Mesmo com corte de emissões, eventos extremos e altas temperaturas ficarão mais frequentes no Brasil;
o climatologista José Marengo dá uma amostra do que pode estar nos telejornais no futuro
Por José Marengo, especial para o OC –
Vida de meteorologista tem lances inusitados. Uma vez, quando trabalhava no CPTEC (Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos do Inpe) me ligou uma noiva querendo saber se choveria no dia 23 de setembro, pois tinha sua festa de casamento planejada para aquela data. Detalhe: ela ligou no dia 18 de março. Obviamente não da para saber se vai chover daqui a seis meses – a previsão do tempo é feita com até sete dias de antecedência. Mesmo que a tecnologia tenha melhorado, como melhorou, e que a confiança das pessoas na previsão do tempo seja maior hoje do que no passado, as incertezas aumentam quanto mais se tentar enxergar adiante, devido à natureza essencialmente caótica dos fenômenos meteorológicos. Mesmo que seja possível prever o tempo para as próximas seis horas e para a próxima estação do ano, o acerto será maior numa previsão para hoje pela noite que para fevereiro 2016.
Agora, já pensou como seria a previsão de tempo num futuro mais quente, como aqueles projetados pelo IPCC, o painel do clima da ONU? Resultados de pesquisas em todo o mundo sugerem que, mesmo com o sucesso do Acordo de Paris e quaisquer que sejam os esforços feitos para limitar as emissões de gases de efeito estufa, ondas de calor mais fortes e frequentes e episódios de chuva intensas e períodos secos e secas seriam inevitáveis nos próximos 30 anos. Até 2040, a frequência de episódios de calor extremos, chuvas intensas e secas vai aumentar, independente das emissões de dióxido de carbono na atmosfera. Trata-se de uma conta a pagar pelos gases de efeito estufa que já emitimos no passado, em grande parte enquanto protelávamos a decisão de fazer algo a respeito.
Imagine em um dia qualquer, digamos, de fins de fevereiro de 2040, a moça de tempo falando o seguinte: “Temperaturas podem chegar ate 39oC na média em São Paulo e há previsão de uma onda de calor a partir de amanhã, com máximas previstas de 42oC durante os próximos quatro dias dias. Recomenda-se às pessoas não se exporem entre 10h e 15h horas ao sol e se hidratarem continuamente. Já no Nordeste, as máximas amanhã podem chegar ate 42oC em Fortaleza e Recife, mas tem previsão e pancadas de chuva intensa pela tarde, e de noite as mínimas pode chegar ate 32oC. A seca nessa região continua no seu quinto ano. No Norte do Brasil, a seca que começou em 2038 continua se estendendo pela Amazônia, e a secura do ar favoreceu um maior número de queimadas, que bateram um novo recorde ao crescerem 200% em relação a 2039. As temperaturas médias chegam a até 45oC. Com a baixa do nível dos rios, o transporte fluvial foi cancelado na região até segunda ordem. No Sul do Brasil, as chuvas intensas continuam pelo quinto dia consecutivo, e o risco de deslizamentos de terra no Vale de Itajaí aumentou, e as máximas em Porto Alegre podem chegar a 35o C”.
É claro que em 2040 as previsões mostradas na média podem ser mais sofisticadas, com mapas e imagens 3D, e a ótima Maria Júlia Coutinho poderá ter dado lugar a uma apresentadora ou um apresentador do tempo virtual. O que não muda, porém, é que o futuro terá um clima mais quente e com mais eventos extremos, e que se um imenso esforço de políticas de redução de gases de efeito estufa não for feito para amenizar o aquecimento global, a previsão de tempo no futuro deixará de ser uma parte amena dos jornais para virar uma dor de cabeça para a população e os governantes. (Observatório do Clima/ #Envolverde)
* José Antonio Marengo Orsini é doutor em meteorologia pela Universidade de Wisconsin-Madison (EUA) e chefe de pesquisas do Cemaden (Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais). Participou dos relatórios de avaliaçãoo 4 e 5 do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) e é membro do Painel Brasileiro sobre Mudanças Climáticas.
** Publicado originalmente no site Observatório do Clima.