Por Zahra Moloo, da IPS –
Mudja, República Democrática do Congo, 21/9/2016 – Os bambutis eram os habitantes originais do parque nacional mais antigo da África, o Virunga, na República Democrática do Congo (RDC), cujo território remonta a 1925, quando foi delimitado pelo rei Alberto I, da Bélgica. Mas agora os bambutis – que pertencem a grupos indígenas também conhecidos como pigmeus, são seminômades e vivem da caça e da coleta – têm proibida a possibilidade de viver ou caçar dentro do parque, e enfrentam a repressão tanto dos guardas florestais como de grupos armados.
Outras comunidades do parque acusam o Instituto Congolense pela Conservação da Natureza (ICCN) de expropriar terras sem consentimento e sem oferecer uma compensação, mas as autoridades argumentam que os guardas florestais devem recorrer à “legítima defesa” e tomar medidas quando as pessoas da área “recrutam grupos armados para manter a terra”.
A localização do parque, na fronteira com Ruanda e Uganda, complica a difícil relação entre as comunidades indígenas e os conservacionistas. Segundo os pesquisadores, a zona é o epicentro de um conflito armado em curso há anos. Sem acesso à selva e às suas terras ancestrais para caçar e colher, os bambutis têm dificuldade para sobreviver. Muitos dependem do trabalho de diaristas, que realizam para comunidades vizinhas, como o corte de árvores para extrair madeira que é vendida em Goma, cidade contígua ao parque, nas fronteiras com Ruanda e Uganda.
Muhima Sebazungu de 70 anos e um dos líderes da comunidade de Mudja, povoado perto de Goma, afirma que estão começando a esquecer do seu conhecimento tradicional sobre plantas e medicinas. O parque e o governo excluírem os bambutis dos esforços de conservação é um desperdício do imenso conhecimento que as comunidades indígenas têm sobre os ecossistemas florestais, destacou Patrick Kipalu, representante na RDC da organização Forest People’s Programme. Uma solução seria recrutá-los como guardas florestais, sugeriu.
Jean Claude Kyungu, do ICCN, explicou que há “critérios específicos” que regem o recrutamento dos guardas florestais, e os bambutis não se encaixam, como ter um diploma estatal. Norbert Mushenzi, subdiretor do ICCN no Parque Nacional de Virunga, afirma que os bambutis têm um “déficit intelectual” e que uma forma de se beneficiarem do parque seria mediante a “venda de produtos culturais e com danças para os turistas”.
Sua opinião não é pouco comum. Muitos, inclusive os que defendem os direitos dos bambutis, acreditam que são inferiores a outras comunidades. Embora a política oficial do regime de Mobutu Sese Seko (1965-1997) no antigo Zaire pretendesse “emancipar” as populações indígenas e considerá-las sem diferenças em relação a outras comunidades, na prática isso significava o fomento de um estilo de vida sedentário e agrícola.
Doufina Tabu, presidente da organização de direitos humanos Associação de Voluntários do Congo, trabalha com comunidades bambutis que vivem fora do parque e cujas terras lhes foram roubadas.“Em Masisi, um pigmeu foi detido porque alguém o enganou para que entregasse sua terra. Ele não tinha título de propriedade e por isso foi acusado de ocupação ilegal, embora se trate de sua própria terra. Foi detido há um ano e ainda estamos tentando libertá-lo”, contou.
A ativista defende que os bambutis mantenham suas terras, mas também acredita que devem ser integrados à sociedade, “para que possam viver como os demais. Há coisasem sua cultura que devemos mudar. Não podem continuar na floresta como animais”, opinou Tabu.Um informe da organização Survival International afirma que impor o “desenvolvimento” aos indígenas tem consequências “desastrosas” e que o fator mais importante para seu bem-estar é o respeito aos seus direitos sobre a terra.
Segundo Kipalu, as condições de vida dos bambutis são muito piores agora do que quando estavam na floresta. “Estar sem terra e viver nas terras de outras pessoas significa que acabam sendo tratados quase como escravos”, apontou. Os bambutis de Biganiro não entendem porque não podem ter acesso aos serviços básicos e mesmo assim poder voltar à floresta.
Shukuru, de 18 anos, fez dois anos da escola primária e quer dirigir uma moto, mas não sabe por onde começar. “Só para aprender, custa US$ 20. E mal conseguimos o suficiente para comer todos os dias”, afirmou.
A organização Ambiente, Recursos Naturais e Desenvolvimento,juntamente com a Rainforest Foundation, da Noruega, apresentaram uma demanda legal em 2010, para que os batwas, outro grupo indígena, recebam indenização pela perda de suas terras dentro do Parque Nacional Kahuzi-Biega, que como o Virunga foi declarado Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
O caso chegou à Suprema Corte de Kinshasa em 2013, onde permanece. Em maio de 2016, as duas organizações apresentaram uma queixa junto à Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos, mas ainda não tiveram resposta do governo congolense.Mathilde Roffet, da Rainforest Foundation, pontuou que, mesmo se o tribunal decidir a favor dos batwas, ainda terão que lidar com a Unesco e o status do parque como patrimônio da humanidade. A ativista espera que o caso crie um precedente para outros parques nacionais.
O Virunga, porém, é um caso diferente, e, para Kipalu, trata-se de “uma zona muito delicada para o governo devido à possibilidade de prospecção de petróleo, minério e grupos rebeldes”. Em nível nacional, a rede de organizações Dynamique des Groups des Peuples Autochtones procura a aprovação de uma lei que reconheça os direitos dos povos autóctones.
Embora a RDC tenha votado a favor da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas em 2007, a Constituição, a lei de terras e o código florestal do país não fazem referência alguma a esses direitos. O projeto de lei inclui a proteção de sua medicina tradicional e sua cultura, bem como o acesso a terra e recursos naturais. O Artigo 42 estabelece especificamente que os indígenas têm direito a regressar às suas terras ancestrais e a uma compensação justa se forem trasladados.
A adoção da lei está parada desde 2014. “Continuam dizendo que vão discuti-la na próxima semana, no próximo mês, mas o país está passando por muitas mudanças políticas, e dão prioridade a outras questões”, explicou Kipalu.No entanto, a rede trabalha com o ICCN e o governo em um plano de curto prazo, que inclui o acesso dos povos indígenas a educação e saúde. “Queremos que as comunidades voltem à sua terra. Alguns querem voltar para a floresta, mas outros estão dispostos a aceitar terrenos externos. Vai demorar muitos anos”, concluiu. Envolverde/IPS
*Este artigo teve apoio da International Women’s Media Foundation.