A recente fusão de três secretarias de estado (Meio Ambiente, Saneamento e Recursos Hídricos e Energia e Mineração), no início da gestão do governador João Dória, dando origem à atual Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA), foi realizada sem a participação das equipes técnicas do Sistema Ambiental Paulista. Na nova estrutura, fica claro que o meio ambiente perderá seu protagonismo e espaço, tendo como uma das possíveis consequências o enfraquecimento das políticas públicas ambientais. Nesse momento, um novo Decreto vem novamente sendo conduzido sem transparência, consulta ou participação de técnicos, pondo em risco as políticas ambientais em curso no Estado de São Paulo.
Em 11 de janeiro de 2019, foi feita a primeira solicitação ao novo Secretário da SIMA, Marcos Penido, para ter acesso à minuta do Decreto de reestruturação da pasta, assim como para agendar uma reunião com o intuito de garantir a participação da equipe técnica responsável pela elaboração das políticas ambientais no Estado no processo de reestruturação. A equipe técnica desta pasta é altamente qualificada, com nível de mestrado e doutorado, e atua há mais de 30 anos no Sistema Ambiental Paulista. Sua expertise é valiosa e está sendo completamente ignorada pela gestão Dória no momento de definição e planejamento ambiental do Estado. Após cinco solicitações de audiência para tratar do assunto, todas ignoradas, viemos a público manifestar nossa indignação quanto à falta de transparência e nossa preocupação quanto aos prováveis resultados negativos que comprometerão o equilíbrio e proteção do meio ambiente.
Foi informado em evento público, em 19/02/2019, por dirigentes da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) e da Subsecretaria de Meio Ambiente, que algumas agendas e projetos da Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais (CBRN) serão transferidos para a Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA), e há rumores que algumas outras agendas serão incorporadas à Coordenadoria de Fiscalização. Tais medidas, se realmente efetivadas, irão enfraquecer as políticas públicas ambientais do Estado e tirar o papel protagonista e vanguardista da SIMA na temática ambiental do país. Nesse novo cenário, não seria possível assegurar a efetiva proteção da biodiversidade.
Desde 1986, trabalhamos para fomentar e executar as ações para a proteção e recuperação da biodiversidade, integrando no território as áreas protegidas e as atividades produtivas, com o objetivo de garantir a melhoria da qualidade ambiental e da geração de serviços ecossistêmicos essenciais ao desenvolvimento socioambiental e econômico sustentável, do Estado de São Paulo. A estrutura responsável pela biodiversidade foi evoluindo ao longo do tempo e desde 2009 passou a denominar-se CBRN, quando foram separadas as atribuições relacionadas ao licenciamento. Hoje, as demais Coordenadorias existentes – Educação Ambiental, Fiscalização, Planejamento e Parques Urbanos – trabalham todas em conjunto com a finalidade de fortalecer o que é o cerne de todos os órgãos ambientais: proteger e recuperar a biodiversidade e compatibilizar o desenvolvimento econômico e social com a preservação da qualidade do meio ambiente – atribuições da própria CBRN.
A hipótese de incorporação de parte das atribuições da Coordenadoria de Biodiversidade pela Coordenadoria de Fiscalização representa um retrocesso histórico. A CBRN foi reestruturada, em 2012, exatamente para separar as demandas de licenciamento e fiscalização da agenda positiva de biodiversidade, criando neutralidade e aumentando a confiança do público externo. Uma agenda positiva independente, autônoma e com recursos próprios permite o fomento do desenvolvimento sustentável de forma propositiva, preventiva, pró-ativa e voluntária, sendo, portanto, mais efetivo a longo prazo e menos oneroso. Fundir as agendas de comando e controle da fiscalização com a agenda positiva da biodiversidade novamente acarretará, na prática, numa drástica redução da agenda positiva, comprometendo os bons resultados de projetos em andamento.
A possível transferência do Sistema do Cadastro Ambiental Rural (SICAR) e das agendas que envolvem o Código Florestal e o Desenvolvimento Sustentável para a SAA poderá acarretar em um enfraquecimento da vertente ambiental dessas temática, visto que a missão das duas secretarias é distinta e complementar, cabendo à SIMA a implementação da agenda ambiental de forma transversal garantindo o meio ambiente sadio para a presente e futuras gerações, não só no que abrange os imóveis rurais, mas em toda a paisagem na qual este está inserido.
O mapeamento das propriedades rurais pelo SICAR-SP permite a identificação de corredores ecológicos, de matrizes favoráveis para as zonas de amortecimentos das Unidades de Conservação e de locais mais adequados para o estabelecimento de futuras Reservas Legais (RL). O SICAR-SP é fundamental para a gestão ambiental do Estado e possui diversas interfaces com as demais atribuições da atual SIMA: está conectado ao sistema de emissão de autuações ambientais da Coordenadoria de Fiscalização Ambiental; a todos os projetos de recuperação ambiental (licenciamento, reparação de dano ou conversão de multas) por meio do SARE (Sistema Informatizado de Apoio à Restauração Ecológica); é utilizado pela Fundação Florestal (órgão gestor das Unidades de Conservação estaduais) para a elaboração de Planos de Manejo e regularização fundiária e pela Coordenadoria de Planejamento Ambiental para a elaboração do Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE). A transferência do SICAR-SP para a SAA representaria mais um obstáculo para a política pública ambiental, pois, além de seu amplo uso pelo sistema ambiental, está totalmente interconectado aos demais sistemas da pasta e hospedado no SIGAM (Sistema Integrado de Gestão Ambiental).
