Política Pública

O perigo de líderes populistas para os direitos humanos

Por Tharanga Yakupitiyage, da IPS – 

Nações Unidas, 16/1/2017 – Os dirigentes políticos populistas representam uma perigosa ameaça para os direitos humanos, e avivam e justificam a intolerância e o abuso em todo o mundo, segundo o informe anual da organização Human Rights Watch (HRW). Entre os muitos desafios que o mundo deve enfrentar, em seu informe O Populismo Ameaça os Direitos Humanos, de 2017, a organização, com sede em Nova York, destaca o surgimento de líderes populistas que empregam uma retórica que afeta o sistema de direitos humanos.

“O crescimento do populismo supõe uma grande ameaça para os direitos humanos”, destacou o diretor executivo da HRW, Kenneth Roth. Os governantes populistas, que dizem falar “pelas pessoas”, consideram que os direitos são “impedimentos” o que faz com que minorias se convertam em bodes expiatórios, e esta seja sua forma de atender o descontentamento público e de resolver problemas domésticos graves.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, e vários dirigentes políticos da Europa buscam chegar ao poder apelando ao racismo, à xenofobia, à misoginia e ao nativismo. Também sustentam que o público aceita violações de direitos humanos como uma suposta opção necessária para garantir emprego e evitar mudanças culturais ou atentados terroristas, afirmou Roth.

A campanha eleitoral de Trump mostrou essa intolerância, ao atender as frustrações econômicas dos norte-americanos e seu medo em relação ao terrorismo, ao propor políticas como deportação de milhões  de imigrantes ilegais, criação de um registro muçulmano e uso da tortura. Se tais medidas forem aprovadas, seu governo não apenas corre o risco de violar os direitos humanos, mas também de atentar contra todo o sistema que os protege, alerta a HRW.

Alguns governantes europeus mostram um populismo similar ao ganhar apoio popular culpando a imigração pelos problemas econômicos, aponta a organização. O Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, da Organização das Nações Unidas (ONU), observou que a campanha da Grã-Bretanha para sair da União Europeia, o chamado Brexit, empregou “uma retórica divisionista, anti-imigrantes e xenófoba”, e pediu às autoridades que condenassem esse tipo de discurso.

Na Grã-Bretanha houve algumas melhoras na recolocação de solicitantes de asilo, mas a primeira-ministra, Theresa May, mantém uma retórica contra os direitos humanos. Inclusive, denunciou que “advogados de direitos humanos ativistas de esquerda” processaram as forças armadas britânicas por violações no Iraque e Afeganistão, e declarou seu desejo de exonerar os efetivos militares que atentam contra eles no estrangeiro.

A HRW também criticou o fato de os líderes europeus rechaçarem os direitos de determinados setores da população para proteger outros, e disse que, uma vez que se atenta contra os direitos de uns poucos, se abre a porta para que sejam afetados em sua totalidade. “Você pode não gostar de seus vizinhos, mas se hoje sacrificar os direitos deles, coloca em risco os seus amanhã. Violar os direitos de uns é minar a própria estrutura que inevitavelmente os membros da suposta maioria necessitarão”, alertou Roth. “De fato, menosprezar os direitos humanos oferece um caminho provável para a tirania”, prosseguiu.

O crescimento do populismo ocidental e sua muda resposta às violações deram força a outros, legitimando o ataque de dirigentes políticos contra os direitos humanos no mundo, indica o documento da HRW.

Líderes europeus mostram um populismo que reúne apoio popular atribuindo os problemas econômicos à emigração. Foto: Nikos Pilos/IPS

 

O presidente da China, Xi Jimping, dirigiu uma das repressões mais duras contra a dissidência, restringindo a liberdade de expressão e controlando o acesso à informação. Por seu lado, o presidente turco, Recebp Tayyip Erdoğan, recorreu ao estado de emergência e a leis antiterroristas para sufocar a oposição política e os meios de comunicação.

O presidente do Burundi, Pierre Nkurunziza, que persegue brutalmente a oposição e ameaça a sociedade civil e a mídia, foi o primeiro de vários governantes africanos a anunciar sua intenção de se retirar do Tribunal Penal Internacional(TPI), um mecanismo essencial para proteger os direitos humanos.

Além disso, confiante de que os governos ocidentais não realizariam represálias, o presidente sírio, Bashar al Assad, e o príncipe herdeiro substituto da Arábia Saudita, Mohammad Bin Salman, continuam violando os direitos humanos, atacando indiscriminadamente civis na Síria e no Iêmen, respectivamente.

A diretora adjunta da HRW na ONU, Akshaya Kumar, também observou uma mudança na forma como os líderes populistas respondem à estratégia muito utilizada de “nomear e denunciar”, e pontuou que cada vez mais estes, em lugar de se afastarem, se voltam para a retórica contra os direitos ou outras atrocidades, e inclusive as empregam para obter mais apoio.

O primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, empregou publicamente políticas e expressões islamofóbicas e contra os refugiados, desde afirmar que a “identidade europeia está arraigada na cristandade”, até processar solicitantes de asilo por ultrapassarem obstáculos de arame farpado. Apesar das críticas, Orbán reuniu apoio em nível local e também continental, para seu objetivo de fechar as fronteiras da Europa.

E o presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, mantém sua popularidade apesar de suas políticas contra as normas internacionais de direitos humanos. De fato, pediu publicamente a execução extrajudicial de narcotraficantes e consumidores de drogas, e inclusive de ativistas pelos direitos humanos, em uma campanha contra as substâncias ilegais que já deixaram milhares de mortes nesse país da Ásia Pacífico. “Não me importam os direitos humanos”, afirmou pouco depois de chegar à Presidência, em junho de 2016.

Como esses governantes não parecem ter vergonha de violar os direitos fundamentais, Kumar destaca que é necessário enfrentar os “abusadores”, inclusive os que oferecem apoio econômico, bem como os fornecedores de armas. E apontou o governo canadense como um exemplo: em 2006, proibiu o financiamento da organização Tigres para a Libertação da Pátria Tâmil Ealam (LTTE), do Sri Lanka, após ficar sabendo da forma abusiva com que extraíam dinheiro da diáspora tâmil e de como o utilizavam para cometer outras violações.

Em novembro de 2016, o Departamento de Estado norte-americano suspendeu a venda de fuzis de assalto no valor de US$ 26 mil para a polícia das Filipinas, por medo de que servissem para violar os direitos humanos. Não há um enfoque único para enfrentar este problema, mas se concentrar nas crescentes redes que amparam destacados abusadores é uma forma importante de proteger e promover os direitos humanos, ressaltou Kumar à IPS.

A HRW também destaca a necessidade angustiante de que organizações da sociedade civil, meios de comunicação e governos defendam e reafirmem de forma enérgica os direitos humanos, especialmente porque alguns dirigentes “enterraram a cabeça na areia, com a esperança de que os ares do populismo se dissipem”. Mas, nos últimos tempos, a responsabilidade por enfrentar o crescimento do populismo e promover o respeito pelos direitos humanos recaiu na população.

“Os demagogos andam pela casuística, reunindo apoio popular tecendo explicações falsas e oferecendo soluções baratas para problemas genuínos o melhor antídoto é o público cobrar uma política baseada na verdade e nos valores sobre os quais se construiu a democracia respeitosa do direito”, destacou Roth. Envolverde/IPS