Por Fabíola Ortiz, da IPS –
Acampamento Aida, Palestina, 13/10/2016 – Depois de quase cinco décadas de ocupação israelense, o número de refugiados nos territórios palestinos aumenta a cada geração, o que satura os serviços básicos dos 19 acampamentos administrados pela Organização das Nações Unidas (ONU) na Cisjordânia, onde vivem cerca de 200 mil pessoas.
“A cada ano, o acampamento está mais cheio e a vida se torna mais difícil. Não temos privacidade nem conforto, não é fácil”, contou à IPS Mohammad Alazza, de 26 anos. Esse jovem nasceu e viveu nesse acampamento, que fica 1,5 quilômetro ao norte de Belém e é rodeado por um muro de 721 quilômetros de comprimento, que separa Israel da Cisjordânia.
As famílias sofrem com um fornecimento irregular de água e cortes frequentes de energia. Quase todas as casas estão ligadas às redes de água, eletricidade e saneamento, mas são velhas e estão em mau estado, segundo a própria ONU. Graças a um acordo, a Autoridade de Água da Palestina agora fornece o líquido durante dois dias a cada duas semanas. Em 2017,completam-se 50 anos da ocupação israelense, iniciada em 1967, e cem anos da Declaração Balfour, que assentou as bases para a criação do Estado de Israel.
Fundado em 1950, os primeiros habitantes do acampamento Aida vieram de 17 aldeias destruídas de Jerusalém ocidental e do ocidente da localidade de Hebrón, na Cisjordânia, cujo êxodo se iniciou durante a criação do Estado de Israel em 1948, um fato que os palestinos conhecem como “nakba” (catástrofe, em árabe).
“As famílias que na ocasião foram expulsas de suas aldeias esperavam regressar algum dia às suas casas; só as fecharam e levaram as chaves pensando que a guerra terminaria em poucas semanas. Ainda esperamos por esse dia”, contou Alazza, cujos avós chegaram procedentes de Beit Jibrin.
Na entrada desse acampamento ainda há um portão com uma grande chave em cima, símbolo do que as famílias de Aida reclamam: o direito de retorno. “Ainda guardam as chaves de suas casas. As pessoas acreditam que algum dia voltarão. Vivemos com a esperança e acreditamos que a ocupação terminará”, testemunhou Alazza.
Atualmente, há 5.500 pessoas em Aida registradas pela Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina (Unrwa), entre as quais três mil crianças. Mas o acampamento tem grandes carências devido à lotação: falta de espaço, má infraestrutura, elevado desemprego, insegurança alimentar e problemas de segurança devido às incursões regulares do exército israelense.
A economia palestina está paralisada devido à ocupação por Israel, explicou o diretor das operações da Unrwa na Cisjordânia, Scott Anderson. Não são plenamente respeitados os direitos humanos da população palestina e os assentamentos israelenses continuam exacerbando as tensões entre os dois povos.
“É difícil ser um palestino refugiado. Tudo é pior nos acampamentos, o desemprego, a moradia, o acesso a água e eletricidade. Apesar de sua resiliência, vivem uma difícil realidade”, apontou Anderson à IPS. O acampamento Aida fica entre os municípios de Belém, Beit Jala e Jerusalém, e próximo de dois grandes assentamentos israelenses, Hjar Homa e Gilo, considerados ilegais pela comunidade e pelo direito internacionais.
“Gilo está a menos de dois quilômetros e tem água potável 24 horas por dia, jardins e escolas. Vivemos ao lado e não temos nada disso. Nunca aceitaremos tal situação. Meu povoado está a 40 minutos e não posso ir. Não é fácil ser um refugiado em meu país”, lamentou.
Aida se tornou um ponto de conflito desde a Segunda Intifada (levante palestino de 2000) e os refugiados se viram mais expostos a episódios de violência pelas contínuas operações do exército de Israel. O crescente número de feridos nesse acampamento se deve ao excessivo uso da força, com documenta a ONU. Em 2015, foram registradas 84 incursões das forças de segurança israelenses, 57 pessoas feridas, entre elas 21 menores de idade, 44 detidas, incluindo 13 menores de idade, e um menor morto.
Caminhando pelos becos de Aida, é comum ouvir histórias de homens e adolescentes tirados de suas casas por soldados israelenses. “Sempre temos medo que o exercito de Israel leve nossos filhos. Nunca os deixo sozinhos. É normal os soldados levarem crianças. Vive-se com constante medo”, contou à IPS, Sumayah Asad, de 40 anos e seis filhos.
Era sexta-feira pela manhã, dia sagrado para os muçulmanos, quando a IPS conversou com Asad, que distribuía chocolates e doces na porta de sua casa, festejando a libertação de seu filho de 12 anos após cinco dias de detenção.
“Estou feliz que meu filho tenha sido libertado pela ocupação israelense. Os soldados vieram à minha casa às três da madrugada e o levaram. O soltaram quando viram que não havia feito nada. As crianças deveriam estar brincando ou na escola, não na prisão”, protestou Asad.
Nem todos consideram possível conseguir uma convivência em paz entre judeus e palestinos, mas Munther Amira, de 45 anos, nascido em Aida e cuja família é originária da aldeia Dier Aban, no sul de Jerusalém, é otimista a respeito de uma mudança pacífica. “Sim, podemos coexistir”, afirmou.
“A ideia de coexistência se baseia nos direitos humanos e deve incluir nosso direito de retornar. Aqui na Palestina, cristãos e muçulmanos já vivemos juntos. É difícil desenvolver uma democracia sob ocupação”, ponderou Amira, um ativista da campanha Boicote, Desinvestimento, Sanções (BDS). Segundo ele, boicotar os produtos israelenses é um mecanismo pacífico para pressionar por um acordo.
“Vivemos assediados. Não podemos importar nada sem permissão da ocupação israelense. Ao boicotar seus produtos, apoiamos a liberdade da Palestina. É um instrumento não violento contra a ocupação. Sendo implantado de forma coletiva, tem grande efeito”, acrescentou. Envolverde/IPS