Rótulos não ganham discussão, nem ajudam na argumentação. Se eu rotular alguém, terei de admitir também ser rotulado.
As pessoas são muito mais complexas para se deixarem limitar em rótulos ou caixinhas: ‘Direita’, ‘Esquerda’, ‘Coxinha’, ‘Mortadela’, ateu, crente, fanático, flamenguista, vascaíno, totalitário, ‘esquerdopata’, machista, feminista, homofóbico.
Rótulos são para os fracos que tentam fugir do debate por que não tem argumentos.
É exatamente do encontro com quem me desafia, me confronta, me contradiz – claro, respeitosa e elegantemente – que tenho a chance de exercitar melhor minha capacidade de argumentação, onde meus valores e conhecimentos terão de ser testados, e posso sair do debate melhor do que entrei, posso aprender, posso mudar, posso ajudar o outro a aprender e a mudar também se ele quiser.
Quem pensa diferente de mim não é meu inimigo. Apenas é uma pessoa que pensa diferente de mim. Não é mais importante que eu por isso, nem eu mais importante que ela.
Não sou obrigado a ganhar todas as discussões, não tenho pretensões de ser dono da verdade ou da razão, pois várias vezes já estive errado. Muito menos me sinto na obrigação de convencer ninguém, especialmente se já estiver convencido ou se recebe benefícios e vantagens em não se deixar convencer.
Numa democracia existem mecanismos para arbitrar as diferenças. Somos livres para pensar o que quisermos, mesmo que contrarie as próprias leis, mas nossas ações são limitadas pelas leis. Ou sofreremos as consequências.
Sim, certas diferenças são duras de suportar e nos testam aos limites. Entretanto, não mudam o fato de que o pensamento é livre, enquanto a expressão desse pensamento, e principalmente as ações que podem resultar dele, precisa se subordinar as leis. Pedófilos, torturadores, machistas, racistas, são o que são, livres, mas responsáveis legalmente por suas palavras e ações.
A democracia, apesar de todos as suas fragilidades, é um regime de fortes, da força da lei sobre a vontade de grupos ou indivíduos. Diferente de ditaduras – a esquerda ou a direita -, em que a verdade é uma só e a liberdade do contraditório pode ser confundida com subversão ao ditador de plantão.
Na democracia, temos o direito igual de sermos diferentes sem sermos discriminados por isso.
Não existe meia liberdade. Se quero ser livre e exercer meus direitos de pensar e ser diferente, preciso aceitar e aprender a conviver com a diferença do outro, goste ou não.
Não posso exigir que alguém goste de mim, de minhas idéias, mas posso e exijo respeito.
O mundo seria um lugar muito chato se todos pensassem igual.
A natureza ensina, onde existe biodiversidade existe vida.
Como no jogo de futebol, as palavras e as ideias são como a bola, que passamos para outro. As vezes resulta em gol, as vezes precisa começar tudo de novo do início. Se todos jogassem no gol, não teria jogo.
Precisamos de uma educação desde o início, em que nossas crianças sejam estimuladas a lidar com os diferentes e a debater sobre as diferenças.
Ninguém nasce sabendo ser democrático. Democracia precisa ser aprendida desde a família, na escola e na sociedade inteira. A vida toda. O tempo da censura não tem lugar nas democracias. Também não existe espaço nas democracias para o “cala a boca, você sabe com quem está falando? Quem manda aqui sou eu!”, muito menos para ‘zoacao’ ou ‘trote’ como ritual para ser admitido pelo grupo.
*Vilmar S.D. Berna é escritor e jornalista. Fundou a REBIA – Rede Brasileira de Informação Ambiental. É editor desde janeiro de 1996 da Revista do Meio Ambiente e do Portal do Meio Ambiente. Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio global 500 da ONU para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas.