No ano em que os olhos do mundo estarão voltados para a Amazônia, mais especificamente para Belém, cidade-sede da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP 30), no dia 23 de abril será lançada uma edição especial da Revista PLATÔ, intitulada Intersecção: Uso da Terra, Política de Drogas e Justiça Climática.
A publicação reúne 17 artigos de especialistas de diversas áreas do conhecimento, para provocar e embasar o debate sobre uso da terra e justiça climática considerando as dinâmicas decorrentes das atuais políticas de drogas no Brasil. Fruto de parceria entre a Iniciativa Negra, a Plataforma Brasileira de Política de Drogas e a International Coalition on Drug Policy Reform and Environmental Justice, a revista é reflexo de um movimento coletivo que aponta soluções integradas como estratégia para enfrentar duas crises conectadas que comprometem a governança territorial no país: a emergência climática e a violência decorrente da guerra às drogas.
Ao abordar essa associação ainda pouco explorada nos debates políticos brasileiros, a edição especial da Revista PLATÔ convida o leitor a refletir sobre questões complexas como grilagem, narcotráfico, violações de direitos, devastação da biodiversidade, proibicionismo, redução de danos e saúde, racismo ambiental entre outros. Os artigos apresentam visões plurais de historiadores, sociólogos, advogados, jornalistas, biólogos, neurocientistas, pesquisadores, lideranças indígenas, camponesas e quilombolas e ativistas de direitos humanos de diversas regiões do país.
Rebeca Lerer, ativista, coordenadora latino-americana da International Coalition on Drug Policy Reform and Environmental Justice, e curadora da Platô Intersecção, considera que “não haverá justiça climática enquanto persistir o modelo de guerra às drogas”. Ela avalia que as atuais políticas proibicionistas, que criminalizam a produção e mercado de plantas como a coca e a maconha, corrompem as instituições e capitalizam as organizações criminosas. “O Brasil é um elo chave na cadeia produtiva, de consumo e distribuição da cocaína com origem andina e da maconha cultivada no Paraguai e outros países sul americanos. O dinheiro mobilizado por essas commodities ilegais distorce a macroeconomia, financia a grilagem e crimes ambientais e bloqueia medidas de adaptação climática em todo o território nacional”, aponta. “Sem romper esse ciclo, não será possível zerar o desmatamento nem garantir direitos territoriais, fundamentais para controlar a crise climática”.
“Reunimos um grupo de especialistas de diversas áreas, em um movimento que valoriza a inteligência coletiva da sociedade civil brasileira, para nortear o debate da justiça climática considerando os diversos contextos de vida e de sobrevivência nas diferentes regiões do Brasil. A ideia é, a partir daí, pensar o futuro de forma mais integrada e realista. Temos uma política de drogas pautada no proibicionismo, que alimenta o narcotráfico e a violência nos territórios. E vemos que o racismo é um fator comum também quando falamos sobre o uso da terra e a queda de braço pela manutenção do poder da branquitude sobre essas propriedades. Não dá pra fazer justiça climática sem considerar essas dissonâncias e a perpetuação do racismo nas tomadas de decisão sobre esses temas”, reforça a socióloga, diretora geral, cofundadora da Iniciativa Negra, e correalizadora do projeto, Nathália Oliveira.
A revista impressa começará a ser divulgada no dia 24 de abril, em evento presencial no Bloco do Beco, espaço de arte-educação e cultura na Zona Sul, periferia de São Paulo. Nos próximos meses, estão previstos eventos e encontros presenciais em Brasília, Belém, Salvador e Rio de Janeiro. É possível acompanhar a agenda de eventos e mais informações do projeto no site e nas redes sociais da Iniciativa Negra.
Edição especial da Revista PLATÔ
Na revista, as complexidades e sobreposições dos temas abordados pelo projeto são explorados em textos que discutem os seguintes itens: impactos da proibição das cadeias produtivas de drogas à base de plantas; megaprojetos de exploração e uso da terra que afetam comunidades tradicionais e ribeirinhas; saúde e redução de danos no contexto antiproibicionista; a guerra às drogas e suas ameaças aos territórios e à população negra; o controle de fronteiras e suas consequências para as rotas de violência e desmatamento; a guerra química no campo, entre outros pontos sensíveis da discussão.
Entre os nomes que assinam os artigos estão Renato Filev, neurocientista e coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas, Dandara Rudsan, especialista em Gestão de Conflitos Socioambientais e assessora de Projetos na Iniciativa Negra, Mariana Belmont, jornalista e assessora de Clima e Racismo Ambiental do Geledés – Instituto da Mulher Negra, além de Pablo Nunes, doutor em ciência política e coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), Dudu Ribeiro, historiador, cofundador e diretor executivo da Iniciativa Negra, Juliana Borges escritora, coordenadora de Projetos Estratégicos da Iniciativa Negra, Luana Malheiro, atropóloga especialista em saúde coletiva e membra fundadora da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (Renfa), Letícia Benavalli, bióloga e fundadora e diretora executiva do Instituto Pró-Onça, Adriana Ramos, especialista em política ambiental e membro da Secretaria Executiva do Instituto Socioambiental (Isa) e da coordenação do Observatório do Clima, Helena Fonseca Rodrigues, psicóloga, membro da secretaria executiva da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e assessora técnica do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, Paula Callegario de Souza, bióloga e pesquisadora do Programa Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, Aristênio Gomes dos Santos, cofundador e coordenador da Organização Movimentos e pesquisador em Segurança Pública da Redes da Maré, Daniela Dias de Souza, líder do programa de áreas protegidas e conservação da biodiversidade na SOS Amazônia e membro da Drug Policy Reform & Environmental Justice International Coalition, Walela Soeikigh Paiter Bandeira Suruí, indígena do Povo Paiter Suruí, coordenadora do Movimento da Juventude Indígena de Rondônia, Observatório do Marajó, Diogo Diniz Ribeiro Cabral advogado e assessor jurídico da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão-Fetaema, do Movimento Xingu Vivo e do Tuxa Ta Pame, Midiã Noelle é jornalista, mestra em Cultura e diretora-fundadora do Instituto Commbne, Erika Santos, advogada e diretora da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas (Reforma) e Luan Silva Melo, arquiteto e urbanista, fundador e coordenador da Rede de Assessoria Técnica Popular do Nordeste, e Coalizão Internacional para a Reforma da Política de Drogas e Justiça Ambiental.
