Nesta segunda-feira (30), no discurso de abertura da COP21, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, pediu um minuto de silêncio em memória aos atentados terroristas em todo o mundo. O Presidente francês, François Hollande, disse aos representantes dos mais de 190 países presentes em Paris que a luta contra o terrorismo não se opõe à luta contra o aquecimento global e que um acordo sobre este tema “não pode falhar”. Confira a íntegra no vídeo abaixo:
Ban Ki-moon está otimista, mas não tranquilo. O problema da mudança climática, alerta, é urgente e já se faz sentir em todo o planeta.
Para o secretário-geral da ONU, a conferência do clima em Paris pode –e precisa– pôr os governos no rumo de uma economia que use pouco combustível fóssil e emita menos gases-estufa.
Precisa também selar um compromisso para manter o aquecimento global abaixo de 2°C até 2100, teto considero seguro por cientistas.
“Não há alternativa”, diz. “Nenhum país pode se omitir.”
Ban defende para tanto que todos ajam. “Precisamos entrar em ação e precisamos fazê-lo pela cooperação internacional. Nenhum país pode combater as mudanças climáticas de modo isolado.”
A chamada COP21 (21ª Conferência das Partes), que reúne mais de 150 chefes de Estado, visa selar um acordo com peso de lei, mas as metas anunciadas por ora são insuficientes para respeitar o teto seguro de aquecimento.
Ban, porém, acha que o caminho está traçado, se transformado em ação. “Quase 180 países apresentaram planos climáticos nacionais. Isso mostra que estão engajados.”
Esse trilho é um dos legados que o secretário-geral, que encerra seu mandato em 31 de dezembro do próximo ano, gostaria de deixar.
Em entrevista à Folha por e-mail, Ban, 71, falou ainda do peso das Nações Unidas em um cenário global mutante, do papel do Brasil nesse palco e de como gostaria que sua sucessora fosse mulher. “Está na hora.” Confira!
Folha – Esta será a 21ª COP. O que mudou para esperarmos que os governantes desta vez mostrem a vontade política necessária para selar um acordo com peso de lei que possa frear as mudanças climáticas?
Ban Ki-moon – Em decisão tomada quatro anos atrás em Durban, as partes decidiram que esta será a conferência em que adotarão um protocolo, outro instrumento legal ou um resultado acordado com força legal na 21ª Conferências das Partes [a COP].
Acho que o mundo está preparado para adotar agora um acordo significativo e universal, porque todos já estão familiarizados com os impactos das mudanças climáticas sobre todos os continentes. Não há mais incerteza científica, e, ademais, os líderes reconhecem que o futuro pertence àqueles que avançarem prontamente em direção à economia de baixo carbono.
Todo o mundo tem a visão clara de que precisamos começar a entrar em ação e que precisamos fazê-lo por meio da cooperação internacional. Nenhum país pode combater as mudanças climáticas de modo isolado com êxito.
A COP21 deve ser julgada pelo critério dos 2ºC [considerado o teto para o aquecimento neste século sem consequências catastróficas]? Se as delegações fecharem um acordo incapaz de alcançar essa meta, a conferência fracassará?
Precisamos manter a elevação da temperatura global em menos de 2ºC neste século. Paris deve ser julgada com base em se ela nos encaminha para alcançar essa meta. É por isso que o acordo de Paris precisa trazer avaliação regular, revisões e reavaliações dos planos climáticos dos países, as INDCs.
Quais são suas expectativas para a conferência e o que poderia ser um êxito?
Um elemento muito animador é o fato de que quase 180 países apresentaram seus planos climáticos nacionais, ou INDCs. Isso mostra que eles estão engajados em empreender ações contra as mudanças climáticas. Outros sinais muito positivos incluem a mobilização do setor privado e o fato de que os investimentos em energia renovável continuam a crescer.
Acredito que a COP21 poderá reforçar os sinais enviados aos mercados globais para que elevem substancialmente os investimentos na economia de baixo carbono.
