Por Martin Dias*
Você consegue imaginar a sua vida sem plástico? É praticamente impossível. Em nossa sociedade o plástico está em praticamente tudo, desde as embalagens de alimentos, sacolas, recipientes das mais diversas naturezas, até em roupas, equipamentos de pesca, cosméticos, utensílios domésticos, equipamentos hospitalares e por aí vai. Estima-se que atualmente o mundo demande cerca de 245 milhões de toneladas de plástico todos os anos. E esta demanda não para de crescer. Quando comparado a outros materiais utilizados pelo homem (e.g. metais, celulose ou vidro), o plástico surge como um dos mais recentemente incorporados na nossa sociedade. O problema é que ainda não temos muito bem dimensionadas as consequências do seu uso tão intenso [1].
Não faz muito mais de uma década que descobriu-se que fragmentos minúsculos de plástico estavam flutuando em todos os nossos oceanos e mares, inclusive nas regiões polares [2;3]. Desde então, evidências sobre os impactos e as consequências do microplástico sobre as espécies e ecossistemas aumentam a cada dia [3]. Hoje, o microplástico é considerado um problema global, cuja magnitude e consequências ainda são pouco dimensionadas.
Microplástico são pequenos fragmentos derivados de material plástico de diferentes classes, tais como polietileno, polipropileno, poliamida, poliestireno, poliéster, entre outros. Não há uma definição única sobre quando uma partícula de plástico passa a ser considerada um microplástico. Atualmente, a definição mais utilizada é a de que os microplásticos são partículas menores que 500 micrômetros (ou 5mm). Partículas minúsculas, medindo poucos micrometros, já foram encontradas em amostras de água, areia e até mesmo no interior do trato digestivo de organismos planctônicos [1].
Ainda estamos começando a conhecer os impactos do microplástico em nossos ecossistemas. Mas algumas consequências do seu uso excessivo já foram mapeadas. Sabe-se que poluentes orgânicos persistentes (POPs — derivados de pesticidas e químicos industriais) têm a capacidade de se aderir ao material plástico, uma vez que os POPs são compostos hidrofóbicos. Materiais plásticos flutuantes atuam, portanto, como grandes concentradores destes poluentes. Pequenos organismos como peixes e plânctons que venham a ingerir o material plástico estão, na realidade, ingerindo concentrações de poluentes POP muito superiores às concentrações destes compostos encontrados na água do mar [1;3]. Para piorar, os POPs são tóxicos e bioacumuladores. Ou seja, espécies topo de cadeia trófica, como os grandes predadores, tendem a acumular maiores concentrações, pois se alimentam de quantidades enormes de presas contaminadas. Até nós, ao consumirmos alimentos do mar, podemos estar sendo contaminados com poluentes orgânicos persistentes que entraram na cadeia trófica a partir das partículas de microplástico.
A contaminação por material plástico não se restringe à presença de poluentes aderidos à sua superfície. Plásticos podem ainda contaminar organismos devido à presença de monômeros residuais (materiais adicionados aos compostos plásticos durante à sua manufatura) [1]. O consumo de material plástico por organismos marinhos e a sua acumulação nos tratos digestivos são ainda fonte de problemas relacionados à redução da capacidade destes em absorver nutrientes da sua dieta, aumentando a sua fragilidade e as chances de morte por inanição (falta de alimento) ou doenças.
Hoje vivemos em um mundo que consome praticamente 250 milhões de toneladas de plástico todos os anos. Pouco disso é reciclado. Há ainda os pequenos fragmentos que sequer observamos, tais como glitters e purpurina, aparentemente inofensivos, para os quais sequer damos atenção. Mas os plásticos demoram a se biodegradar, e a velocidade com que o produzimos, consumimos e descartamos tem feito desse material um problema enorme não apenas para os nossos oceanos, mas também para nós, que consumimos organismos do mar. Repensar nossos padrões de consumo de plásticos e na forma como os descartamos é um grande passo adiante para não aumentarmos ainda mais um problema que sequer conseguimos dimensionar com precisão.
Bibliografia consultada
[1] Barnes, D.K.A.; Galgani, F.; Thompson R.C. & Bralaz, M. 2009. Accumulation and fragmentation of plastic debrids in global environments. Philos. Trans. R. Soc. B., 364: 1985-1998p.
[2] Barnes, D.K.A.; Galgani, F.; Thompson R.C. & Bralaz, M. 2009. Accumulation and fragmentation of plastic debrids in global environments. Philos. Trans. R. Soc. B., 364: 1985-1998p.
[3] Zarfi, C. & Matthies, M. 2010. Are marine plastic particles transport vectors for organic pollutants to Arctic? Marine Pollution Bull., 60(10): 1810-1814p.
* Martin Dias é oceanógrafo.