Seguem abaixo trechos de artigos presentes na publicação Intersecção: política de drogas e uso da terra no coração da luta por justiça climática no Brasil.
“Planta proibida mais consumida no Brasil, cerca de 58% das prisões por crimes de drogas são por porte de até 150 gramas de maconha. Enquanto o mercado nacional cresce nas zonas cinzentas de uma legislação que muda lentamente, parte significativa da maconha comercializada no País ainda provém de grandes latifúndios do Paraguai. Geralmente associado aos mercados de cocaína e armas, o tráfico de maconha segue provocando conflitos agrários e altos índices de homicídios nas fronteiras e nas periferias brasileiras.” – trecho do artigo O Agro é Pó: Impactos da proibição das cadeias produtivas de drogas à base de plantas na América do Sul, de Rebeca Lerer e Renato Filev.
“Segundo a Plataforma Brasileira de Política de Drogas, mais de 60% da população carcerária brasileira é negra; a maior parte está presa por crimes relacionados a guerra às drogas, refletindo uma política seletiva que penaliza desproporcionalmente jovens negros e periféricos.” – trecho do artigo Mães em luta: Do luto à resistência contra a violência do Estado, de Midiã Noelle.
“A relação entre o tráfico de drogas e a degradação ambiental na Mata Atlântica é um fator preocupante. Grupos criminosos utilizam áreas protegidas para esconder laboratórios clandestinos de processamento de drogas, resultando no desmatamento para construção de pistas de pouso e estradas, na poluição de corpos d’água e no aumento da violência rural. A extração ilegal de madeira também contribui para a degradação do habitat da onça-pintada, reduzindo a disponibilidade de recursos e aumentando o risco de conflitos com humanos.” – trecho do artigo Conflitos territoriais e seus impactos na biodiversidade: Como a exploração da terra ameaça a onça-pintada no Brasil, de Letícia Benavalli.
“Ao deslocar as rotas de tráfico de cocaína das vias aéreas para as hidrovias amazônicas, a política expôs comunidades ribeirinhas ao tráfico de drogas, resultando em aumento significativo dos homicídios nos municípios localizados ao longo dos rios que conectam a Amazônia aos países produtores de cocaína (Bolívia, Colômbia e Peru). As características dos homicídios observados após essa política são consistentes com uma maior presença do tráfico de drogas na região e com um maior envolvimento de comunidades locais com o tráfico, seja por suporte logístico ou participação direta. As taxas de mortalidade por causas externas (acidentes de trânsito, violência etc.) aumentaram na região ao longo do tempo e estão com números superiores em relação às taxas do restante do Brasil. A taxa bruta de homicídios saltou de 18 assassinatos por 100 mil habitantes em 1991 para 31 assassinatos por 100 mil habitantes em 2020. Desse modo, a Amazônia tornou-se umas das regiões mais violentas do país.” – trecho do artigo Emergência climática: Metas brasileiras, vetores de emissões, crime organizado, pobreza e violência, de Adriana Ramos.
Sobre a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política sobre Drogas
A Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas é uma organização da sociedade civil que atua, desde 2015, pela construção de uma agenda de justiça racial e econômica promovendo ações de advocacy em Direitos Humanos e propondo reformas na atual política de combate às drogas.
Sobre a Plataforma Brasileira de Política de Drogas
A Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD) é uma rede nacional composta por mais de 50 instituições conectadas para produzir incidência política e técnica em favor da reforma da política de drogas no País. O elo entre as entidades da rede é a atuação efetiva pela diminuição de desigualdades e garantia dos direitos humanos às pessoas e comunidades prejudicadas pela guerra às drogas.
Sobre a International Coalition on Drug Policy Reform and Environmental Justice
A Coalizão Internacional para a Reforma da Política de Drogas e Justiça Ambiental é uma rede de mais de 50 ativistas, pesquisadores, defensores, lideranças comunitárias e artistas de dezenas de países que se reúne para abordar o papel das políticas de proibição das drogas na crise socioambiental e climática global.
SERVIÇO
Lançamento da edição especial da Revista PLATÔ
Intersecção: Uso da Terra, Política de Drogas e Justiça Climática
São Paulo
Lançamento oficial 23/04/25 – acesso para a revista online aqui
Lançamento presencial da revista impressa 24/04/25
Bloco do Beco – Rua Bento Barroso Pereira, 2 – Jardim Ibirapuera, São Paulo – SP.
A partir das 18h
Brasília – maio /2025
Belém – junho/2025
Salvador – julho/2025
Rio de Janeiro – agosto/2025