Não se trata de um frisson na banheira ou de uma sorrateira enchente que te pega de surpresa numa rua qualquer. Em tempos anunciados de escassez da água, você não comprará nem um cafezinho, roupa ou carro, sem verificar antes os valores da pegada hídrica embutidos neles.
Esse indicador de sustentabilidade influenciará, como nunca, o modo de fazer negócios, como os países vão produzir e a forma do nosso próprio consumo. A água se tornará, literalmente, uma espécie de joia transparente.
O cenário é preocupante. A população mundial avança a casa dos 7 bilhões sedenta pelo consumo. Por outro lado, as cidades crescem desordenadas e o aumento da poluição é uma triste realidade.
Apenas 2% de toda a água do planeta é disponível para consumo. O restante é água salgada ou está inacessível para uso. 70% da água potável utilizada vai para a agricultura.
Pensando nisso, o conceito de Pegada Hídrica foi criado pelo professor holandês Arjen Y. Hoekstra como uma espécie de Raio-X hídrico. Trata-se de um indicador da quantidade usada de água doce em todo o processo produtivo de bens ou serviços, desde a matéria-prima até chegar às mãos do consumidor final. No caso do feijão, por exemplo, leva em conta a água da irrigação, do fertilizante, do descarte, transporte e até da evaporação.
Para esclarecer as fontes de uso, a água foi classificada por diferentes cores. Verde, quando a água da chuva evapora ou é incorporada em um produto durante a sua produção. Azul, que calcula as águas superficiais ou subterrâneas que evaporam ou são incorporadas em produtos. Cinza, quando mede o volume de água necessário para diluir a poluição gerada durante o processo produtivo.
Os cálculos são assustadores. Segundo a organização internacional Waterfootprint, somente para a produção de um único litro de leite são utilizados cerca de mil litros de água. Uma xícara de cafezinho? 140 litros. Vestir uma calça jeans? Gasta 10 mil litros de água. Um quilo de arroz? 2.500 litros de água. Para produzir carne, o número é ainda maior: um quilinho absorve 15.400 litros de água.
A metodologia é capaz de monitorar o impacto humano sobre o meio ambiente. É possível, por exemplo, calcular a água, implícita e explícita, contida num único produto, num processo, setor, individuo, cidades, até mesmo nações e todo o planeta.
Em busca de processos mais econômicos e corretos, sem desperdícios e poluição, cientistas, empresas e governos já discutem a norma ambiental ISO14046 prevista para 2013/2014, que certifica os procedimentos da Pegada Hídrica nos processos de produção.
O governo brasileiro terá um importante papel na elaboração das leis para melhor gestão dos recursos hídricos. Aliás, o Brasil tem muito a fazer. Está em 4° lugar entre os maiores consumidores de água do mundo, segundo estudo americano da Hoekstra publicado na revista National Academy of Sciences (PNAS).
A população também pode ajudar muito a combater a escassez do precioso líquido. Comprar produtos cujo ciclo produtivo envolva menor quantidade de água será a nova onda verde.
E você pode fazer mais. Estudos apontam que os hábitos alimentares absorvem grande parte da água consumida por um indivíduo. Assim, a escolha por uma dieta equilibrada com baixo teor de gordura, açúcar e carne vermelha contribui significativamente com a diminuição da Pegada Hídrica.
Outra prática que ajuda é o uso moderado da água durante atividades domésticas, tais como: limpeza da casa, lavagem de calçadas e automóveis, irrigação de plantas, higiene pessoal, preparo dos alimentos, entre outros.
Enfim, muita água ainda vai rolar debaixo da ponte se aplicarmos uma velha fórmula bem simples: se poupar, não vai faltar.
* Mônica Martins é jornalista e cronista.
** Publicado originalmente no jornal Página Zero.