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Defesa da Amazônia e da ciência rende prêmio a brasileiros

Por Nádia Pontes, Deutsche Welle – 

Prestigiada Associação Americana para o Avanço da Ciência homenageia o climatologista Carlos Nobre e o ex-diretor do Inpe Ricardo Galvão, exonerado por Bolsonaro.

Dois brasileiros estão entre os escolhidos neste ano pela prestigiada Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês) como cientistas de destaque mundial.

Ricardo Galvão, físico e ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), é o vencedor da edição 2021 do Prêmio Liberdade e Responsabilidade Científica. Já Carlos Nobre, climatologista associado ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), foi reconhecido com o Prêmio Diplomacia Científica.

“O professor Galvão defendeu a ciência sólida diante da hostilidade”, afirmou Jessica Wyndham, da AAAS, durante o anúncio dos ganhadores nesta segunda-feira (08/02). Os prêmios serão entregues numa cerimônia virtual marcada para esta quarta-feira, durante a 187º reunião anual da entidade.

Em agosto de 2019, Galvão foi exonerado do Inpe após defender o trabalho de monitoramento do desmatamento da Amazônia feito pelo instituto há mais de 30 anos. Semanas antes, o presidente Jair Bolsonaro havia dito que os dados de alerta – que apontavam para um aumento significativo da devastação – eram mentirosos e que Galvão estaria “a serviço de alguma ONG”.

“Quando tomei a decisão de enfrentar o presidente Bolsonaro com determinação, ficou claro que eu tomei a medida certa. Foi custosa para mim, mas a repercussão que houve demonstra que foi muito importante”, afirmou Galvão à DW Brasil. “Ter reagido naquele momento também levantou a questão da Amazônia.”

“Coração biológico do planeta”

Carlos Nobre é o primeiro brasileiro a ser nomeado como ganhador na categoria Diplomacia Científica, criada em 2013. Segundo a AAAS, o reconhecimento é feito ao pesquisador por seu “trabalho abrangente para compreender e proteger a biodiversidade e os povos indígenas da Amazônia”.

“Estamos vendo o risco de a Amazônia desaparecer aumentar dia a dia. Temos que mudar o modelo de desenvolvimento da região, zerar o desmatamento, restaurar uma grande área de floresta”, comentou Nobre em entrevista à DW Brasil.

Em 2020, a floresta perdeu cerca de 25 mil km² de área em todos os países amazônicos. Só no Brasil, cerca de 11 mil km² desapareceram. O aumento relação ao ano anterior, que já havia registrado uma alta do desmatamento, foi de 9,5%.

Carlos Nobre: “Precisamos salvar a Amazônia urgentemente. Ela não é um lugar para virar pastagem.”

O corte ilegal da mata na região disparou sob Bolsonaro. Multas por crimes ambientais foram praticamente suspensas, o Fundo Amazônia foi paralisado, funcionários de carreira do Ibama e do ICMBio perderam postos de comando, leis foram flexibilizadas, houve aumento de invasão de terras públicas.

“A mensagem é clara: precisamos salvar a Amazônia urgentemente. Ela não é um lugar para virar pastagem”, diz Nobre, referindo-se ao avanço da agropecuária sobre a floresta.

A política ambiental desastrosa do atual governo tem gerado fortes críticas no cenário internacional. A esse time se juntou o recém-eleito presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, que traça um pacote de investimentos para apoiar a preservação da maior floresta tropical do mundo.

“É muito positivo estarmos vendo esse movimento mundial. Essa urgência [de proteger a floresta] tem sido apontada pela ciência não é de hoje. Agora ela não está só confinada no meio cientifico, é um assunto de interesse global”, argumenta Nobre. “A Amazônia é o coração biológico do planeta.”

Em maio, uma rede internacional de cientistas liderada por Nobre deve publicar o primeiro relatório que compila todo o conhecimento científico já produzido sobre a Floresta Amazônica e caminhos para evitar o seu desaparecimento. A iniciativa é da Sustainable Development Solutions Network (SPA), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU).

Resistência ao negacionismo

Ao comentar a nomeação pela AAAS, fundada em 1848, Galvão se diz surpreso. “Eu não esperava que iria receber esse prêmio de uma instituição centenária, com um prestígio enorme, responsável pela revista Science. Quando recebi o telefonema até achei que fosse brincadeira”, comenta.

Ricardo Galvão: “Nossas políticas públicas precisam ser baseadas em ciência sólida. Não podemos mais viver de achismos e negacionismo.”

Por outro lado, ele considera que o prêmio representa a luta dele contra o negacionismo científico, presente em diversos setores do governo Bolsonaro, como o Conselho da Amazônia. “A ausência de cientistas no conselho, liderado por um militar, o vice-presidente Hamilton Mourão, parece não ser apenas negacionismo, mas medo da ciência, um desdém”, opina.

A política negacionista está também em evidência no enfrentamento à pandemia provocada pelo novo coronavírus, afirma Galvão. “Tivesse o governo adotado uma política mais inteligente, certamente teríamos um número bem menor mortes”, pontua, lembrando que o vírus já matou mais de 230 mil pessoas no país.

“É importante a sociedade perceber, não só em momentos de crise, que as nossas políticas públicas, nossas decisões, nossas estratégias precisam ser baseadas em ciência sólida. Não podemos mais viver de achismos e negacionismo. Isso afeta fortemente a população. Ciência é o caminho para o progresso de um país”, conclui Galvão.

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