Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 20/8/2015 – Entre erros do governo, um sistema financeiro vampiresco, uma Constituição populista ou a paralisia mundial está na raiz da atual crise econômica no Brasil, segundo economistas. Há culpados em todas as ideologias.
A desaceleração mundial é a causa preferida dos atuais governantes para justificar a recessão brasileira, que os economistas com maior acompanhamento na mídia atribuem à presidente Dilma Rousseff, por abandonar o tripé macroeconômico de sucesso: austeridade fiscal, meta de inflação baixa e câmbio flutuante.
Entre a população leiga, cresceu a opinião simples de que tudo se deve à corrupção, diante do escândalo de subornos na Petrobras. As investigações, iniciadas em 2014, apontam para o desvio de milhares de milhões de dólares em beneficio de dezenas de empresários e políticos, em boa parte já presos.
Com a recessão deste ano, que provavelmente se prolongará por todo o ano de 2016, segundo os especialistas, o Brasil sofre uma deterioração econômica refletida no desemprego em alta, em inflação de 9,56% interanual no fechamento de julho, e taxa de juros de referência entre as mais altas do mundo.
“O que trava a economia brasileira é o sistema financeiro, que drena somas gigantescas que deixam de servir à produção”, segundo diagnóstico de Ladislau Dowbor, professor de economia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e consultor de várias agências das Nações Unidas.
Os juros cobrados do consumidor brasileiro por bancos e empresas comerciais em julho deste ano foram de 126,74% ao ano, na média de seis formas de crédito, segundo o monitoramento sistemático realizado pela Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). A taxa mais elevada, a dos cartões de crédito, chegou a 334,84%. “No comércio, os juros para compra a prazo de alguns produtos superam os 100%, enquanto na Europa limita-se a cerca de 13%”, destacou Dowbor à IPS.
Apesar desses “juros extorsivos”, os brasileiros recorrem cada dia mais ao crédito. Em abril, as famílias destinavam 46,5% de sua renda para o pagamento de dívidas, mais que o dobro da proporção de dez anos atrás, segundo o Banco Central. “Dessa maneira, o sistema trava a demanda, já que as pessoas deixam de consumir para pagar dívidas”, pontuou o economista.
As empresas também pagam juros brutais, que chegavam a 61,22%, na média de diferentes formas de financiamento em julho, segundo a Anefac. Empréstimos para capital de trabalho ou circulante, os mais baratos, custavam 32,61%, com tendência de alta. “Aqui, se trava os investimentos e o país perde recursos que poderiam expandir a produção”, afirmou Dowbor.
O governo também tem sua capacidade de investimento reduzida, ao pagar os juros de sua dívida interna pela taxa de referência fixada pelo Banco Central (BC), atualmente de 14,25%. A elevação dessa taxa pelo BC desde o ano passado anula com juros o esforço fiscal do governo. O aumento dos juros pagos supera em muito a redução de gastos no orçamento federal, agravando o desequilíbrio em um momento de arrecadação reduzida pela recessão.
Nesse cenário, os bancos registram ganhos recordes apesar da queda da economia, da indústria e do comércio. As quatro maiores instituições financeiras lucraram, no primeiro semestre deste ano, 40% mais do que em igual período de 2014.
Também existe uma drenagem de arrecadação por fraudes tributárias, que alimentam as transferências ilegais para o exterior desta potência latino-americana com 202 milhões de habitantes. O Brasil tem cerca de US$ 520 bilhões evadidos em paraísos fiscais, segundo estima a revista britânica The Economist. Representa pouco dos US$ 20 trilhões de todo o mundo, mas equivale a 28% do produto interno bruto (PIB) do país.
Dowbor reconhece a dificuldade de “corrigir” essas distorções, em um país onde “o sistema financeiro é o problema central”. As condições adversas compreendem a eleição de numerosos parlamentares e membros dos poderes executivos com o apoio financeiro de grandes empresas, um Congresso dominado por bancadas de setores poderosos, como os ruralistas, e a concentração dos meios de comunicação em apenas quatro famílias, apontou o economista.
Mas, segundo Dowbor, “há alternativas. Pode-se enfrentar o desafio com medidas regulatórias” e o cenário internacional tende a ajudar, com a crise financeira se esfriando em países industrializados.
Parece um mistério o funcionamento da economia brasileira com esse nível de taxa de juros, que multiplica por dez ou mais as vigentes em outros países. Essa singularidade resistiu até agora às tentativas de se reduzir a extravagância.
A presidente o fez nos primeiros anos de sua primeira administração (2011-2014), usando os bancos estatais para oferecer crédito mais barato e forçar a competição. Mas não deu resultado e sua “nova matriz econômica” degenerou em paralisia, aumento insustentável do déficit público e inflação que duplica a meta de 4,5%.
Não é a “drenagem” financeira o que mais preocupa os economistas mais presentes nos meios de comunicação. O Brasil tem um desequilíbrio fiscal estrutural, cuja origem muitos identificam no contrato social constante da Constituição de 1988.
A sociedade quer um Estado de bem-estar social que a economia brasileira, em seu nível de desenvolvimento, não consegue atender. Por isso o gasto público cresceu sistematicamente acima do PIB entre 1991 e 2014, segundo um estudo realizado por três economistas vinculados ao opositor e centrista PSDB. Como resultado, a carga tributária aumentou de 25% para cerca de 35% do PIB no mesmo período, sem impedir a deterioração das contas públicas.
“O grave desequilíbrio fiscal do Brasil reflete a concessão desenfreada de benefícios públicos incompatíveis com a arrecadação nacional. Prometemos mais do que temos. Deixamos para as próximas gerações as contas a serem pagas”, diz o estudo do PSDB.
“De fato, a Constituição criou muitos direitos, sem questionar como seriam financiados, e seguiu uma contínua aplicação de direitos sem que ninguém perguntasse como serão pagos”, pontuou à IPS Fernando Cardim de Carvalho, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Gerou-se uma expectativa, que fatalmente seria fraudada, de que a democracia resolveria tudo, como se fosse mágica”, ressaltou.
Porém, como economista “pós-keynesiano” (corrente de adeptos do pensamento do britânico John Maynard Keynes, 1883-1946), Cardim considera, ao contrário dos defensores do ajuste fiscal ortodoxo, que a solução é o crescimento econômico. Como “ninguém quer pagar a conta” de tais direitos, “só é possível distribuir renda, sem penalizar ninguém, se a arrecadação estiver em expansão”, afirmou o professor. O problema é que a economia cresceu pouco desde a década de 1980 e os sucessivos governos adotaram políticas insuficientes nesse sentido, apontou.
E agora a segunda administração de Dilma Rousseff colocou em marcha medidas contraditórias com sua ideologia e suas promessas eleitorais, e que acentuarão a recessão, com um ajuste fiscal de emergência e mais altas do custo do dinheiro. Envolverde/IPS