Por Alice Marcondes, especial para a Envolverde –
O autor e filósofo espanhol Santiago Beruete, autor de obras como “Un trozo de tierra”; “Aprendívoros”; “Verdolatria”; “Jardinosofia” e “Livro do xadrez amoroso” está pela primeira vez no Brasil, como convidado especial da 40ª Feira do Livro do Colegio Miguel de Cervantes, na capital paulista, onde deu palestras, realizou encontros com alunos e professores e aplicou uma oficina de relatos.
Conhecido na Europa por realizar pesquisas com plantas e jardinagem, Beruete possui uma obra que questiona se um jardín pode salvar um vida e um jardineiro pode salvar o planeta. “A jardinagem é geralmente entendida como uma tentativa de disciplinar a natureza para o deleite humano, mas seu objetivo mais profundo talvez seja disciplinar o espírito humano, fortalecê-lo e elevá-lo. Cuidar com esmero e consciência das plantas que crescem em nosso jardim, horta ou peitoril da janela nos ajuda a suspender o pensamento, esvaziar a mente, nos concentrar no momento presente, sem a ansiosa espera de males ou bens futuros. Nos proporciona a oportunidade de nos desconectar do ego, praticar a contemplação ativa a encontrar em nós a calma e a quietude. Ver crescer o que plantamos é uma das fontes mais genuínas de alegria”, explica o autor.
Para Santiago Beruete, “os hábitos que a jardinagem exerce: paciência, perseverança, confiança, cuidado, humildade… são indispensáveis para desfrutar de uma boa vida. Existem muitas formas de responder à pergunta de como viver da melhor maneira possível, mas todas elas insistem em cultivar o caráter. Somos chamados a nos exercer como jardineiros, pelo menos de forma figurativa ou metafórica, e nos aplicar a preparar o terreno da consciência com o propósito de que nossa vida floresça. Ao contemplar a paisagem de nossas vidas, quem não gostaria de visualizar um jardim em vez de um pântano, um deserto ou uma selva? Eis uma boa razão para nos comportarmos como jardineiros durante nossa passagem por esta Terra e nos esforçarmos em transformar nosso canto do mundo em um jardim fértil e abundante”.
O autor defende que mais do que uma bolha na qual nos refugiar da realidade, os jardins são um lugar para sonhar com uma vida mais bonita e justa e que a cultura do jardim pode nos ajudar a transitar da ética da dominação para a do cuidado com o planeta, desfazer o mal-entendido secular de que a natureza nos pertence e encontrar um equilíbrio dinâmico entre os impulsos contraditórios de controle e liberdade, ordem e espontaneidade, repouso e dinamismo, intimidade e infinitude que lutam dentro de nós. Em resumo, as hortas e os jardins nos permitem imaginar um futuro diferente daquele ao qual parece que estamos condenados pela velocidade tecnológica e pela crise climática.
“Ninguém encarna melhor a esperança, esse sentimento militante, como o filósofo Ernest Bloch sabiamente o definiu, do que os jardineiros. Se queremos neutralizar a sensação de que qualquer futuro que venha será pior, devemos aprender com a humilde sabedoria desses profissionais e compartilhar sua fé na semente. Mesmo quando não têm certeza se seus esforços darão frutos, se as sementes que espalham irá brotar, em seus gestos afloram as melhores qualidades do ser humano: esperança, confiança, paciência, perseverança, tenacidade e, claro, humildade. Nada que valha a pena nesta vida se consegue sem essas virtudes.
A obra de Santiago Beruete ainda não está traduzida no Brasil, mas isso deve acontecer brevemente, e em seu último livro, “Um trozo de tierra“, ele nos traz 22 contos com personagens que às vezes plantam e outras vezes contemplam ou cuidam dos seus pedaços de terra para seu proveito ou prazer, encarnando o melhor da condição humana. Como explica o autor, “são heróis que não sabem que o são. Independentemente de realizarem grandes ou pequenas façanhas em suas vidas, eles se sacrificam por algo maior do que eles mesmos e contribuem para tornar este mundo um lugar mais habitável e melhor. Com seus gestos, eles nos ajudam a manter viva a fé no amanhã e em nossas possibilidades de superar com sucesso os desafios que enfrentamos, como a catástrofe ambiental em curso”.