O senhor já afirmou que não há plano B para as mudanças climáticas porque não há planeta B. Contudo, parece que o Acordo de Paris precisará de um plano B, pois os compromissos de reduções de emissões das partes são insuficientes para os 2ºC. A comunidade internacional está desperdiçando tempo que a obrigará a pagar mais custos econômicos e sociais?
Certíssimo –não há plano B. Não há alternativa. O Acordo de Paris precisa dar o mecanismo que permita aos países elevar seus compromissos de redução de emissões. As INDCs podem fazer a curva da temperatura baixar, mas não tanto quanto precisamos. Quanto mais atrasarmos ou adiarmos a ação, mais caro será conter as mudanças climáticas.
O sr. acha politicamente viável que em algum momento a comunidade internacional mude a meta para 1,5ºC, por medida de segurança?
Faria sentido visar 1,5ºC, e acho que podemos chegar a isso, mas apenas se mudarmos para uma economia de baixo carbono já. Precisamos mudar nossos investimentos de combustíveis fósseis para energia renovável. Precisamos abraçar integralmente a Agenda de Desenvolvimento Sustentável adotada pelos líderes em setembro. E precisamos apoiar os esforços de adaptação, pois não podemos reverter as mudanças climáticas. Vamos ter que conviver com elas.
O cenário mais positivo apresentado pelo Pnuma [braço ambiental da ONU] em seu relatório de 2015 sobre a discrepância de reduções aponta para um aquecimento de 3ºC a 3,5ºC até 2100, e isso apenas se as INDCs forem plenamente implementadas. Resta base para otimismo quanto a Paris?
Sim –Paris pode nos colocar no caminho rumo a um futuro de menos de 2ºC.
Sabemos que as INDCs não vão bastar. Os países terão que elevar seu nível de ambição e reduzir suas emissões enquanto avançamos.
É por isso que o Acordo de Paris é tão importante. Ele vai definir as regras a serem seguidas daqui para frente e traçar um mecanismo para os países elevarem seus compromissos de modo regular.
Há muito ceticismo e crescente divergência sobre o investimento anual de US$ 100 bilhões para acelerar a transição para um caminho de baixo carbono. O compromisso financeiro deve ficar a cargo dos países desenvolvidos ou as economias emergentes também devem contribuir? O montante deve ser dinheiro novo e vir exclusivamente de governos, ou seria aceitável incluir o setor privado?
Não há dúvida de que os países desenvolvidos precisam liderar no financiamento climático. Esse financiamento deve vir de “todas as fontes”, o que abrange dinheiro público e privado.
Entende-se, entretanto, que devem ser incluídos nos US$ 100 bilhões apenas os investimentos privados que sejam resultantes de ação pública.
Os países em desenvolvimento também precisam cumprir sua parte, na medida em que estiver ao seu alcance. Nenhum país pode se omitir e ficar inativo.
A ONU perdeu parte da força como fórum global em questões de segurança e alguns outros temas, e a incapacidade de fechar um acordo com força de lei para o clima pode corroer sua autoridade ainda mais. Nos últimos anos, organismos globais que perderam o poder de angariar consensos perderam relevância para fóruns menores. O fracasso em Paris não seria um risco à ONU?
Ninguém deve questionar a relevância e importância das Nações Unidas e do multilateralismo. Já vimos países se unindo para adotar as Metas de Desenvolvimento Sustentável, reconhecendo a necessidade de transformar o modo como fazemos negócios para pôr fim à pobreza, promover a prosperidade e proteger o ambiente.
Acredito que todos os países e os líderes compreendem o que está em jogo em Paris e estão engajados em forjar um acordo que nos faça avançar.
O Brasil e países como Japão, Índia e Alemanha pedem a reforma do Conselho de Segurança da ONU para refletir as mudanças políticas e econômicas dos últimos 70 anos. Muito já se debateu, mas nada fez a mudança avançar. Como o sr. vê a reforma e qual prazo seria razoável para ela?
