Por Busani Bafana, da IPS –
Bulawayo, Zimbábue, 14/9/2016 – Numerosos especialistas afirmam que, para enfrentar a desigualdade, o desemprego, a pobreza generalizada e a insegurança alimentar, a África deve apostar em ter ainda que uma pequena participação no comércio mundial de bens e serviços, que supera os US$ 70 trilhões, ao promover o comércio interno no continente. A descrição da África como um continente pobre poderia mudar, se se mantiver unida, como o fez para lutar por sua independência política.
No entanto, dessa vez, a luta será por um lugar no comércio mundial. Após cinco anos de negociações e de criar vários blocos de livre comércio, se for assinado o acordo da Zona de Livre Comércio Continental Africana (CFTA), previsto para dezembro de 2017, o continente poderia se encaminhar para um novo tipo de desenvolvimento. A África ganhará mais do que perderá com a CFTA que está à altura de acordos como a Associação Estratégia para o Comércio e o Investimento entre a União Europeia e os Estados Unidos, e o Partenariado Econômico Compreensivo Regional, de 16 membros.
O continente africano já assinou o acordo da Zona de Livre Comércio Tripartite em junho de 2015, que combina três grandes blocos: Comunidade da África Oriental (CAO), Mercado Comum da África Oriental e Austral (Comesa), Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC).As três comunidades econômicas têm um produto interno bruto (PIB) combinado superior a US$ 1,3 trilhões e 565 milhões de habitantes. Mas a Zona de Livre Comércio Tripartite, assinada por 16 dos 26 membros, ainda espera ser ratificada por todos para entrar em vigor, um golpe na CFTA.
Em um documento sobre a adoção da zona tripartite, Calestous Juma, professor de prática de desenvolvimento internacional, e Francis Mangeni, diretor de Assuntos Monetários, Comércio e Aduanas do Comesa, consideram o comércio regional como parte de uma estratégia mais ampla para transformar a economia no longo prazo.
Os especialistas afirmam que as medidas de integração comercial combinam a facilidade do livre movimento de bens e serviços, o investimento em infraestrutura e a promoção do desenvolvimento industrial como parte de uma visão política de longo prazo para impulsionar o potencial empresarial desse continente, mediante o comércio regional, para culminar em uma Comunidade Econômica Africana até 2028.
O comércio global é uma fonte indiscutível de possibilidades de desenvolvimento econômico, facilita a criação de riqueza e estimula a inovação em todos os setores. Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, o comércio mundial cresce, mas os países em desenvolvimento, e muitos dos africanos, têm acesso a uma pequena participação nele.
O investimento estrangeiro direto disparou na África, de US$ 9 bilhões, em 2000, para US$ 55 bilhões, em 2014, mas os que mais se beneficiaram foram os países ricos, uma situação que o último dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio – “Fomentar uma aliança mundial para o desenvolvimento” – buscou reverter, mediante um sistema financeiro de comércio, aberto, previsível, não discriminatório e baseado no direito.
Um sistema de comércio equitativo é um ideal global, mas a África tem possibilidades de utilizar esse volume comercial a seu favor, transformando a vontade política em ações. Esse continente tem vastos recursos naturais e minerais, o que faz das indústrias de processamento uma opção de investimento viável para reduzir o desemprego e eliminar a pobreza, que afeta muitos países africanos.
A perspectiva de um mercado único é atraente: 54 países, mais de um bilhão de pessoas e PIB combinado superior a US$ 3,4 trilhões, quase o dobro do valor atual do comércio anual de bens e serviços dentro da África. “A Zona de Livre Comércio Continental Africana proposta ampliará o investimento regional do continente para a África ocidental, que atualmente não é coberta pela consolidação tripartite entre Comesa, Cao e SADC”, pontuou Juma à IPS.
“Isso ampliará as oportunidades de investimento para que os africanos invistam em todo o continente. Uma mercado continental maior também fará com que a África seja mais atraente para os investidores estrangeiros”, ressaltou Juma, que dirige o Projeto de Ciência, Tecnologia e Globalização do Centro Belfer de Assuntos Internacionais e Científicos da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Juma – que escreveu um livro sobre a CFTA, cuja publicação coincidirá com a assinatura do acordo em 2017 – acredita que um mercado único maior permitirá que as companhias africanas operem com capacidade plena, o que, por sua vez, estimulará maior inovação tecnológica.“O impacto da inovação incluirá maior movimento de capacidades para e entre os países desse continente. Os africanos poderão aprender novas habilidades de suas contrapartes estrangeiras, o que fortalecerá a base tecnológica da África”, destacou.
Mas esse continente tem tantas oportunidades comerciais quanto de obstáculos para concretizar a livre circulação de bens, serviços e pessoas.Um dos maiores entraves para a CFTA é ajustar a legislação e as práticas nacionais para que os países possam implantar o acordo. A resistência virá das empresas protegidas da competição externa, explicou Juma. Uma solução, segundo ele, é criar medidas corretivas mediante incentivos.
“O acordo necessita incluir remédios e incentivos para ajudar os países a se ajustarem ao novo regime. Assim, o acordo não pode tratar apenas de livre comércio, devendo incluir disposições em matéria de infraestrutura e industrialização. Deve ser um tratado de desenvolvimento econômico, não apenas um acordo de livre comércio”, observou Juma.
Dados do Comesa mostram que o novo comércio dentro desse continente é de apenas 12% bem abaixo do que a Europa tem com a Ásia, de quase 60%. Uma das razões são as normas nacionais, que tornam muito mais fácil comprar produtos de um país europeu do que de um africano. Harmonizar a política comercial e reduzir os direitos de exportação e importação são fundamentais para liberar a circulação de bens e pessoas.
Em agosto, a União Africana (UA) lançou o passaporte eletrônico pan-africano, que prepara o caminho para o livre movimento interfronteiras e é um passo importante para a zona de livre comércio. O documento, em princípio apenas para chefes de Estado, governo, chanceleres e pessoal diplomático, estará disponível para todos os cidadãos africanos a partir de 2018.
No contexto da UA, os governos criaram o Fórum de Negociação do Acordo de Livre Comércio Continental, que se reuniu várias vezes para analisar as modalidades da zona de livre comércio, proposta em 2012. A comissária de comércio e indústria da UA, Fatima Haram Acyl, disse, na primeira reunião do fórum, em fevereiro deste ano, que a CFTA integrará os mercados do continente segundo os objetivos e princípios do Tratado de Abuya.
As disparidades econômicas representam um obstáculo que a África deverá superar, pois muitos dos 54 países são pequenos, com menos de 20 milhões de habitantes e economias inferiores a US$ 10 bilhões.Os mercados nacionais não justificarão os investimentos, pois o fornecimento adequado de insumos e a demanda insuficiente serão muito caros ou estarão fora do alcance em comparação com as possibilidades de um mercado mais amplo.
A empresa de consultoria McKinsey prognosticou que o gasto dos consumidores africanos aumentará dos atuais US$ 860 bilhões para US$ 1,4 trilhão até 2020, o que poderia tirar milhões de pessoas da pobreza, se for inaugurado um mercado único.A Comissão Econômica para a África, das Nações Unidas, calculou que a CFTA poderia elevar o comércio interno africano a cerca de US$ 35 bilhões anuais nos próximos seis anos.
Se as negociações pelo CFTA terminarem este ano, a tempo para a data limite de 2017, poderia abrir-se um novo capítulo para o comércio africano, o que marcará um novo caminho para o crescimento e a independência econômica do continente. A questão é se conseguirá concretizá-lo.
*Este é um artigo especial da IPS pelo Dia das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul, celebrado em 12 de setembro.