Seis empresas com propósito, tecnologias inovadoras e práticas sustentáveis apresentaram suas histórias para inspirar e estimular outros empresários e empreendedores a aderirem aos novos valores da sociedade e do mercado
Uma nova economia está nascendo. A preocupação com as questões ambientais, a desigualdade social, o consumismo, o excesso de resíduos, as mudanças climáticas, o colapso da biodiversidade, entre outros tantos problemas do século 21, estão provocando mudança de atitudes, comportamentos e desejos das pessoas em todo o mundo. Novos valores estão surgindo e sendo adotados pela sociedade e mercado. E novos modelos de negócios também.
Jovens empreendedores desenvolvem soluções tecnológicas para resolver problemas em diversas áreas. Assim aparecem as oportunidades de negócios em diversos setores. A tecnologia se tornou grande aliada para gerar mais inclusão socioeconômica, democratização da informação e do conhecimento e empreendedorismo com propósito (ideais).
Empresas tradicionais também fazem a sua parte, adotando práticas sustentáveis, que envolvem aspectos ambientais e sociais. A busca frenética pelo lucro e a competição no mercado estão sendo substituídas pelo senso de responsabilidade socioambiental e espírito de colaboração e parceria, que também garantem rentabilidade e continuidade dos negócios. Os consumidores conscientes observam e aplaudem empresas com estas características. Aquelas que não demonstram comprometimento com a conscientização geral da sociedade correm o risco de fechar as portas.
Na terça-feira (13/11), no auditório do Centro Sebrae de Sustentabilidade (CSS), em Cuiabá, seis histórias de empreendimentos de MT, AM, BA, RS e SP, atuantes no novo ‘modus operandi’ foram contadas por seus responsáveis. Os seis empresários são adeptos dos novos valores, que não buscam apenas resultados econômicos, mas querem ajudar a transformar o mundo em um planeta mais justo e sustentável.
Eles foram selecionados do portfólio de casos de sucesso do CSS para a primeira edição do evento ‘Ecoar – Histórias inspiradoras merecem ir mais longe’. O objetivo do evento foi o de estimular outros empreendedores e empresários a também protagonizarem as transformações da economia no século 21.
Foram apresentados os casos: Disk Lavanderia por Maria Custódio e Forest Friend por Mauro Romani, de Cuiabá; Revoada por Adriana Tubino, de Porto Alegre; Restaurante e Lanchonete Tedesco por Melentino Tedesco de Santo Antônio de Jesus (BA); Onisafra por Daniel Bandeira de Manaus (AM); e Treevia por Esthevan Gasparotode São José dos Campos (SP). O CSS gravou as apresentações do Ecoar em vídeo, que será veiculado, posteriormente no www.youtube.com/
Tecnológicos
A Onisafra é a startup responsável pela plataforma online que aproxima produtores da agricultura familiar de consumidores. O empreendimento nasceu da constatação da dificuldade de acesso a mercado por pequenos produtores rurais da região metropolitana de Manaus. A plataforma agenda a demanda dos consumidores e marca a entrega em, datas, horários e locais, onde é montada uma espécie de feira em condomínios residenciais, espaço coworking, órgãos públicos, etc
“De acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura), há 500 milhões de agricultores familiares no mundo, dos quais 4,3 milhões são do Brasil. Eles são responsáveis por 70% dos alimentos das mesas dos brasileiros”, ressaltou Daniel. “Por um lado, os agricultores têm dificuldade de comercialização, e do outro, os consumidores querem qualidade, preço e saber qual é a origem dos alimentos. Criamos uma solução para resolver os dois lados do problema”, acrescentou.
Na plataforma Onisafra é possível as cooperativas e associações de agricultores familiares criarem suas lojas de e-commerce. “Agora, os produtores só colhem o que vendem, gerando menos desperdício e descarte”, afirmou Daniel. No momento a plataforma conta com 13 lojas virtuais em quatro cidades (AM, PA, SP e SC) e, nos próximos seis meses, a startup vai escalar, ou seja, aumentar o número de adesão em outros estados.
Já a Treevia, uma agritech ou startup tecnológica do agronegócio, é responsável pelo software online Smart Forest, que usa Bigdata para manejar florestas plantadas. “Existem 4 bilhões de ha de florestas no mundo, destas 290 milhões de ha são de florestas plantadas”, informou Esthevan Gasparoto, CEO da agritech de São José dos Campos. No Brasil, elas equivalem a 9,85 milhões de ha, segundo o levantamento Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura (Pevs) 2017, divulgado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Elas abastecem os setores dependentes de madeira para produzir, tais como o moveleiro, papeleiro, entre outros. As florestas plantadas são sustentáveis, pois reduzem drasticamente a pressão sobre florestas nativas. Sensores instalados nas árvores conectados a satélites informam, em tempo real e com precisão, as condições das árvores como adubação, risco de incêndio, ataque de pragas, variáveis climáticas, etc O Smart Forest permite a tomada de decisões mais rápida e assertiva.