Acredito que tenha sido feito certo progresso, mas sem dúvida há ainda mais trabalho pela frente, incluindo para o Conselho de Segurança. É verdade que mais e mais pessoas pedem uma reforma. Mas essa é uma questão para ser debatida e decidida pelos Estados membros, não pelo Secretariado.
A ONU está mudando juntamente com o resto do mundo, e é um processo constante. Estou colaborando estreitamente com os Estados membros sobre a restruturação institucional, a melhoria da coordenação e sobre as prioridades estratégicas da ONU.
Após 15 anos elevando sua importância nos organismos internacionais, o Brasil teve sua voz e ambição reduzidas. É provável que a crise política e econômica aqui agrave o problema. O que o Brasil tem a perder caso se retraia? E o que o sistema internacional?
O Brasil é um ator líder no palco mundial e na ONU, onde tem feito contribuições fortes e constantes sobre questões que fazem parte dos três pilares de nosso trabalho: paz e segurança, direitos humanos e desenvolvimento.
Estou grato ao Brasil por sua participação em missões de paz, com mais de 1.200 brasileiros servindo em nove missões em todo o mundo. Agradeço ao Brasil sobretudo pela missão no Haiti.
O mundo descreveu avanços tremendos neste ano em direção à criação de um futuro sustentável, com a adoção em Nova York, em setembro, de uma nova agenda de desenvolvimento sustentável. Mas a longa estrada que conduz a essa vitória começou realmente na ECO92 no Rio de Janeiro em 1992, quando o Brasil foi palco da Cúpula da Terra, reunindo mais de cem líderes mundiais para repensar o desenvolvimento econômico e encontrar maneiras de sustar a degradação dos recursos naturais.
Essa cúpula inusitada foi seguida duas décadas depois com a Rio+20, onde os líderes mapearam um caminho em direção a um mundo mais seguro, igualitário, limpo, verde e próspero para todos.
Como anfitrião, o Brasil exerceu papel fundamental na negociação de acordos ambiciosos. E fez grandes contribuições ao esboço da Agenda de Desenvolvimento Sustentável de 2030, adotada por líderes mundiais em setembro. O Brasil também exerce papel importante de lançar pontes nas negociações climáticas e é fonte de muitos denominadores comuns. Espero que o país continue a liderar nessas áreas.
O sr. deixa seu cargo em 2016. O que gostaria que ficasse como sua maior realização?
Caberá à história avaliar. Só posso dizer que fiz o melhor que pude para assumir responsabilidades que me foram entregues.
Há três questões às quais eu me dediquei plenamente. Em primeiro lugar, as mudanças climáticas. Viajei aos confins da Terra para soar o alarme e ressaltar oportunidades de uma transição para um futuro de baixo carbono.
Em segundo, o desenvolvimento sustentável. Esse é o caminho mais certeiro para sociedades estáveis e uma vida com dignidade para todos.
Em terceiro lugar, o empoderamento de mulheres. O mundo já avançou muito, mas a violência e discriminação continuam amplas.
Também tenho procurado promover o avanço dos direitos humanos para todas as minorias, incluindo a LGBT, e tenho orgulho de nossos avanços na construção de parcerias e no fortalecimento da gestão, transparência e prestação de contas da ONU.
O senhor gostaria de ser sucedido por uma mulher?
Já ouvi muitas vozes de todo o mundo dizendo que é chegada a hora de uma mulher qualificada e com realizações liderar as Nações Unidas. Sou muito engajado com a igualdade de gêneros. Sou o oitavo secretário-geral homem.
Acho que está mais que na hora de os Estados membros ouvirem seriamente os chamados para que tenhamos uma mulher como secretária-geral das Nações Unidas.
* Entrevista publicada originalmente pelo jornal Folha de São Paulo e retirado do site ONU Brasil.