Por Jonathan Rozen, da IPS –
Nações Unidas, 5/10/2016 – Diante da falta de boas respostas para os conflitos e de soluções para os milhões de pessoas obrigadas a abandonar seus países, um grupo de diplomatas procura promover uma “mudança de mentalidade” dentro da Organização das Nações Unidas (ONU) para, antes de mais nada, evitar as crises.
“Parte do desafio é a forma como caracterizamos o trabalho da ONU, como uma das primeiras a responder, como bombeiro, como uma organização que aparece quando as coisas estão caindo em pedaços”, explicou à IPS Macharia Kamau, representante permanente do Quênia na sede das Nações Unidas, em Nova York. “Isso faz com que instituições como esta tendam a ser mais reativas do que preventivas”, acrescentou.
Para mudar as coisas, um grupo de diplomatas e funcionários da ONU procura reforçar o Fundo para a Consolidação da Paz, que conta com cerca de US$ 100 milhões por ano, muito pouco, inclusive para intervenções pontuais destinadas a evitar crises de longo prazo.
“Os conflitos levam o sistema da ONU ao limite”, afirmou o secretário-geral do fórum mundial, Ban Ki-moon. “Sem o Fundo para a Consolidação da Paz, seremos obrigados a testemunhar a perda evitável de inúmeras vidas”, alertou.Na conferência de doadores organizada pelo Fundo, no dia 21 de setembro, a contribuição de 30 países chegou a US$ 152 milhões, pouco acima da metade da meta fixada, de US$ 300 milhões .
“A retórica que temos em matéria de manutenção da paz vai além da disponibilidade para fazer frente aos desafios necessários para consegui-la”, afirmou Kamau, que também preside a Comissão para a Consolidação da Paz. “Deve ocorrer algo totalmente diferente”, acrescentou.
O orçamento deste ano para as 16 missões de paz da ONU é de apenas US$ 8 bilhões. Com visão de longo prazo, os pequenos investimentos ajudariam a economizar dinheiro, ao evitar a necessidade de missões caras para responder a circunstâncias já penosas, argumentem os defensores da consolidação da paz. Mas, com melhor previsão e investimentos diligentes, pode-se conseguir um impacto que não se reduza ao talão de cheque dos países.
“Se pudermos evitar que esses conflitos aconteçam, a maioria das coisas que vemos hoje, como a situação dos refugiados, que coloca grande pressão sobre as pessoas e os países, naturalmente não teriam ocorrido”, disse Olof Skoog, representante permanente da Suécia nas Nações Unidas.
A Comissão para a Consolidação da Paz é um organismo relativamente novo na ONU, criada em dezembro de 2005 e que, em abril deste ano, ampliou seu mandato com a adoção de duas resoluções idênticas pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Segurança.Isso deslocou as responsabilidades em matéria de consolidação da paz para a recuperação pós-conflito, para incluir os esforços de prevenção e manutenção da paz.
Essa manutenção implica “a ideia de que o processo de prevenção vá do alerta, passando pela etapa de conflito, até depois do conflito”, afirmou Jan Eliasson, secretário-geral adjunto da ONU, durante a conferência do Fundo para a Consolidação da Paz. Isso inclui a consideração de todos os fatores sociais, políticos e econômicos que contribuam para uma paz sustentável.
Além do mais, associa a prevenção de conflitos ao êxito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda de Desenvolvimento para 2030. Por exemplo, o ODS 1, sobre acabar com a pobreza, e o 10, sobre eliminar as desigualdades, não serão possíveis sem uma paz sustentável.
Segundo o Banco Mundial, as pessoas mais pobres do mundo se concentram cada vez mais em áreas frágeis afetadas por conflitos e violência, enquanto as áreas mais pacíficas ficam com os benefícios do desenvolvimento. Até 2030, 46% das pessoas em extrema pobreza viverão em áreas frágeis e com conflitos, 17% a mais do que atualmente e, segundo a instituição.
“Ainda é muito cedo para dizer que forma terá a Agenda 2030 em termos de sua implantação”, apontou à IPS Helder da Costa, secretário-geral da associação g7+, de países em desenvolvimento afetados por conflitos.“Se realmente queremos construir sociedades pacíficas, necessitamos uma implantação prática no terreno”, acrescentou, após uma reunião sobre o ODS16, que procura promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, facilitar o acesso à justiça e criar instituições eficazes, responsáveis e inclusivas.
Um dos projetos do Fundo para a Consolidação da Paz destinou US$ 2 milhões para registrar 350 mil meninas e meninos recém-nascidos na Costa do Marfim. Sem esse trâmite, muitas dessas crianças, que teriam nascido justamente antes ou durante o último conflito, estariam em um limbo legal, sem acesso a serviços sociais, educação ou emprego.
Os fundos destinados aos ODS ajudarão nas condições sociais, econômicas e políticas que podem prevenir conflitos e manter a paz. Mas é um processo que leva tempo e o Fundo busca realizar investimentos de imediato e com a finalidade de evitar possíveis conflitos.
“Que não nos freiem as questões burocráticas, sejamos originais e tratemos de ajudar os países”,opinou Costa. Mas em grandes organizações complexas, como a ONU, as novas formas de pensar e inovar nem sempre conseguem com facilidade um impulso político ou apoio econômico. E em alguns casos, na verdade, ocorre o contrário.
Inicialmente, o Conselho de Segurança resistiu ao papel da Comissão para a Consolidação da Paz na prevenção de conflitos, recordou Eliasson. Foi considerada uma “violação” à sua supremacia dentro da ONU em matéria de segurança e paz. Mesmo atualmente, diante do agravamento de conflitos, da mudança climática e da situação dos solicitantes de asilo e refugiados, os investimentos dos países se concentram em reagir às crises, mais do que preveni-las.
É importante atender as urgentes necessidades humanitárias atuais, ressaltou Skoog à IPS. “Ao mesmo tempo, é muito importante conseguir essa mudança para, antes de tudo, evitar os conflitos”, acrescentou a funcionária sueca.
Enquanto organização com o mandato de “preservar as futuras gerações do flagelo da guerra”, a credibilidade da ONU depende em grande parte de sua capacidade para evitar e resolver conflitos. Porém, são inúmeras as vezes que se permite que a violência se torne incontrolável e se prolongue.
Peter Thomson, de Fiji, presidente da Assembleia Geral para o período 2016-2017,declarou que apoiaria a mudança para uma mentalidade mais propositiva para “manter a paz” e promover um aumento das contribuições para o Fundo para a Consolidação da Paz.Mas, depois de 1º de janeiro de 2017, será preciso ver qual prioridade dará quem estiver à frente da Secretaria Geral da ONU à prevenção de conflitos e à mentalidade favorável a uma paz sustentável. Envolverde/IPS