Por Thelma Mejía, da IPS –
Passo Real, Honduras, 30/1/2017 – Nesta aldeia do sul de Honduras, em uma das regiões de mais baixo desempenho econômico do país, o acesso a crédito é escasso, os bancos não apoiam a agricultura e a natureza castiga com constantes secas extremas. Mas, há dois anos, outra história vem sendo forjada em Passo Real, uma aldeia de 60 famílias com pouco mais de 500 pessoas, no município de San Antonio de Flores, a 72 quilômetros da capital, Tegucigalpa.
Aqui, um grupo de agricultores familiares de pouco mais de cem pessoas se cansou de bater na porta do banco para obter crédito com juros baixos, e apostou em um novo modelo de financiamento, que a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) decidiu experimentar nesse país centro-americano.
A iniciativa é conhecida como centros financeiros de desenvolvimento (CFD) e no momento é aplicada apenas em duas regiões de baixo desempenho econômico de Honduras: Lempira, no ocidente do país, e Comunidade de Municípios do Norte de Choluteca (Manorcho), ao sul. Ambas fazem parte do chamado corredor seco de Honduras, formado por pelo menos 12 dos 18 departamentos do país, afetados pelo impacto da mudança climática.
Passo Real é parte de Manorcho, integrada por seu município e outros três – Pespire, San Isidro e San José –, que englobam uma população de pouco mais de 53 mil habitantes do norte do departamento de Choluteca, em uma área onde a população sobrevive da agricultura e da pecuária de subsistência.
Rafael Núñez é um dos líderes do Grupo Ideal, empresa produtora associativa, que incorporou à agricultura familiar o componente de cultivo e comercialização da tilápia, peixe de água doce de consumo muito popular na América Central. Ele também conta com criação de gado e cultivo de hortaliças, e está contente com o que conseguiu. Embora sua família já possuísse algumas terras, “de nada serviam porque ninguém nos dava crédito”.
Núñez à IPS que “os bancos vinham e avaliavam a propriedade, mas ofereciam uma miséria de empréstimo a juros sufocantes. Nunca nos deram crédito, e batemos em muitas portas”. E, sorridente, contou que, “agora, trabalhamos e temos acesso a créditos no Centro Financeiro de Desenvolvimento de Manorcho a juros brandos”. Em seu relato, ele disse que, como os bancos não emprestavam, tiveram que usar cartões de crédito a juros de 84% ao ano, o que os sufocava.
Agora os empréstimos obtidos no CFD são acessíveis e com juros de 15% ao ano. “Não foi fácil levantarmos, porque aqui os bancos não acreditam na agricultura, menos ainda na agricultura familiar. Coleciono os panfletos de bancos e um dia irei até eles dizer: obrigado, mas já não precisamos, nos levantamos com opções mais dignas dada por gente e instituições que acreditam em nós”, afirmou um Núñez orgulhoso.
O produtor compartilhou suas vivências no contexto de um encontro centro-americano, promovido pela FAO para que representantes de organizações relacionadas com a agricultura familiar e do governo conhecessem essas experiências inovadoras que são promovidas no corredor seco hondurenho. E mostrou aos participantes do evento as instalações de produção de tilápia que tem nas águas da represa de usos múltiplos José Cecilio del Valle, localizada no povoado.
O Grupo Ideal é familiar e oferece trabalho direto a pelo menos 40 pessoas da região e indiretamente a pouco mais de 75. Os irmãos, 11 no total, dividem as tarefas e estão convencidos de que seu esforço pode ser imitado por outros pequenos produtores. Dentro de suas satisfações, Núñez relata que começou a melhorar a dieta nutricional da região. “Comemos com os trabalhadores, trabalhamos ombro a ombro com eles. Antes, para o almoço traziam apenas arroz, feijão e macarrão, e agora já trazem frango, carne, tilápia e até camarão”, afirmou.
Como requisito para trabalhar no grupo, seus empregados devem enviar os filhos à escola. “Esse é um projeto integral e queremos crescer com a aldeia, porque quase não há fontes de emprego”, destacou Núñez. Marvi Moreno, o especialista da FAO responsável por esses dois centros financeiros experimentais, disse à IPS que, com esse modelo, atualmente se permite que as pequenas famílias se organizem para ter acesso a oportunidades que lhes permitam sair da pobreza.
Do CFD participam os governos locais, as organizações de desenvolvimento que trabalham na região, e grupos de mulheres, jovens e agricultores, entre outros, aos quais é dada prioridade de créditos. O modelo tem duas características: solidariedade e inclusão. É solidário porque, se alguém consegue crédito, todos se tornam avalistas para garantir o pagamento do empréstimo, e é inclusivo, porque não discrimina.
“A prioridade são famílias pobres em condição de subsistência, mas também temos famílias com mais recursos, mas que também têm limitações com relação a crédito”, contou Moreno. “É questão de dar uma oportunidade às pessoas e aqui estamos demonstrando como o acesso a crédito está mudando vidas e, dessa perspectiva, deve ser visto como um direito a ser contemplado nas políticas públicas de um país”, ressaltou.
Essa visão é compartilhada por Abel Lara, pequeno agricultor salvadorenho que, após conhecer a experiência, opinou à IPS que esta “bolsa comum de recursos, em que se agrupam vários esforços para colocar à disposição crédito, só vem comprovar que, a partir dos territórios e sua realidade, é possível levantar a agricultura familiar”.
Os dois CFDs instalados pela FAO em Honduras conseguiram mobilizar cerca de US$ 300 mil mediante uma aliança público-privada, entre comunidade, organizações e governos locais. Isso permitiu que pouco mais de 800 pequenos produtores tivessem acesso a créditos, que no momento vão de US$ 150 a US$ 3 mil, com prazos de amortização entre 12 e 36 meses.
No caso de Manorcho, César Núñez, prefeito de San Antonio de Flores, enfatizou à IPS que “as pessoas estão começando a acreditar que o centro financeiro é uma opção real de mudança, e aqui todos apostamos em levar adiante esses municípios pobres, afetados pela natureza, mas com potencial para se desenvolver”.
Em um país de 84 milhões de habitantes, onde 66,5% vivem em condições de pobreza, o acesso a crédito como incentivo à agricultura familiar pode mudar a perspectiva de vida de aproximadamente 800 mil famílias, que vivem em condições de baixo desempenho econômico ao longo do corredor seco. Essas experiências, segundo a representante da FAO em Honduras, María Julia Cárdenas, serão parte das propostas de diálogo regional que o Conselho Agropecuário Centro-Americano organizará, para incluir na agenda regional o desenvolvimento da agricultura familiar. Envolverde/IPS