Por Joris Leverink, da IPS –
Artvin, Turquia, 7/3/2016 – Há algumas semanas, milhares de pessoas protestam em diferentes partes da Turquia contra a construção de uma mina de ouro em Cerattepe, perto da cidade de Artvin, por medo de que provoque danos irreparáveis ao ambiente único da região. As manifestações pacíficas começaram no dia 15 de fevereiro, mas logo se tornaram violentas, após a repressão com policiais trazidos das províncias vizinhas para conter o levante popular.
Dias depois, ambientalistas de todo o país se dirigiram a esta cidade em apoio à resistência local, o que levou o governo a proibir que qualquer pessoa ingresse nessa província. Ao que parece, a construção da mina foi suspensa após uma reunião entre o primeiro-ministro, Ahmet Davutoğlu, e representantes da Associação Verde de Artvin. No entanto, a violenta repressão policial faz pensar que o governo é reticente em ceder às reclamações e que continuará com seus planos de deslegitimar as objeções legais.
Cerattepe tem abundantes recursos naturais, especialmente ouro, prata e cobre, e a primeira tentativa de exploração se deu no começo dos anos 1990, mas foi suspensa depois de vários anos, quando se confirmou que a contaminação emanada da mineração causou a morte de numerosos animais silvestres e em granjas.Dez anos depois, outra companhia reiniciou as obras, mas, depois dos protestos de milhares de pessoas, em 2007, foi aberto um processo legal que terminou com a revogação da licença, uma medida confirmada em 2009 pelo Conselho de Estado.
E desde então a batalha legal pelas atividades extrativistas tem numerosas idas e vindas.Uma mudança na legislação, promovida pelo governante Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP), em 2010, habilitou as novas licitações no ano seguinte. Mas uma decisão judicial, de 2014, suspendeu as operações, e depois dela foi rejeitado um informe de impacto ambiental apresentando no ano seguinte, ao qual se seguiu a aprovação de um documento em junho de 2015.
Porém, em 15 de fevereiro, chegaram a Cerattepe operários da Cengiz Holding, o conglomerado turco proprietário da companhia que construirá e administrará a mina, para começar a trabalhar, apesar de não haver a aprovação legal definitiva após a apresentação do último informe. Após os protestos locais, os trabalhadores voltaram no dia seguinte com apoio de policiais, que reprimiram os manifestantes dando lugar a vários dias de confrontos entre ativistas e população, de um lado, e as forças de segurança, por outro.
Várias pessoas ficaram feridas quando os agentes da ordem apelaram para carros lança-água e balas de borracha para dispersar os manifestantes.Depois de uma reunião com representantes locais, o primeiro-ministro anunciou, no dia 24 de fevereiro, a suspensão de todas as atividades na mina,“até o final do processo”. E“todos respeitarão a sentença judicial, como estabelece a lei”, acrescentou.
O presidente do Centro de Aplicações e Pesquisa de Problemas Ambientais, Baran Bozoğlu, disse ao jornal turco Today’s Zaman, temer que Davutoğlu tenha se referido ao fato de que a “construção da mina continuará de acordo com as condições necessárias para proteger o ambiente de Artvin, uma vez encerrado o processo legal”.
Bozoğlu afirmou que a declaração pode significar que, em lugar da Cengiz Holding mudar os planos para cumprir a lei, esta seja reformada para se ajustar aos planos da companhia. É revelador que o primeiro-ministro tenha declarado: “Se alguém ainda diz que quer que as riquezas sob a terra ali permaneçam, apesar de todas as advertências, é impossível que aceitemos isso”.
Em uma campanha na mídia, orquestrada pelas autoridades e pelos meios de comunicação oficialistas, denuncia-se a legitimidade dos protestos. Enquanto Davutoğlu as qualificou de “ilegais”, o presidente, Recep Tayyip Erdoğan disse que a população de Artvin é “exatamente igual à de Gezi, são jovens pró-Gezi”.Os protestos em defesa do parque Taksim Gezi começaram em Istambul, em meados de 2013, como uma pequena mobilização ambientalista, mas logo se converteram em um movimento nacional que convocou milhões de pessoas às ruas da Turquia.
Os defensores de Gezi foram acusados pelo governo, e em especial por Erdoğan, de tentarem dar um golpe de Estado em conivência com forças estrangeiras, a fim de prejudicar a Turquia. Inclusive, o jornal oficialista Sabah chegou a acusar os manifestantes de Artvin de “serem integrantes de uma organização terrorista”.A possível construção de uma mina em Cerattepe supõe uma grave ameaça para o ambiente local, bem como para a saúde e o sustento da população.
Masesse nem mesmo é o problema principal.A resposta do governo às manifestações em Artvin indica a tendência de criminalizar todas as formas de resistência, de rotular os dissidentes de terroristas, o que leva as autoridades a reagirem ao descontentamento social com uma violência desproporcional.Os processos abertos contra conglomerados multimilionários como a Cengiz Holding, que mantém uma estreita relação com as autoridades,foram indeferidos e suas dívidas tributárias de centenas de milhares de dólares foram apagadas.
Além disso, as pessoas que se atrevem a denunciar a situação acabam sendo silenciadas, processadas ou encarceradas.É a mesma mentalidade autoritária que leva o governo a se negar a ouvir as demandas da população curda, a processar menores de idade por “insultarem o presidente”, ou ordenar repressões de uma violência inaudita, como em Istambul, e prender jornalistas e acadêmicos por denunciarem irregularidades. A mesma mentalidade que coloca a Turquia à beira de uma guerra civil. Envolverde/IPS