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Comunicadores indígenas fazem a diferença no noroeste do Brasil

Por Márcio Santilli*, Mídia Ninja – 

Com 109.195 km2, São Gabriel da Cachoeira é o terceiro município brasileiro em extensão, maior que Pernambuco ou Santa Catarina. Fica a mil km a noroeste de Manaus, na região conhecida como “Cabeça do Cachorro” por causa do desenho no mapa que faz a linha de fronteira do Brasil com a Colômbia e a Venezuela. É acessível por via fluvial ou aérea.

São Gabriel tem 46 mil habitantes, um terço dos quais na sede do município e os outros em mais de 600 comunidades e distritos situados às margens do Rio Negro e de seus formadores. Mais de 90% da população, inclusive urbana, é indígena e pertence a 23 etnias. São faladas 23 línguas indígenas, sendo que, além do Português, o Tucano, o Baniwa e o Nheengatu são línguas oficiais, segundo lei municipal.

Foi nessa região remota do Brasil, com as dificuldades inerentes às grandes distâncias, à falta de infraestrutura e às diferenças culturais que, em 2017, nasceu a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas. Hoje, ela reúne 26 comunicadores de 10 etnias, num coletivo que edita boletins de áudio regulares, distribuídos por WhatsApp e lidos pelo sistema de radiofonia da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), alcançando também as comunidades dos municípios vizinhos de Santa Isabel e Barcelos. “Wayuri”, em Nheengatu, significa “trabalho em conjunto”.

Cláudia Wanano é uma das animadoras da rede e explica que sua criação objetivou fortalecer a estrutura de comunicação da FOIRN, que já mantinha um sistema de radiofonia para conectar comunidades e associações indígenas. A rede já publicou 86 boletins de áudio pelo Whatsapp e o compartilhamento de arquivos via bluetooth, principalmente com o uso do app ShareIT. O boletim também é transmitido em rádios comunitárias, que começam a florescer na região estimuladas pelo próprio movimento Wayuri. A rede também produz outros informativos nessas línguas, dirigidos a etnias específicas, e realiza oficinas de treinamento e outros eventos, agora suspensos devido à pandemia.

A Wayuri desempenha um papel fundamental no enfrentamento da crise sanitária, que está afetando brutalmente a região a partir de Manaus. Transmite os boletins diários do Comitê de Crise, que reúne as principais instituições públicas e privadas de São Gabriel da Cachoeira, e esclarece as comunidades contra informações falsas sobre vacinas que têm sido divulgadas em algumas aldeias por fundamentalistas. Cláudia conta que, nesta semana, os comunicadores vão começar, de novo, a circular chamadas em português e nas línguas indígenas em carro de som pela cidade, junto com o Departamento de Mulheres Indígenas da FOIRN. O trabalho vai durar, pelo menos, três meses.

No ano passado, a Rede Wayuri foi eleita pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) como um dos 30 “Heróis da Informação” mundiais. A honraria foi concedida a pessoas e instituições de comunicação que lutaram pela liberdade de imprensa e contribuíram para salvar vidas em meio à pandemia.

Nas eleições municipais, também no ano passado, a rede realizou a primeira discussão, na forma de uma “roda de conversa”, com os candidatos a prefeito da história de São Gabriel. O debate tratou dos problemas da cidade e das expectativas da população, alcançando grande audiência. Durante a campanha, os comunicadores indígenas também produziram alguns boletins especiais “Eleições 2020”. “Falamos mais sobre o voto consciente, sobre o papel de um prefeito e dos vereadores para que os nossos parentes não fossem enganados ou enrolados por eles”, explica Cláudia. O prefeito Clóvis Corubão é indígena e foi reeleito com mais da metade dos votos válidos. A maioria dos vereadores também é indígena.

Olhando para o futuro

Olhando para o futuro, Cláudia vê uma comunicação mais fortalecida e mais madura. “Desde o início da formação da Rede Wayuri, aprendemos várias coisas sobre os meios de comunicação e sabemos da importância que têm para os nossos povos. É através dela que os alertamos sobre ameaças que podem atingi-los e, para que não aconteçam, precisamos alertar, orientar e nos comunicar com eles. Precisamos cuidar do que é nosso! Não estamos fazendo mal a ninguém, apenas queremos viver em paz, protegendo a floresta e mantendo a nossa cultura sempre viva, para que possamos transmiti-la de geração para geração.”

A Rede Wayuri é um belo exemplo de como a sociedade – no caso, o movimento indígena – pode se organizar para superar dificuldades e fazer chegar informações de interesse público aos confins do país, fazendo diferença para melhorar a qualidade de vida das pessoas e no exercício da sua cidadania. Ela faz um movimento inspirador e consistente, de baixo para cima, no rumo do Brasil que queremos. É uma fonte de esperança, que peita a mentira e a ignorância.

Márcio Santilli* – é filósofo, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA). Autor do livro Subvertendo a gramática e outras crônicas socioambientais. Deputado federal pelo PMDB (1983-1987) e presidente da Funai de 1995 a 1996.

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