leite é extraído manualmente ou com extratores e recolhido em recipientes esterilizados e etiquetados por pessoal capacitado. É transportado aos bancos em condições de armazenamento frio e congelado imediatamente a 20 graus negativos, depois de ser retirada uma amostra para exames. Se o cultivo bacteriano der negativo, então o leite é pasteurizado para futuro uso.
Quem pode doar leite? As mães lactantes saudáveis que não estejam tomando medicamentos e não tenham sofrido enfermidades importantes. Mas só pode ser doado o leite excedente, ou seja, aquele obtido depois que o filho ou filha da doadora tenha sido alimentado. De acordo com a OMS e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em todo o mundo, apenas 20% das mulheres podem amamentar seus filhos, sendo que as crianças deveriam tomar leite materno pelo menos durante um ano após o nascimento.
Um estudo indica que os bebês que não são amamentados adoecem mais frequentemente, passam mais dias hospitalizados e recebem mais medicamentos no primeiro ano de suas vidas. Nos países em desenvolvimento, como Bangladesh, Índia, Sri Lanka e outros da região do sudeste asiático – onde os recursos sanitários são escassos –, a situação é especialmente grave.
Embora os bancos de leite humano sejam uma prática comum no mundo, na Índia existem apenas 14, segundo a Academia Indiana de Pediatria. O Brasil, por exemplo, com 200 milhões de habitantes, tem 210 bancos de leite, que ajudaram o país a reduzir em 73% seu nível de má nutrição.
O péssimo histórico da Índia nessa área é surpreendente porque o primeiro banco de leite materno na Ásia foi instalado em Mumbai, em 1989. Os especialistas atribuem a escassez desse serviço à falta de sensibilidade pública e à promoção de substitutos do leite humano por interesses comerciais. Mas a mudança nos costumes e nas dinâmicas sociais também é necessária.
“Nos povoados considera-se algo ruim alimentar as crianças com o leite extraído de outra mulher”, explicou Anjali Yadav, voluntária da fundação Save the Children. “Nas cidades, as mulheres estão cada vez mais voltadas para seu trabalho. Em sua pressa para retornar ao mercado profissional após o parto, deixam para trás seus planos de amamentação”, acrescentou.
Os médicos alertam que há graves consequências de saúde para as mulheres que evitam amamentar, já que parecem correr o risco de desenvolver câncer em uma etapa posterior. Estudos científicos demonstraram que as mães que sofrem de câncer de mama durante o período pré-menopausa podem tê-lo contraído por não amamentarem seus filhos. As mulheres que amamentam, aos 30 anos ou pouco mais, estão mais protegidas nesse sentido do que aquelas que o fazem mais tarde.
Pratibha Jain, de 32 anos, é uma mãe que depende do Banco de Leite Materno Divya do Hospital Dhai Panna, de Udaipur, no Estado de Rajastão, para alimentar sua filha Kareena, que nasceu prematuramente. “Não tenho leite suficiente durante o dia. Mas amamentá-la tem sido muito difícil à noite, por isso dependo do leite doado do banco, que me ajudou a salvar a vida da minha única filha”, afirmou.
Curiosamente, embora o conceito dos bancos de leite humano seja relativamente novo, a doação de leite materno de uma mulher para um bebê com o qual não está relacionada remonta há séculos atrás. Antes, os bebês fracos eram amamentados por amas-de-leite.
Os bancos de leite humano enfrentam novos desafios, devido à agressiva promoção de seus substitutos comerciais. Além disso, desde a década de 1970, acrescenta-se o medo da transmissão de vírus, como o HIV, o que provocou ansiedade pública a respeito do leite materno. Envolverde/IPS