Na agenda de Desenvolvimento Sustentável, há o fomento de boas práticas ambientais, difusão de tecnologias ambientalmente mais sustentáveis e mediação de conflitos e demandas dos diversos setores produtivos. Por meio de projetos já reconhecidos, como Cadmadeira, Etanol Mais Verde, Transição Agroecológica, Apicultura e Melipolinicultura, Florestas Multifuncionais e Pagamento por Serviços Ambientais, busca-se produtividade com melhoria da qualidade ambiental. A sinergia dessas ações e projetos entre duas Secretarias de peso, como Agricultura e Meio Ambiente é um caso de sucesso. Excluir a atuação da SIMA nesses projetos e transferí-los para a SAA, trará prejuízo na credibilidade dos certificados emitidos, que reconhecem as boas práticas agroambientais das empresas e de micro-empresários perante a sociedade e organismos nacionais e internacionais. Por exemplo, diversas usinas de cana-de-açúcar exportam seus produtos por meio do Certificado de Qualidade Ambiental do Etanol Mais Verde. Um certificado emitido somente pela SAA não terá o mesmo peso e confiança no mercado. O novo governo pretende extinguir exatamente o que vem sendo elogiado pela sociedade e setores produtivos, que é o trabalho de parceria inter-secretarias.
No tocante à Fauna Silvestre, a CBRN, atualmente, atua nas políticas públicas voltadas para a conservação de espécies da fauna silvestre ameaçadas de extinção e gerencia o maior número de empreendimentos de fauna silvestre em cativeiro, no Brasil, responsáveis pela conservação de espécies ameaçadas, educação ambiental e comércio de produtos e subprodutos. Doenças zoonóticas devem ser discutidas transversalmente, considerando os setores de saúde pública, agricultura e de meio ambiente, já que as alterações provocadas pelas ações humanas na paisagem urbana e rural têm provocado o aumento da circulação de doenças como a Raiva, Febre Maculosa Brasileira, Febre Amarela e Leishmaniose; e, em alguns casos, situações de epidemia, além de promover desequilíbrios populacionais de espécies da fauna silvestre nativa e acelerar processos de bioinvasão por espécies de fauna e flora exóticas, tanto nas áreas especialmente protegidas, ameaçando seus serviços ecossistêmicos, como em áreas de produção agrícola, ameaçando a produtividade e acarretando em prejuízos econômicos. Portanto, os assuntos relacionados à fauna silvestre devem se manter juntos e coesos na nova estruturação da SIMA, não devendo ser fragmentados.
Os funcionários da CBRN, com sua expertise em assuntos altamente técnicos, são representantes importantes e atuantes em parcerias internacionais, colegiados, comitês, conselhos, câmaras técnicas e grupos de trabalho, que discutem e atuam em questões diretamente ligadas à biodiversidade. É primordial que esse ponto de vista seja mantido no Sistema Ambiental Paulista.
Diante do exposto, o desmembramento da CBRN do restante do sistema ambiental representa o descumprimento da Política Estadual do Meio Ambiente.
Somos dezenas de funcionários comprometidos com a agenda da biodiversidade e recursos naturais e acreditamos na importância das agendas positivas para ultrapassarmos o falso entendimento de que o meio ambiente é empecilho ao desenvolvimento econômico.
Acreditamos que a produção rural e a conservação ambiental são interdependentes, e o desenvolvimento sustentável na zona rural será resultado do trabalho conjunto entre a SIMA e a SAA, cada uma com suas atribuições, vocação e missão.
Sabemos que alterações nas estruturas do governo são necessárias e justificáveis para atender as mudanças da sociedade, porém elas devem primar pelo interesse público, numa construção minimamente técnica e participativa. Adotar esta estratégia interativa e construtiva é de suma relevância para não impactar o bom funcionamento das instituições públicas e não afetar negativamente as parcerias com outras instituições públicas, terceiro setor, setor privado e área acadêmica e, principalmente, os cidadãos que dependem dos serviços prestados pela CBRN.
Por estes motivos, manifestamos em favor de que as agendas ligadas à biodiversidade e desenvolvimento sustentável, seu corpo técnico e suas dotações orçamentárias devem ser mantidas integralmente na SIMA e de forma autônoma à agenda de comando e controle.
AEAESP – Associação de Especialistas Ambientais do Estado de São Paulo
EPAESP – Executivos Públicos Associados do Estado de São Paulo
AEEASMA – Associação dos Engenheiros e Engenheiros Agrônomos da SMA
Apoiam essa carta:
ABA – Associação Brasileira de Agroecologia
ABD – Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica
AEPPSP – Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo
AGESP – Associação dos Gestores Públicos do Estado de São Paulo
APA – Articulação Paulista de Agroecologia
APAER – Associação Paulista de Extensão Rural
APqC – Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo
APAR-SP – Associação dos Profissionais das Agências Reguladoras do Estado de São Paulo
ICB – Instituto Costa Brasilis – Desenvolvimento Socioambiental
Associação Slow Food do Brasil
Instituto Giramundo Mutuando
Instituto Terra Viva de Agroecologia
Núcleo de Agroecologia Apetê-Caapuã
(#Envolverde)