Por Emilio Godoy, da IPS –
Honolulu, Estados Unidos, 9/9/2016 – Quando as comunidades que habitam o corredor de conservação Parque Nacional Natural Tatamá e Serranía dos Paraguas, no oeste da Colômbia, se organizaram para defender suas terras e conservar a área, em 1996, enfrentavam o desmatamento, a degradação do solo e a caça ilegal.Vinte anos depois, as populações locais, os produtores e as organizações comunitárias criaram quatro reservas, uma marca de café, uma rádio comunitária e avançaram na conservação ambiental dessa faixa pertencente ao corredor natural Chocó-Darién, na fronteira com o Panamá, embora ainda persistam as ameaças.
“Um dos fatores é manter reservas no longo prazo e gerar benefícios para as comunidades locais”, afirmou César Franco, Fundador e diretor da organização ambiental comunitária Corporación Serraniagua. O ecologista apontou à IPS que “tudo está ameaçado”, especialmente pelos megaprojetos, como a mineração de ouro e as prospecções de petróleo, a perda de certeza legal na posse das terras comunitárias e as plantações agroindustriais, “que destroem os sistemas familiares”.
Serraniagua é um coletivo de proprietários de reservas naturais, grupos associativos de produtores agroecológicos, redes de mulheres camponesas e grupos ecológicos locais, em uma área de 2.500 quilômetros quadrados habitada por cerca de 40 mil pessoas, que incluem povos indígenas e afrodescendentes.O trabalho de Franco e seus companheiros lhes valeu um dos 15 prêmios aos heróis dos sítios fundamentais de biodiversidade, concedido pelo norte-americano Fundo para a Aliança dos Ecossistemas Críticos, entregues durante o Congresso Mundial da Natureza.
Este caso destaca a relevância da proteção em pequena escala, em beneficio do ambiente e de seus moradores, em comparação com as grandes obras de infraestrutura, que supõem um impacto considerável sobre os ecossistemas.O cuidado local é um dos temas principais do Congresso,que realizado em Honolulu, capital do Havaí, nesses dez primeiros dias de setembro, organizado pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
O encontro reúne nesta ilha do Pacífico 9.500 participantes de 192 países e territórios, entre delegados governamentais, organizações não governamentais, cientistas e empresas. Sob o lema Planeta na Encruzilhada, culminará com os Compromissos do Havaí, dos quais 85 resoluções já chegaram a Honolulu aprovadas pela Assembleia da UICN, com sede na Suíça e 1.200 membros governamentais e não governamentais.
Durante o Congresso, o debate centrou-se em 14 moções sobre temas polêmicos, como compensação pela destruição de riqueza biológica, fechamento de mercados domésticos para o comércio de marfim e melhores padrões para o ecoturismo. Além disso, três resoluções versam sobre a conservação e o impacto das grandes infraestruturas, como estradas, hidrelétricas, portos e exploração de recursos naturais.
No Estado mexicano de Nayarit, Heidy Orozco, diretora executiva do não governamental Centro para o Desenvolvimento Social e a Sustentabilidade de Nuiwari, atestou as vantagens de deixar correr o rio San Pedro, o único no México livre de represas. A região “abriga lugares sagrados, mangues e uma reserva da biosfera. Ainda é considerada área de riqueza biológica e cultural”, pontuou à IPS a ativista, que mora perto das margens do rio e está presente em Honolulu.
A parte média do afluente permite a semeadura, enquanto a pesca acontece nos baixos da bacia. Mas o ecossistema e seus beneficiários estão sob a ameaça do projeto hidrelétrico Las Cruces, planejado pela estatal Comissão Federal de Eletricidade para a bacia do corpo de água, 65 quilômetros ao norte da cidade de Tepic, capital de Nayarit. A represa terá capacidade instalada de 240 megawatts e um dique de 188 metros de altura, em uma superfície de 53,49 quilômetros quadrados.
As organizações do Conselho Intercomunitário e Náyeri, formado para enfrentar a obra, denunciam que esta atingirá a Reserva da Biosfera de Marismas Nacionais, o sistema de mangues mais extenso da costa mexicana no Oceano Pacífico. Além disso, alegam que prejudicaria 14 sítios sagrados e centros cerimoniais dos povos originários náyeri ou cora, wixárica ou huicholes, tepehuanos e mexicaneros, bem como haveria o deslocamento forçado de uma comunidade. O estudo sobre o impacto ambiental da central admite que seriam perdidas na área a agricultura de subsistência e a pecuária de pequena escala, que passaram a ser substituídas pela atividade de pesca na represa.
Na Bolívia, as iniciativas comunitárias de conservação em pequena escala convivem perigosamente com a construção de megaprojetos. Por exemplo, em uma mina de bolivianita, na Área Natural de Manejo Integrado San Matías, no Pantanal boliviano, no departamento de Santa Cruz, fronteiriço com o Brasil, foi aproveitado apenas um hectare em dez anos para obter a pedra, uma fusão natural de citrino e ametista, que ganhou auge na última década. Essa exploração contrasta com a exploração de ouro em grande volume no norte do país.
“O desenvolvimento em pequena escala é uma solução. Há várias lições aprendidas, com a distribuição de benefícios entre os sócios, criação de mecanismos reais de proteção e respeito a acordos e leis”, disse à IPS a ativista Carmen Miranda, coordenadora regional para a Amazônia do internacional e não governamental Consórcio de Áreas e Territórios Conservados por Povos Indígenas e Comunidades.
Na Guatemala, comunidades q’eqchí’s próximas ao Parque Nacional Laguna Lachuá, no departamento de Alta Verapaz, restauraram a floresta, plantaram cacau orgânico que beneficia 150 produtores, aos quais se somaram outros 350 durante este ano, ao mesmo tempo em que cultivam mel e aproveitam a floresta de forma sustentável.
“Uma das melhores soluções para conservar áreas protegidas é trabalhar em pequena escala com as pessoas. Temos uma comunidade fortalecida, organizada e com sustentabilidade econômica. Isso demonstra que é melhor investir em comunidades do que somente chegar com grandes projetos de infraestrutura”, opinou Grethel Aguilar, coordenadora regional do escritório para México, América Central e Caribe da UICN.
Como exemplo, contou à IPS que, em janeiro de 2017, a UICN iniciará um projeto na selva maia do sul do México, no norte da Guatemala e em Belize, mediante financiamento de quase US$ 9 milhões proporcionados pelo governamental banco alemão de desenvolvimento KfW, para proteger as florestas e oferecer vias produtivas aos seus habitantes, em sua maioria indígenas.
Franco explicou que o que se quer é “ampliar as áreas sob manejo comunitário. Serraniagua pretende identificar as ações que mais contribuem para a conservação das florestas e protegem as reservas hídricas dos aquedutos comunitários rurais”.Milhares de quilômetros ao norte, Orozco não pretende aceitar nenhuma central hidrelétrica. “Não seremos beneficiados economicamente. Queremos desenvolvimento, obras de cuidado da água, mas não que afetem nossa cultura e identidade”, ressaltou a ativista, cuja rede entrou com vários amparos legais contra a obra. Envolverde/IPS