Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas, 10/3/2017 – A Organização das Nações Unidas (ONU) é questionada por defender de capa e espada o empoderamento feminino e os direitos das mulheres, e de ser incapaz de colocá-lo em prática dentro de sua própria estrutura. Segurança, o mais poderoso, com poder de veto, se inclinam de forma esmagadora pelos homens, em detrimento das mulheres, em seus 71 anos de existência.
Além disso, a Secretaria da ONU e suas 35 agências trabalham, sem muito êxito, para implantar uma velha resolução que defende a paridade entre homens e mulheres, especialmente em altos cargos e de decisão. Por ocasião do Dia Internacional da Mulher a ONU publicou o estudo O Status das Mulheres no Sistema das Nações Unidas, de 36 páginas, que atualiza a situação em matéria de igualdade dentro do fórum mundial e assinala a falta de progressos e os desafios que há pela frente.
“Há alguns avanços animadores para a paridade de gênero em todo o sistema das Nações Unidas, embora não seja uniforme e avance em velocidade insuficiente. A mudança que precisamos não ocorrerá sem um enfoque múltiplo e comprometido”, destacou a diretora da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka. “A igualdade não é uma questão de estatística. É de mentalidade, mesmo quando a ONU lançou uma campanha mundial em favor da paridade de gênero 50:50 em todos os setores da vida até 2030”, acrescentou.
A ONU conta atualmente com 94 mil funcionários e funcionárias e 78 mil consultores e consultoras no mundo. Segundo o estudo, apenas cinco dos 35 organismos da ONU conseguiram ou superaram a paridade 50:50: ONU Mulheres, com 78,9% de funcionárias, Tribunal Internacional de Justiça, com 57,1%, Onusida com 50,8%, Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura (Unesco), com 50,6%, e Organização Mundial do Turismo, com 50%.
A seguir figuram outras 17 entidades da ONU com relação de 40% a 49%, incluída sua Secretaria, e 13 com paridade em torno dos 40%. “Enquanto maior entidade dentro do sistema da ONU, a Secretaria (com sede em Nova York) tem possibilidades de gerar um impacto em toda a organização para o equilíbrio de gênero. Porém, tem a menor representação feminina em todos os níveis do sistema”, diz o estudo.
“Existe uma correlação negativa entre a representação feminina e os cargos mais altos; maiores cargos, menor proporção de mulheres”, acrescenta o documento, que também afirma que “a maior defasagem ocorre entre os (cargos profissionais) P-2 e P-3, e P-4 e P-5, com 12,2% e 5,9%, respectivamente. Essa redução indica que há obstáculos que freiam a carreira das mulheres dentro das Nações Unidas.
Mavic Cabrera-Balleza, coordenadora internacional da Rede Global de Mulheres Construtoras de Paz, observou que “o secretário-geral Kofi Annan em sua época promoveu com força os direitos das mulheres e Ban Ki-moon, seu sucessor, defendeu a igualdade de gênero”. E acrescentou que, “como disse o atual secretário-geral, António Guterres, o objetivo inicial para uma representação equitativa na ONU foi fixada em 2000”. Ele terá um papel fundamental, mas “não podemos depender só dele”, alertou.
Além dos países membros, a sociedade civil também tem que desempenhar um papel fundamental na escolha ou recomendar pessoas com experiência e antecedentes em matéria de empoderamento feminino, direitos das mulheres e igualdade de gênero, apontou Cabrera-Balleza.
Sanam Naraghi-Anderlini, uma das fundadoras e diretora executiva da Rede Internacional de Ação da Sociedade Civil (Ican), pontuou à IPS que, em um mundo com crescente número de mulheres com educação terciária e trabalhando, é inconcebível que a ONU não tenha, ou não possa conseguir, a igualdade entre homens e mulheres em todos os níveis de sua estrutura.
“Não é um problema de demanda. Será de fornecimento? Não precisamente, se olharmos os dados duros, para conseguir a paridade para os subsecretários-gerais, o secretário-geral teria que contratar 67,5 mulheres, outras 109 para os de D-2 (diretores), e, para os D-1, 848,5”, afirmou Naraghi-Anderlini. E acrescentou que “pode parecer muito, mas, se olharmos a sociedade civil, o setor privado e muitos governos, as mulheres estão presentes, prontas e dispostas”.
