Estava uma manhã normal. De sol e passeio no parque com Lassie, a minha pastora-loba. Normal, se a danada da Lassie não resolvesse empacar bem no meio da rua e fazer o número 2. Normal, se não aparecesse um caminhão de lixo atrasadinho me pedindo passagem, e tivesse que ficar empacado assistindo a cena escatológica que seguia.
Sem coragem pra encarar o motorista, fiz cara de paisagem. Conferi as nuvens da direita… da esquerda… Será que vai chover, hein? Chiii, o tempo vai fechar. Também, que culpa tenho eu, se a Lassie resolveu dar uma de estrela da rua? Que culpa tenho eu, se a danada foi carimbar no Asfalto da Fama sua “obra-prima”?
Ainda tentei salvar a cena dando uma guinada de esquerda com a guia. Mas a Lassie nem tchum. A peluda estava decidida que aquele era o quadrante mais cheiroso do mundo para a função, e pronto. Pegou o embalo da deixa cênica – metida que é –, e deixou correr sooooltooo o improviso do totô pelo chão. Parecia cena de cinema. Com título tipo “Bonequinha de Lixo”. Ou, “O DesLuxo da Fama”, sem direito a óculos e pregador. Afinal, estava num dia de celebridade.
Bem, parecia que o tempo e o mundo todo resolveu empacar na minha frente. Por acaso, eu tenho cara de farol de trânsito?! Claro que não. Mas senti dois olhos, dentro do caminhão, colados em mim, ansiosos por abrir alas. Tomei fôlego e coragem. Fiz minha carinha 33, tipo gatinho do Shreck, sabe? Enfim, tirei os olhos da generosa obra-prima da Lassie e encarei o motorista. Lancei um sorriso pra lá de amarelo, encolhendo os ombros. O cara rebateu acenando para que eu acalmasse – para minha surpresa e sorte. Ufa!
Mas, como desgraça pouca é bobagem (num dia que a Lei de Murph resolve espetar), o pior ainda estava por acontecer. No sentido contrário, um Gol branco encostou. A audiência aumentava, afinal. E, como pra subir os níveis de adrenalina, tocava um som, nas alturas, e que veio bem a calhar. Aquela do Tom, “Luz dos Olhos Teus”, lembra?
Pintou o maior clima. Era um tal de Olho no Olho rodopiando a cena, que ficou uma loucura. Gol, eu. Eu, Gol. Lixeiro, Lassie. Lassie, Gol. Lixeiro, Eu. E o tempo também girava em torno de nós, e parecia interminável, enquanto a atriz principal estreava sua obra… nem aí com nada. Para piorar ainda mais, lembrei que não tinha trazido a sacolinha para recolher a sujeita.
A cena seria cômica, se não fosse trágica. Lembrar mais dessa, me fez ver uma maquiagem cênica, sei lá de onde, tingindo meu rosto todo de vermelho fogo. E, lá se foi pelo ralo meu dia normal e azul, tipo propaganda de margarina.
Quando, finalmente, a Lassie se aliviou fomos para a calçada. Eu, com aquela cara de tampa de latão de lixo. A danada da Lassie, nem aí com essas coisas de etiqueta. Exibia até um sorrisinho maroto-satisfeito que só as divas realizadas sabem fazer. Os outros lixeiros, sacolejavam atrás, que nem gorilas curiosos, e emparelharam em nós quando o caminhão andou.
– Aê, dona, sabia que, na Europa, teria que pagar uma multa por isso? – falou o magrelo, correndo a vista em mim. “Ó só que cara inteligente”, pensei eu. E como desgraça pouca é bobagem, o amigo dele completou, com uma voz melífula:
– É mesmooo, moçaaaa, que feeeeio!
Esse já tinha visto na coleta, não dava pra esquecer. Um negão bonitão, que gostava de vestir uma legue preta, saia de baiana curtinha com dourado nas pontas. Umbiguinho à mostra e peruca lisa até os ombros. E que ninguém se enganasse com o jeito dengoso do rapaz.
Catava uns dez sacões de lixo no muque. Ouvi dizer que ninguém punha graça com ele, se não quisesse ter a cara arrebentada. Entrei no clima, e botei a cara do gatinho do Shrek de novo, caprichando no sorriso mais fofo do mundo, e praticamente sussurrei:
– Vocês estão certos rapazes. Não vou esquecer mais.
O magrelo sorriu, seguido pelos outros três. Eu os cumprimentei com a cabeça, tentando passar o meu maior respeito pela classe. Será que dava pra ficar bem na ficha de novo?
Quando se foram, caí na gargalhada. Que filme surreal! Depois, caí na real. Que mancada isso acontecer. Logo comigo, que vivo com a bolsa cheia de lixo pra não jogar na rua! Logo comigo, que empunhei tanta bandeira ambiental e o escambau!!! Mas, pensa bem, o que adianta ser verde, se escorrega na casca de banana desse jeito? Que adianta ser ECOrreto pra morrer na praia?
Mereci mesmo tomar aquele pito dos lixeiros na rua. Andava muito folgada. Quando morava no Alto da Lapa, onde as pessoas caem em cima com qualquer papelzinho no chão, isso não acontecia. Tinha várias técnicas para recolher o totô do Totó na rua.
Agora, nos limites da Grande São Paulo, havia relaxado mesmo. É engraçado como a gente acompanha a cultura do lugar. E como há diferenças de cultura entre os bairros, cidades, países. Como será que você trata a limpeza da sua rua? Já pensou nisso?
Você não precisa deixar pra pagar mico como eu para mudar ou ficar na linha. Lembre de coletar o totô do seu peludo também. Ninguém gosta de sair com o pé atolado. Hoje pode ser o seu vizinho, amanhã pode ser você. PONHA A SUJEIRA NO LIXO! A rua é minha, é sua, é nossa casa também. Afinal, ser verde é construir uma rua que começa no coração e termina no mundo.
* Mônica Martins é articulista das editorias de tecnologia e meio ambiente do IOB-Negócios. Escreveu matérias de capa sobre qualidade e meio ambiente para publicações como a Banas Qualidade e Qualimetria (revista da FAAP). Foi assessora de imprensa no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) por 17 anos, tendo elaborado a sua política de comunicação e sistema integrado de atendimento a clientes. Integrou o Núcleo Executivo de Qualidade e de Treinamento na Fundação Vanzolini, da Escola Politécnica da USP. Fundou a Alfa Centauro Comunicações, agência responsável pela comunicação corporativa digital da Lucent Tecnologies/Avaya Communication, subsidiárias do Bell Labs. Entre outras atividades, elaborou conteúdo para sites de clientes da Tradecom Comunicação, Uniconsult e Assembléia Legislativa de São Paulo.