Esthevan é engenheiro florestal, fez mestrado no Canadá e disse que ficou impressionado com as técnicas antigas de monitoramento de florestas no país que é referência mundial no setor florestal, até hoje. Equipes vão em campo coletar informações, periodicamente, com custo alto, correndo riscos e sem criar dados precisos. O Smart Forest é tão revolucionário que venceu a premiação mundial do setor florestal – BlueSky Award – em Berlin, no ano passado. Já está sendo usado e florestas plantadas na Corea do Sul, informou.
“Nós acreditamos no que estamos fazendo. Nosso time é formado por quatro engenheiros florestais e seis desenvolvedores (eletrônica e software) de vários estados, que se mudaram para São José dos Campos motivados pela proposta de construir soluções para o setor florestal. Também queremos trabalhar com florestas nativas”, afirmou. “Acreditamos que o Smart Forest vai mudar o manejo florestal no mundo. Ela é 100% brasileira”, destacou.
Mato-grossenses
A empresa Disk Lavanderia de Várzea Grande (MT), na região metropolitana de Cuiabá, com 21 anos de mercado, é um exemplo a ser seguido pelo segmento. Possui 11 licenças dos órgãos ambientais municipal, estaduais e federal (Sema, Ibama, Corpo de Bombeiros, etc), que significaram custo de R$ 76 mil. O empreendimento trata a água que sai da lavagem, antes de descartar na rede de esgotamento sanitário. Colocou filtros na caldeira para evitar a poluição do ar, entre outras práticas e atitudes.
“A água é insumo fundamental para nós. Usamos 70 mil litros/dia e me preocupava bastante. Em 98, começamos a tratar a água para não prejudicar o meio ambiente”, contou Maria. Há 22 anos, tudo era diferente, se lembrou. Não havia tantas exigências da legislação ambiental e fiscalizações. A empresária contou que foi a partir da participação em projetos e ações do Sebrae MT, que começou a adotar boas práticas sustentáveis.
O varal solar foi uma delas. Disse que explicou para os fiscais do órgão ambiental estadual como funcionava, pois nunca tinham visto. A ‘estufa’, como é chamada, é uma área coberta com um grande varal onde é feita a secagem dos enxovais de sua clientela, composta por redes hoteleiras. Sem usar energia elétrica, apenas o sol faz o serviço, acrescentou.
Maria preparou sua empresa para as oportunidades da Copa do Mundo 2014, que realizou jogos em Cuiabá. As boas práticas sustentáveis sugeridas pelo Sebrae envolveram a equipe. “Nossos funcionários também pensam em meio ambiente e são capacitados em sustentabilidade. Cada um tem seu copo de beber água para não gerar resíduos”, exemplificou. O próximo passo será a implantação de microusina solar fotovoltaica, revelou a empresária.
O selo Forest Friend é o primeiro que trabalha com créditos de floresta para compensar a emissão de gases efeito estufa de empresas, instituições e que envolvem toda a cadeia até o consumidor final. Mauro Romani explicou a certificação que remunera proprietários de terras da Amazônia com florestas nativas. Mauro citou estudo da Nielsen, que levantou 26 serviços ambientais prestados pelas florestas nativas ao planeta. “O crédito de floresta é diferente do crédito de carbono. O selo Forest Friend compensa as emissões de cadeias produtivas deixando florestas em pé”, explicou.
O Brasil Mata Viva (BMV) é parceiro do selo, autorizado a comercializar os créditos de florestas gerados por 385 mil ha protegidos em propriedades integrantes do programa na Amazônia. O Forest Friend fraciona os créditos para ser rateado por toda a cadeia produtiva até o varejo e consumidor final. Ele cria responsabilidade nas pessoas, segundo Mauro.
A Farmácia Biológica de Cuiabá foi a primeira no ramo farmacêutico de manipulação no país a compensar suas emissões por meio do Forest Friend. Ao comprar produtos da empresa o consumidor é informado sobre a compensação e é convidado a participar. O custo é baixo, de poucos reais, conforme o medicamento, e o consumidor passa a ajudar na remuneração dos proprietários de terras a preservarem as matas em pé. Assim a sustentabilidade passa a ser negócio, desde o produtor rural até a gondola do supermercado.
