por Neuza Árbocz, especial para a Envolverde –
Indignação enraíza descrença e ódio na nação
Um país rico em terras, clima e recursos naturais como o Brasil deveria ser um paraíso, dado o grau de saberes e habilidades já alcançados pela civilização humana.Há tecnologia para tudo: para gerar comida de forma ecológica e sustentável, para dispor de energia limpa e renovável, para dar o destino correto aos resíduos sólidos, reflorestar e manter as águas e os ares frescos e agradáveis.
Aqui nessas terras, há condições para liderar a transformação dos velhos meios produtivos para cadeias circulares de desenvolvimento sustentável.
Contudo, mesmo com a alta jornada de trabalho diária da maioria da população – que ultrapassa as 44 horas semanais em muitos casos – ainda existem mazelas incompreensíveis em nosso território. Pessoas sem renda para uma vida digna; cidades mal cuidadas; escolas e hospitais sucateados e poluição que degrada os cursos d’água, o ar e os solos, tanto em áreas urbanas como rurais… a lista é longa.
A natureza é generosa, o clima é bom em toda extensão do Brasil, os saberes são avançados, a jornada de trabalho é longa e, ainda, os impostos recolhidos (supostamente) em prol do bem coletivo são uns dos mais altos do mundo.
Por que existem ainda tantos problemas, então?
A resposta tem sido escancarada a cada novo escândalo de corrupção revelado por inúmeras investigações policiais e por notícias como a do deputado João Rodrigues (PSD-SC) condenado por fraude em licitação, mas que usou o foro privilegiado para reassumir seu cargo e receber de volta seu salário, com todas as regalias que o acompanham.
A ganância e a fraqueza frente a cargos de alta responsabilidade e de grande repercussão sobre as atividades no país parecem não ter limites.
Cada representante na Câmara Federal custa mais de r$ 2 milhões ao ano aos contribuintes – e mais reembolso total de qualquer gasto médico dele e de toda sua família. Enquanto que um trabalhador com salário mínimo recebe r$ 954,00 ao mês e só consegue se socorrer em um SUS cheio de falhas graves.
Mesmo assim, a alta remuneração não basta para a classe ‘política’ (que tem se revelado mais politiqueira). A história recente expôs esquemas partidários de bilhões de reais em contratações superfaturadas e em propinas para votações e em prol de corporações “amigas da cúpula”. Esse dinheiro todo, tirado do bem comum, não foi aplicado em nada produtivo para a população brasileira. Ao contrário, as maiores somas foram desviadas para paraísos fiscais internacionais.
Dilapidação clássica
No passado, as riquezas brasileiras eram pilhadas e desperdiçadas pelos invasores europeus, sem vínculo algum com esta terra. Estrangeiros que matavam e dominavam sem dó os povos originários.
Infelizmente, esta prática voraz foi herdada e continuada por parcela significativa de dirigentes atuais.
Ser filho ou filha do Brasil não extirpou o costume de pegar para si o que é de todos; de dar-se o direito a regalias e mordomias, a custas da opressão e exploração da maioria. De enriquecer ao entregar bens gerados graças ao nosso clima, nossa disponibilidade de água e de solos ao exterior, sem exigir seu devido valor – para importar, em seguida, esses mesmos produtos industrializados e refinados, a preços bem maiores. O complexo de nobreza – de má nobreza, que se faz servir a ponto de exaurir seu povo – não abandonou os que dizem representar os anseios da população.
Nossa democracia é jovem. Passou por desafios fortes, mas aqueles que lutaram pelo direito de votar não poderiam prever que uma máquina de eleição se formaria, tão eficiente, para perpetuar no governo pessoas sem espírito cívico e que labutam em causa própria.
De todos que ocuparam cargos públicos, é raro o exemplo como de Marina Silva, senadora por 16 anos e atual pré-candidata à presidência. Esta abriu mão da aposentadoria especial e voltou a viver de seu trabalho de professora após deixar o cargo de ministra do meio ambiente ao romper com o PT em 2009, justamente por ver seus integrantes perderem o rumo no poder. Foi tão odiada pelo grupo repudiado, que se tornou foco de intensas e meticulosas campanhas de difamação.
Uma faceta inesperada de mesquinhez dos que ocuparam os postos de comando da nação sob a bandeira da inclusão e da igualdade: usar de mentiras sórdidas contra seus oponentes. Uma fonte segura de agência de publicidade conta que, durante a campanha de Dilma para a presidência, foi-lhe oferecido um pagamento de R$ 2 mil por perfil falso que abrisse no Facebook para difamar Marina. O dinheiro saía do governo federal sob contratos de serviços de comunicação e assessoria de imprensa.
A grande esperança de um Brasil mais justo e com melhor distribuição de riquezas e renda ruía sob os agrados de grandes empreiteiras e a chance de dilapidar uma das maiores corporações nacionais: a Petrobras. Uma esquerda cega, ao imaginar que se vingava do empresariado ganancioso ao extorqui-lhe gordas comissões, na realidade, aprofundava a miséria brasileira e injetava descrença e fúria no coração do povo.
