Por Christopher Pala, da IPS –
Washington, Estados Unidos, 26/1/2016 – A captura mundial de pescado é muito maior do que se pensava e seu declínio é muito mais rápido, segundo novo estudo realizado pela canadense Universidade de Colúmbia Britânica, que reconstrói os dados de 1950 a 2010. A pesquisa concluiu que a captura mundial nesse período foi 30% maior do que os países declararam à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). No Caribe a captura real duplicou com juros a declarada e diminuiu 60% mais rápido do que os dados oficiais, aponta o estudo.
“Essa tendência deve ser revertida com urgência, do contrário uma grande quantidade de pessoas, que dependem do mar como fonte de proteína acessível,vai sofrer. E a mudança climática só agravará as coisas”, alertou Daniel Pauly, cientista que dirigiu o estudo financiado pela organização ecologista PewEnvironmentGroup e da qual participaram mais de 400 colaboradores durante mais de uma década.
Desde 1950, os países devem declarar à FAO suas capturas de pescado e mariscos. Os descartes – peixes capturados involuntariamente e de escasso valor comercial – ficavam fora da obrigação, porque o programa foi concebido originalmente para supervisionar o desenvolvimento econômico e não a pesca excessiva. Mas há tempos suspeitava-se que alguns países declaravam somente a captura industrial dos navios maiores, porque estes pagam taxas que podem ser supervisionadas, e descarregam o que capturam em poucos lugares e, portanto, o controleé mais fácil.
Acreditava-se que a captura de subsistência dos que pescam para suas famílias, a pesca artesanal dos pescadores em pequenas embarcações, e a de recreio realizada por pescadores amadores era maior do que a declarada, mas ignorava-se a que ponto.Por sua vez, a FAO não deu indicações sobre a precisão de seus números. DirkZeller, coautor do estudo, pontuou que quase todos os países misturam comumente números concretos com estimativas e que poderiam “calcular as incertezas relativas aos dados que declaram se assim desejassem, mas ninguém o faz”.
O número exato da quantidade de peixes capturados é vital, já que centenas de milhões de pessoas dependem do mar como fonte de proteína acessível, ressaltouZeller. “As populações de peixes são como uma carteira de ações. Antes de decidir quantas venderá, você quer saber exatamente quantas tem e quanto está rendendo ou perdendo”, acrescentou.
A partir de 2002,Pauly e Zeller decidiram reconstruir a captura mundial entre 1950 e 2010, e corrigir as deficiências do conjunto de dados da FAO, com base nas políticas pesqueiras mundiais. Uma tarefa que “apenas uns loucos empreenderiam”, brincou o cientista alemão Rainer Froese, acrescentando que “agora conseguiram”.O resultado publicado na revista britânica Nature Communications, mostra que a captura real foi um terço maior do que a informada pela FAO.
Esta agência da ONU diz que a captura mundial atingiu seu máximo em 1996, com 86 milhões de toneladas, e baixou para 77 milhões de toneladas em 2010, embora o estudo canadense coincida quanto a que a quantidade máxima tenha ocorrido em 1996, assegura que chegou a 130 milhões de toneladas e depois caiu para 110 milhões de toneladas em 2010.
De acordo com o estudo, a queda na captura triplicou a quantidade informada pela FAO, que recentemente considerou que a quantia capturada é “basicamente estável”.Marc Taconet, chefe de estatísticas de pesca da FAO, confirmou a validade de seus dados e “expressou reservas” diante das novas conclusões, que discordam dos informes da agência sobre a estabilidade da captura ao longo dos anos, embora tenha se negado a se aprofundar a respeito.
No Caribe, segundo Pauly, os pesquisadores descobriram que os funcionários reguladores da pesca se dedicam em grande parte a informar sobre capturas de espécies para as quais as frotas estrangeiras pagam direitos de licença, como atum, tubarão e bicuda. “Em geral, se esquecem da pesca local”, assegurou.Inclusive nas Bahamas, onde a captura de recreio é descarregada nos principais portos que são de fácil acesso aos turistas, os resultados foram surpreendentes.
A pesquisadora Nicola Smith concluiu que as autoridades não tinham nem ideia da magnitude da captura de peixes de águas profundas, como marlim, atum e mahi-mahi. Esse tipo de pesca superou inclusive a comercial, e nada disso foi informado à FAO, afirmou. “Quando contei ao diretor de recursos marinhos das Bahamas, ele ficou muito surpreso”, disse a pesquisadoranascida nas Bahamas em uma entrevista. “É incrível que um país que depende do turismo para mais da metade de seu produto interno bruto não tenha ideia da magnitude da pesca, que tem um papel central para atrair os turistas”, acrescentou a pesquisadora.
No geral, o estudo concluiu que a captura no Caribe cresceu de 230 mil toneladas em 1950 para 830 mil toneladas em 2004, antes de cair para 470 mil toneladas em 2010.“E isso não é tudo. O que aconteceu é que, na medida em que os peixes de arrecife, como o pargo e o mero, se esgotavam,os ilhéus se afastavam mais da costa em busca de atum, cuja captura passou de sete mil toneladas em 1950, para 25 mil toneladas em 2004”, explicou Smith.
Mas as populações de atum, durante muito tempo fora do alcance dos ilhéus, diminuem constantemente devido ao interesse das frotas europeias, asiáticas e norte-americanas, bastante subvencionadas.Embora cada vez mais ilhéus pretendessem substituir seus peixes de arrecife pelo atum, a captura deste caiu para 20 mil toneladas nos seis anos entre 2004 e 2010, segundo o estudo. Já a pesca de meros e pargos diminuiu um terço no mesmo período.
A mudança climática também afetará o Caribe de várias maneiras, pontuouPauly. A elevação repentina da temperatura da água, que mata o coral, é cada vez mais frequente, o que deixa menos tempo para recuperação. A população de herbívoros como o peixe-louro, dos quais o coral depende para manter sob controle a população de algas, também é dizimada.
William Cheung, ecologista marinho da Universidade de Colúmbia Britânica que trabalha com Pauly, disse que o aquecimento das águas do Caribe afasta a vida marinha da Linha do Equador. “Estimamos que o centro de gravidade de algumas espécies se deslocará 50 quilômetros por década”, acrescentou.
Para enfrentar essas tendências, os países do Caribe necessitam com urgência recolher melhor informação sobre a quantidade de peixes que têm e quanto está sendo capturado, e depois impor limites de captura realistas, destacouPauly. Também deveriam criar reservas marinhas onde a pesca fosse proibida, como ocorre em Bonaire e Barbuda, acrescentou. Envolverde/IPS