Revoada
A Revoada é uma grife sustentável de bolsas e acessórios feitos de câmaras de pneus e tecidos de guarda-chuva é de Porto Alegre. O empreendimento é um ótimo exemplo de economia circular. Adriana Tubino, publicitária e uma das sócias, falou no Ecoar sobre o propósito de empreender, mas sem gerar mais resíduo. As bolsas,carteiras, mochilas, pochetes, cadernetas e casacos de dupla-face com tecidos coloridos das sombrinhas e guarda-chuvas têm design moderno, bonito e atraente.
A marca contrata ateliês de costureiras para confeccionarem os modelos dos produtos. A matérias primas são fornecidas por borracheiros, cooperativas de recicladores, entre outros. Se o cliente cansar do produto quiser descarta-lo também poderá fazê-lo junto à Revoada, que desmancha e reaproveita a matéria-prima em novos ciclos produtivos.
A venda por lotes anunciados no site do empreendimento é a última moda criada pela grife. Os interessados se candidatam a comprar os produtos e aguarda ficarem prontos. Desse modo são produzidos apenas o que já foi vendido e as costureiras e outros trabalhadores envolvidos são remunerados por cada lote. “É perfeito, porque nós pagamos todos os custos do lote e geramos renda certa para os fornecedores, que são pequenas oficinas e ateliês de costura e corte”, explicou Adriana. Não há o risco de produzir além da demanda e gerar sobras, resíduos e despesas com logística. Tudo funciona melhor assim, ressalta.
Os clientes estão gostando da venda em lotes e não se incomodam de aguardar os produtos serem produzidos e entregues. “Eles entendem e gostam do novo sistema”, garante a empresária.
Outra frente que a Revoada atua é na criação e produção de produtos e brindes corporativos. Grandes empresas ficaram curiosas sobre a operação diferenciada da grife e quiseram receber consultorias em economia circular.
Adriana contou que, hoje, se divide entre a área de vendas e divulgação da marca e a prestação de serviços de consultoria para esta nova clientela. Além de se tornar exemplo, a marca está orientando grandes organizações a montarem projetos e iniciativas de economia circular, pensando desde a matéria-prima, produção, consumo, pós-consumo, descarte e reaproveitamento. O propósito da Revoada gerou outros voos.
Exemplo no terminal rodoviário
Melentino Tedesco é o empresário entusiasta do Restaurante e Lanchonete Tedesco, situado no terminal rodoviário do município de Santo Antônio de Jesus (BA), há 27 anos. Meio ambiente sempre esteve presente em suas atitudes e preocupações, enquanto cidadão e empresário. Ele é técnico agrícola e, antes de empreender no segmento de alimentação, trabalhou no agronegócio.
Metódico, criou processos para a gestão de resíduos: os orgânicos são fornecidos diariamente a produtores de animais da região; papel, latas e embalagens são rigorosamente separados e vendidos a empresas de reciclagem; gordura saturada é medida diariamente e armazenada em tanques hermeticamente fechados até ser descartado por empresa especializada, que vende à Petrobras produzir biocombustíveis; entre outras. “Enviamos poucos resíduos para o aterro”, disse orgulhoso.
Práticas de redução de consumo de energia e água já estão implantadas, há anos, no Tedesco. O empreendimento possui certificados da ABNT e venceu o prêmio MPE Brasil 2016, realizado pelo Sebrae e Movimento Brasil Competitivo (MBC) e Fundação Nacional da Qualidade (FNQ), nas etapas estadual e nacional, além de outros.
Máquinas modernas preparam salgados, sanduiches, pães, etc Fornecedores têm de ter certificado da Anvisa. Uma nutricionista orienta o cardápio e a produção dos alimentos. O Tedesco também trabalha com delivery, levando itens do cardápio a residências e empresas. Máquinas embaladoras garantem que o produto chegue quente e higienicamente preparado e transportado ao cliente.
Melentino acaba de investir na automatização do atendimento ao ciente, que passa por uma catraca, recebe um cartão onde é registrado o que consumiu, facilitando o processo de pagamento tanto para o caixa como para o cliente. Ele se envolveu pessoalmente no desenvolvimento do software. Outra novidade é que falta pouco para conseguir a certificação ISO 9001. Já está pensando na próxima inovação: a implantação de energia solar fotovoltaica.
“Quero deixar um legado: uma empresa aberta e sustentável para todos. Alimento é vida e sem sustentabilidade não teremos futuro”, concluiu Melentino.
(#Envolverde)