Provou de seu próprio veneno ao ter seus atos delatados via acordos de executivos corruptos acuados com o judiciário brasileiro. Judiciário este que acrescenta indignação e revolta ao condenar uns e liberar outros quando as ações chegam nas instâncias superiores.
Cleptocracia
A população se divide entre o repúdio exaltado dos que ocuparam o poder e sua defesa cega, na esperança de manter o caminho de desenvolvimento avistado brevemente no horizonte. A polarização joga para campos opostos amigos, familiares e sentimos como se estivéssemos em uma grande panela de pressão, com fogo hora mais alto, hora mais baixo. Talvez quem melhor retratou os motivos por tamanho desvio da rota política brasileira seja o ex-governador carioca, Sérgio Cabral, condenado a 100 anos de pena por corrupção: “Eu não soube me conter diante de tanto poder e de tanta força política”, declarou em depoimento a 7a Vara criminal do Rio de Janeiro.
As denúncias e escândalos se avolumam, a ponto do jurista Modesto Carvalhosa definir que estamos, na realidade, em uma cleptocracia. O estudioso defende em livro recente as soluções para este quadro, entre elas, a eliminação de gastos com privilégios e mordomias de todo o gênero e espécie no setor público, mediante cortes no Executivo e orçamentários nos demais poderes.
Leandro Daiello Coimbra que chefiou a Polícia Federal por quase sete anos e comandou as mais importantes operações de combate à corrupção até o ano passado, avisou: “o que havia de papel e dados digitais na polícia quando eu saí era suficiente para mais quatro ou cinco anos de operações”.
Seu relato precisa ser repercutido para aliviar a tensão no Brasil: “…Ficar prendendo gente não é solução para tudo. Mas que o Brasil mudou, mudou. Na época em que entrei na PF ver um doleiro preso era inimaginável”, disse o ex-comandante ao Jornal do Brasil.
Que isto sirva para conter a fúria do jovem pedreiro que sem cautela, em suas roupas marcadas por tintas, declara em alto e bom tom dentro do ônibus a caminho da obra: “se eu pudesse, enforcaria todos estes políticos pelas suas gravatas”, ou do taxista que ao conduzir 3 passageiros dispostos a compartilhar a corrida durante a recente greve de caminhoneiros esbravejava “tomara que os militares entrem logo e tirem todos os políticos de Brasília; quero ver se conseguiriam viver de trabalho honesto”.
O brado por uma intervenção militar, aliás, ecoou por todas as barreiras nas estradas e vazou para a população, mesmo se a grande mídia o tenha boicotado. Mas os tempos de se acreditar em soluções simplistas, pela força bruta, passou. As forças armadas sabem que seu papel não é fazer leis, ou definir políticas econômicas, ou fechar acordos internacionais em nome do Brasil. Não há apenas um único grande inimigo a ser abatido. Há a necessidade de reformas estruturais, com ampla participação popular.
Apesar de toda revolta que a má atuação dos representantes eleitos causa, Carmem Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) em palestra em 21 de junho alertou para o risco de demonizar o sistema político existente. A magistrada lembrou, que é toda a população que precisa atuar com ética, em seu cotidiano, pois há quem fure fila mas peça punição do secretário que ‘fura a fila’ de licitação. Abundam exemplos para confirmar sua visão, como o do professor estadual do Paraná que tirou licença por motivos de saúde e foi fotografado e filmado vibrante e entusiasmado na arquibancada da torcida brasileira na atual Copa do Mundo de futebol, na Rússia.
Antídoto
A democracia, com cada um de seus poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, foi pensada para manter uma harmonia de forças. O voto é a chave para que eles estejam equilibrados. A escolha consciente pode nos dar melhores representantes, capazes de abrir caminho tanto para as reformas necessárias quanto para uma democracia mais direta, onde a tecnologia facilite, cada vez mais, as consultas e a transparência nos gastos públicos.
Danielle Mitterrand, primeira dama francesa de 1981 a 1995, costumava defender que sempre surgem antídotos aos piores males da humanidade. Dizia isto ao citar a resistência em seu país, ao domínio nazista na segunda guerra mundial. Hoje, aqui no Brasil, movimentos pela Democracia e pela renovação total da Política podem ser esta reação de cura para os venenos do extremismo e da descrença que se alastraram, frutos de uma profunda indignação e esmagador cansaço frente aos abusos egóicos de tantos maus dirigentes. Entre eles, o RenovaBR, o Agora!, a RAPS – Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, o Acredito, o Politize!, a Bancada Ativista e o Ocupe a Política. Todos dedicados a inspirar pessoas do bem a entrarem na arena da Política formal para transformá-la de dentro para fora.
Vamos olhar com atenção para essas propostas e fortalecê-las, pois nos trazem sopros de ar fresco capazes de nutrir mudanças menos traumáticas. Ou só nos restará a rota discretamente sugerida em maio passado por um renomado economista: o de uma ampla e resoluta rebelião tributária. Sem impostos, não há governo que resista. Fica a dica. (#Envolverde)