Por Carlos Juliano Barros*, Carta Capital –
O mercado de trabalho atravessa um momento particularmente delicado. Num contexto de grave crise econômica, em que o desemprego atinge 13,5 milhões de brasileiros e a informalidade absorve cerca de 40% das pessoas ocupadas no país, a precarização avança sobre os mais diversos setores.
A indústria da moda também não está imune a essa preocupante tendência. Mas não é de hoje que oficinas de costura improvisadas, onde homens e mulheres – não raro, migrantes de nações sul-americanas – são submetidos a condições desumanas e jornadas exaustivas, viram manchetes e fonte de preocupação para poder público e sociedade civil.
Ao longo da última década, 43 grifes já estiveram envolvidas em casos de trabalho análogo ao de escravo flagrados por fiscais do governo federal. Os dados estão compilados no Moda Livre, site e aplicativo da Repórter Brasil que avalia como as principais marcas de roupa monitoram seus fornecedores.
Nesse período, quase três centenas de pessoas foram resgatadas de ambientes insalubres e perigosos, só na cidade de São Paulo. Frequentemente, elas estavam sujeitas a ameaças e dívidas fraudulentas fabricadas por agenciadores de mão de obra. Alguns desses costureiros tão habilidosos quanto explorados já produziram peças de roupas expostas em vitrines de grifes renomadas dentro e fora do Brasil.
Mas o fato é que esses números subestimam a realidade. Em outras palavras, as ações dos órgãos competentes não conseguem dar conta do problema. Para agravar o quadro, nos últimos anos vem ocorrendo um afrouxamento das leis de proteção ao trabalho, acompanhado do desmantelamento das estruturas de Estado responsáveis por fiscalizar e penalizar maus empregadores.
Tudo isso eleva o risco de que daqui para frente casos de precarização e de escravidão contemporânea não só se avolumem, mas também passem impunes. Por essa razão, o papel da iniciativa privada é fundamental para a depuração das cadeias de fornecimento da indústria da moda.
Num passado não tão distante, era comum que representantes de marcas envolvidas em episódios de trabalho escravo terceirizassem toda a culpa para seus fornecedores, assim como haviam terceirizado a própria fabricação de suas roupas.
Certamente, esse tipo de discurso que busca eximir empresas da responsabilidade de acompanhar de perto toda a sua cadeia produtiva ainda é bastante recorrente. Nem de longe pode ser considerado página virada.
Por outro lado, é inegável que os esforços de auditores fiscais e procuradores do Trabalho, bem como a articulação de organizações da sociedade civil, como Repórter Brasil e Fashion Revolution, vêm colocando pressão sobre a indústria da moda e alertando para a importância do monitoramento criterioso das condições de trabalho das empresas fornecedoras – assim como se supervisiona a qualidade e o design das roupas.
Um sinal positivo nesse sentido é o surgimento de programas de certificação, com destaque para o da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex). Entretanto, ainda que seja uma medida de indiscutível relevância, a certificação de fornecedores não pode ser considerada um carimbo automático e eterno de sustentabilidade socioambiental e trabalhista.
É o que provam, por exemplo, diversas investigações realizadas pela Repórter Brasil sobre empresários de setores produtivos variados – como carne, café e madeira – envolvidos em graves violações, apesar de contarem com selos de certificadoras.
Por esse motivo, é preciso evoluir também na direção de marcos regulatórios modernos e abrangentes, ancorados no conceito de “devida diligência”. Grosso modo, a proposta é fazer com que as empresas atuem proativamente no monitoramento de suas cadeias de fornecimento, identificando riscos e mitigando impactos, sob pena de sanção em caso de descumprimento desse preceito básico. Legislações dessa natureza vêm sendo discutidas em várias partes do mundo e o Brasil não pode ficar para trás nesse debate.
Em tempos de crise, defender a agenda do trabalho decente torna-se uma tarefa tão desafiadora quanto urgente. E é por isso que iniciativas corajosas como o Índice de Transparência da Moda adquirem ainda mais valor.
*Carlos Juliano Barros é jornalista e mestre em Geografia Humana pela USP. Um dos fundadores da Repórter Brasil, é também um dos coordenadores do webapp Moda Livre
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