Por Guilherme Tampieri*
Depois de mais de um ano e meio de discussões em audiências públicas, manifestações da sociedade civil, mobilização dos catadores de material reciclados e muita pressão em cima dos deputados e do Governo do Estado, Minas disse não à incineração no estado!
Essa história sobre incinerção em Mina Gerais começou na Assembleia Legislativa (ALMG), em maio de 2013, onde foi discutida a proposta de Parceria Público Privada (PPP) que destinaria a gestão de resíduos sólidos do estado à iniciativa privada.
Com a possibilidade das empresas escolherem a incineração como tratamento dos resíduos, cerca de duas mil pessoas foram às ruas de Belo Horizonte para mostrar aos gestores públicos o quanto essa iniciativa contrariava as diretrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos e a vontade dos catadores de materiais recicláveis do nosso país inteiro. O passo seguinte à essa marcha foi o início de uma campanha entre o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) e seus parceiros contra a incineração no estado. Essa articulação culminou na criação do Projeto de Lei (PL) 4051/2013, que proibia as tecnlogias de incineração no processo de destinação final dos resíduos sólidos urbanos no estado.
Após um grande mobilização durante a tramitação, o PL foi aprovado na ALMG no dia 25 de junho de 2014. Esse foi mais um passo dentro de uma longa caminhada do projeto entre legislativo e executivo. Em seguida, o PL foi para o Executivo, com a possibilidade de ser sancionado (aprovado) ou vetado (reprovado). O atual governador de Minas Gerais, Alberto Pinto Coelho, vetou o projeto afirmando que ele contrariava a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Seguindo os trâmites naturais de um Projeto de Lei, após o veto, o PL seguiu para a Assembleia Legislativa novamente onde o veto ao projeto poderia ser derrubado ou mantido. No caso de ser mantido, Minas Gerais permitiria o uso de tecnologias de incineração. Sendo derrubado, Minas instituiria um marco legal e sairia na vanguarda das políticas de gestão de resíduos no país.
Na noite de ontem (15/12), em reunião extraordinária na ALMG que entrou pela noite, com a presença de 59 deputados, o veto foi derrubado com 56 votos!
Com isso, Minas reconheceu a importância da coleta seletiva solidária, dos catadores na gestão dos resíduos sólidos urbanos no estado, permitiu que mais de 150 organizações e movimentos e milhares de catadores tivessem direito ao trabalho, contribuiu para a proteção ambiental no estado e deu um exemplo positivo para todo o país.
Por que ser contra a incineração?
Há razões no campo legislativo, econômico, social e, sobretudo, ambiental. Algumas delas:
Segundo a Procuradora Margaret Matos de Carvalho, do Ministério Público do Trabalho, o agente público que licenciar empreendimentos cuja finalidade seja a recuperação energética de resíduos sólidos com emissões de dioxinas e furanos, dado o reconhecimento científico de sua nocividade e, ainda, que não está aparelhado para o seu monitoramento, responderá penal e civilmente.
A produção de energia elétrica através da incineração tem aproveitamento baixo em relação à totalidade de resíduos incinerados. Em média, a recuperação do calor liberado pela incineração de resíduos fica entre 7% e 15% do total. Isso quer dizer que se perde no processo entre 85% e 93% do calor produzido. Dentro da nova substância advinda da queima dos resíduos incinerados, destaca-se o policlorofenil – PCB, as dioxinas e os furanos. Estima-se que este tipo de elemento poluente que circula pelo ar cause, anualmente, a morte de mais de dois milhões de pessoas em todo o mundo, 370.000 delas só na Europa.
Fomentar a incineração, seja por meio de legislação concernente, incentivo fiscal ou outra forma qualquer, é incentivar e estimular que governos municipais, estaduais e o próprio federal optem pela transformação de resíduos sólidos em gás tóxico para milhões de pessoas.
Econômica e ambientalmente, é importante ressaltar que a utilização de resíduos para a produção de energia não é uma fonte renovável. Dessa maneira, as indústrias que controlarão os incineradores precisarão sempre de mais matéria prima [ou resíduos sólidos] para manter a produção de energia. Ou seja, a incineração, em seus diversos codinomes, faz com que se converta recursos naturais reutilizáveis e renováveis em cinzas tóxicas, gases e líquidos poluentes. (#Envolverde)
Referências
[1] NEGRÃO, M. e ALMEIDA, André A. de. Incineração de resíduos: contexto e riscos associados. Fundação France Libertés. 15 DE JULHO DE 2010 . Disponível em: http://www.incineradornao.net/2010/07/incineracao-de-residuos-contexto-e-riscos-associados/
[2] Para entender sobre dioxinas, furanos, policlorofenil e os impactos à saúde pública desses poluentes, ver Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Econômico e Social Europeu Sobre a aplicação da estratégia comunitária em matéria de dioxinas, furanos e policlorobifenilos (COM(2001) 593) – Terceiro relatório intercalar. COMISSÃO EUROPEIA. Bruxelas. 15.10.2010. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:52010DC0562:PT:NOT
[3] Howard, C. Vyvyan. Statemente of Evidence. Particulate Emissions and Health. Proposed Ringaskiddy Waste-to-Energy Facility. Junho de 2009. Disponível em: http://www.gascape.org/index%20/Health%20effects%20of%20Dioxins.html
* Guilherme Tampieri é gestor ambiental, membro do Movimento Nossa BH e do Fórum Municipal Lixo e Cidadania. Enquanto ator social, acredita que o cidadão é capaz de participar da vida política e incidir na tomada de decisão dos gestor públicos, dentro e fora das esferas institucionais.