Por Ivet González, da IPS –
Havana, Cuba, 22/9/2016 – Cuba desenhou pela primeira vez uma plataforma digital e um fórum de negócios para incentivar a afluência de investimentos estrangeiros, quando sua economia sofre uma recaída por deficiências internas e pela instabilidade na Venezuela, seu principal aliado comercial. Por meio do portal do primeiro Fórum de Investimentos da 34ª Feira Internacional de Havana (Fihav), os interessados em negociar com o país podem marcar reuniões diretas com empresas estatais.
O agendamento dever ser feito até 30 de outubro e as reuniões se concretizarão durante o Fórum de Investimentos, nos dias 1º e 2 de novembro.O Fórum e a plataforma constituem a principal novidade da Fihav, que acontecerá entre os dias 31 de outubro e 4 de novembro, com a participação prevista de 4.500 expositores de mais de 60 países. Ali as autoridades apresentarão, pela terceira vez, a carteira de projetos onde se requer a participação estrangeira.
Atualmente, essa carteira conta com 326 propostas e é atualizada desde 2014, com o objetivo de captar ao menos US$ 2,5 bilhões anuais de investimentos, a quantia que o governo de Raúl Castro considera necessária para garantir um crescimento sustentado do produto interno bruto.
Os usuários da plataforma, criada por desenvolvedores cubanos, receberão em menos de 24 horas a confirmação e dados precisos do encontro na Expocuba, o recinto onde a cada ano acontece a Feira, segundo o comitê organizador detalhou a diplomatas jornalistas e empresários.
O processo de negociação para investir em Cuba é muito “lento” e “complicado”, afirmam empresários e especialistas, apesar de facilidades estabelecidas pela nova lei de investimentos estrangeiros, vigente desde 2014, como parte da reforma empreendida pelo governo para deixar para trás a crise de mais de 20 anos.
“O Fórum é uma oportunidade única. Nunca foram utilizadas as novas tecnologias para tornar mais rápida a interação entre o potencial investidor estrangeiro e a empresa cubana”, disse à IPS a diretora interina do estatal Centro para a Promoção do Comércio Exterior e do Investimento Estrangeiro (ProCuba), Yohanely Savigne. O ProCuba fornece informação aos potenciais sócios comerciais estrangeiros sobre as oportunidades de negócios e os conecta com as contrapartes cubanas.
O Centro e a Câmara de Comércio de Cuba costumam ser os intermediários contatados de fora, embora exista a via direta, explicou Savigne. Segundo a diretora, desde 2015 atendeu mais de 200 interessados em investimento estrangeiro, em sua maioria procedentes de entidades da Europa e Ásia. Os setores mais atraentes foram turismo, que vive um boom desde que começou o degelo com os Estados Unidos em 2015, biotecnologia e agroalimentar, acrescentou.
“Depois do Fórum será preciso avaliar se manteremos ativa a plataforma. Até agora está previsto manter as vias tradicionais”, pontuou Savigne. “Como Centro, nos interessaria ter permanentemente uma ferramenta como essa para acertar agendas com empresas fora de Havana”, acrescentou.
“Garantimos que o encontro ocorra o mais rápido possível depois que apresentarmos os interesses concretos dos investidores à empresa cubana”, ressaltou a diretora, que prefere não “falar de tempos estimados, porque tudo depende de cada negociação”. Mas afirmou que existe um prazo de 60 dias estabelecido pela lei vigente para receber a resposta de aprovação, ou não, do Ministério do Comércio Exterior e Investimento Estrangeiro.
O representante de uma companhia europeia interessada na geração de energia contou à IPS que esperou por um ano a resposta da contraparte cubana, após apresentar o portfólio na pasta de Comércio Exterior. “Tudo é muito complicado e burocrático”, enfatizou a fonte, que pediu para não ser identificada. Por sua vez, uma internauta que se identificou como Messana Valdés, compartilhou no site de notícias Cuba debate que “não são poucos os comentários desfavoráveis feitos sobre a demora de Cuba em aprovar os pedidos” de investimento estrangeiro.
A complexidade dos trâmites para negociar com Cuba figura entre os obstáculos externos para captar investimentos, como a vigência do embargo norte-americano imposto ao país desde 1962 e as restrições para o uso do dólar norte-americano, entre outros.“Apesar das reformas implantadas, não existe ainda uma evidência clara quanto à decisão do governo de empreender uma abertura internacional ampla da economia”, indicou à IPS o economista cubano Pável Vidal, da Colômbia, onde reside.
O professor da Universidade Javeriana de Cali forneceu alguns resultados de uma pesquisa que a publicação econômica Cuba Standard realiza a cada trimestre,desde 2015, com cem pessoas de negócios estrangeiras, escolhidas aleatoriamente, sobre “percepções e expectativas que têm os empresários da evolução da atividade econômica”.Inicialmente a pesquisa “capturou o aumento do otimismo em relação ao futuro da economia cubana. Mas, desde então a tendência tem sido decrescente”, observou Vidal.
Enquanto 45,3% dos empresários ouvidos manifestavam, no primeiro trimestre de 2015, um aumento em sua intenção de investir em Cuba, essa porcentagem caiu para 28,8% durante igual período de 2016. As entrevistas mostraram que os obstáculos identificados por investidores são: bloqueio norte-americano (52,4%), burocracia do governo cubano (52,4%), excesso de regulamentações (47,6%), ineficiência das empresas estatais (35,7%), procedimentos e garantias legais (32,1%).
Com base no estudo, Vidal concluiu que “fatores regulatórios e institucionais aparecem hoje em dia como as principais barreiras à expansão dos negócios e à chegada de novos investimentos na ilha. Isso confirma as informações anedóticas que chegam sobre a frustração de vários investidores”, disse o especialista.
Na Zona Especial de Desenvolvimento de Mariel, um megaprojeto logístico e portuário que construído 45 quilômetros a oeste de Havana para ser o pivô do desenvolvimento cubano, as autoridades apontaram, em janeiro, 11 projetos autorizados e 400 à espera de aprovação. Os projetos provêm de Brasil, Canadá, China, Espanha, França, Itália, México, Panamá, Portugal, Rússia e Vietnã.
Em março, o Ministério de Comércio Exterior informou que havia mais de 200 negócios estabelecidos com capital estrangeiro no país, dos quais 35 concretizados ao amparo da nova lei. A Europa se mantinha como a principal origem dos investidores, embora as autoridades busquem diversificar as fontes envolvidas nos projetos.
A economia cubana cresceu 1% no primeiro semestre de 2016, metade do previsto. No começo de julho, Raúl Castro anunciou a implantação de um programa de ajustes para enfrentar a falta de liquidez financeira e o desabastecimento petroleiro causado por cortes nos 90 mil barris diários que a Venezuela enviava. Envolverde/IPS