Para conseguir a paridade, muitos dos homens que são profissionais P-4 e P-5 e diretores D-1 e D-2 terão que pagar o preço pelas muitas gerações masculinas que ocuparam esses cargos, frequentemente independente de suas capacidades, observou Naraghi-Anderlini, especialista em questões de gênero e inclusão da equipe de reserva de especialistas da ONU.
Por sua vez, Ian Richards, presidente do comitê coordenador de Associações e Sindicatos Internacionais, disse que “a organização está na época das trevas no tocante a acordos trabalhistas flexíveis, com poucas dependências que ofereçam ou desejem oferecer assistência para o cuidado infantil, e o sistema de promoção carece de objetividade, o que faz com que se enraízem de forma inconsciente preferências e tendências.
Uma das questões que o informe não analisa, mas deveria, é que 30% de seus funcionários são consultores. Seus honorários são negociados individualmente com seus superiores, em lugar de estarem sujeitos a uma escala salarial, e não há pesquisas sobre as diferenças em matéria de remuneração entre homens e mulheres pelo mesmo trabalho.
Cabrera-Balleza se mostrou de acordo com a designação por Guterres de várias mulheres em altos cargos. “Mas me decepciona que as qualificações para tais cargos não incluam experiência em igualdade de gênero. O chamado só menciona ‘grande compromisso com os valores e princípios reitores da ONU e familiaridade com o sistema das Nações Unidas’”, afirmou.
“Os antecedentes em igualdade de gênero deveriam estar explícitos na hora de fazer uma chamada e de contratar alguém, e também nos termos de referência para todos os funcionários da ONU. Não se pode e não se deve assumir que existem”, pontuou Cabrera-Balleza.
“Devemos ter presente que promover o status das mulheres e conseguir a igualdade de gênero no sistema da ONU não é um jogo de números. Precisamos de mulheres e homens que representem os interesses das mulheres, que lutem pelos direitos das mulheres”, explicou Cabrera-Balleza. E ressaltou que “necessitamos ter um histórico, não apenas um compromisso. Qualquer um pode declarar seu compromisso com os direitos das mulheres e a igualdade de gênero, mas só uns poucos têm antecedentes”.
Em um mundo ideal, segundo Naraghi-Anderlini, o secretário-geral deveria assumir este desafio e se concentrar em que apenas os melhores homens e mulheres ingressem, permaneçam e progridam no sistema da ONU. “Todas e todos devem aderir aos valores centrais das Nações Unidas, de direitos humanos iguais, pluralismo e paz. Mas as capacidades e os conhecimentos necessários devem ser tão variados e diversos como as sociedades nas quais busca estar presente e ser efetiva”, ressaltou.
Nove a zero e 68 a três
O primeiro alvo das críticas pela desigualdade de gênero dentro da ONU é a Assembleia Geral, de 193 membros, que só elegeu três mulheres para presidir o plenário: Vijaya Lakshmi Pandit, da Índia (1953), Angie Brooks, da Libéria (1969) e a xequesa Haya Rashed Al-Jalifa, do Bahrein (2006), contra 68 homens que ocuparam o cargo.
Mas, provavelmente, o pior seja o Conselho de Segurança, de 15 membros, que continua elegendo homens para o cargo máximo dentro da ONU, de secretário-geral, com aprovação da Assembleia Geral. E o ano passado talvez tenha sido o pior de todos pelo grande número de candidatas qualificadas.
No caso desse órgão, a disparidade é de zero mulheres contra nove homens que ocuparam o cargo de secretário-geral ao longo da história: Trygve Lie, da Noruega, Dag Hammarskjold, da Suécia, U. Thant, da Birmânia (atualmente Myanmar), Kurt Waldheim, da Áustria, Javier Pérez de Cuellar, do Peru, Boutros Boutros-Ghali, do Egito, Kofi Annan, de Gana, Ban Ki-moon, da Coreia do Sul, e, atualmente, António Guterres, de Portugal. Envolverde/IPS