Política Pública

Proposta criação de órgão fiscal da ONU

Por Thalif Deen, da IPS – 

Nações Unidas, 31/1/2017 – Neste ano o Equador, que preside a maior coalizão de nações em desenvolvimento da Organização das Nações Unidas (ONU), voltou a propor a velha iniciativa de se criar um órgão fiscal intergovernamental e de eliminar os paraísos fiscais e os fluxos financeiros ilegais. De fato, esse país será o primeiro a realizar uma consulta popular sobre o assunto, no dia 19 de fevereiro, junto com as eleições presidencial e legislativa.

“A riqueza ilegal afeta principalmente as nações mais pobres do mundo”, afirmou, no dia 13 deste mês, o presidente equatoriano, Rafael Correa, na reunião do Grupo dos 77 (G77), integrado atualmente por 134 países. “Deveria haver mais paraísos de conhecimento e menos paraísos fiscais”, acrescentou, na cerimônia em que a Tailândia passou a Presidência do grupo ao Equador.

“Necessitamos de um órgão fiscal da ONU, que garanta a justiça tributária. O Equador se unirá a todos que travarem esta batalha, Estados e sociedade civil”, disse, por sua vez, o chanceler equatoriano, Guillaume Long, em um painel de discussão com a sociedade civil realizado no dia 12 deste mês.

A consulta popular, chamada de “pacto ético”, busca o apoio da população para proibir que funcionários públicos, de qualquer escalão, tenham bens ou capitais nos chamados paraísos fiscais. A população deverá responder sim ou não à pergunta: “Você concorda que, para desempenhar um cargo de eleição popular ou para ser servidor público, se estabeleça a proibição de possuir bens ou capitais, de qualquer natureza, em paraísos fiscais?”. Se, como se espera, o sim tiver maioria, no prazo de um ano as leis do país deverão adaptar-se à proibição e os servidores públicos deverão repatriar qualquer bem ou capital que tenham nesses paraísos.

As nações ocidentais já rechaçaram a criação de um órgão fiscal da ONU, primeiro na Conferência para o Desenvolvimento, realizada em Adis Abeba, em julho de 2015, e depois na 14ª sessão da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad 14), que aconteceu em agosto de 2015, em Nairóbi.

“Em alguns poucos anos, foram reconhecidos quase universalmente os problemas de evasão fiscal, fraude fiscal e corrupção”, recordou Eric LeCompte, diretor executivo da organização Jubilee USA. “Mas, ao mesmo tempo, vemos uma clara oposição de muitos países ricos à ideia de um órgão fiscal global como parte da solução”, acrescentou.

Segundo LeCompte, “a ONU procura operar por consenso, mas os países também poderiam forçar o voto. A votação, provavelmente, teria sucesso com esse método, mas, sem rever o conceito, é provável que muitos países se negassem a participar do processo”. A proposta original do G77 era criar um grupo intergovernamental permanente de especialistas para atender questões tributárias, como os gravames internacionais, ou ajudar os países a mobilizar e empregar melhor a arrecadação fiscal.

Os países do Sul em desenvolvimento perdem no mínimo US$ 1 bilhão por ano com evasão fiscal e corrupção. Foto: Kristin Palitza/IPS

 

Estima-se que somente na África a fuga de recursos por transferências financeiras ilegais chegou a quase US$ 530 bilhões entre 2002 e 2012, segundo a Unctad, principalmente devido à evasão fiscal comercial, à corrupção governamental e atividades criminosas, incluída a lavagem de dinheiro.

Na reunião com as organizações da sociedade civil, o chanceler equatoriano disse que “nosso governo criou políticas de redistribuição no continente mais desigual da Terra. Nossa prioridade é lutar contra a desigualdade, que causa a maioria dos problemas que temos”. Long explicou que o Equador obteve grande progresso no padrão de vida na última década, principalmente pelas grandes reformas econômicas, como ter triplicado a arrecadação, principalmente melhorando a cobrança, mais do que aumentando os impostos.

“Isso se tornou uma importante fonte para o investimento público. A próxima etapa na luta por uma economia justa é contra os paraísos fiscais, que são um verdadeiro problema ético”, pontuou Long. “Por exemplo, enquanto os migrantes equatorianos trabalham duro muitas horas para enviar dinheiro para o Equador, a elite desvia milhares de milhões  de dólares para os paraísos fiscais”, afirmou Long no painel de discussão intitulado Evasão Fiscal, Fluxo Financeiro Ilegal e Desenvolvimento Global: Um Chamado Para Um Órgão Fiscal da ONU”.

A proposta do Equador contou com apoio de vários especialistas, como Eric LeCompte, do Jubilee USA; Mark Weisbrot, do Centro para a Pesquisa Econômica e Política (CEPR); Elise Bean, assessora do subcomitê permanente sobre pesquisas do Senado dos Estados Unidos; Aldo Caliari, do Center of Concern, e Clark Gascoigne, da coalizão Fact, que foram organizadores do painel em Washington.

“O debate ocorre em um momento crítico. A evasão fiscal e a corrupção fazem com que o mundo em desenvolvimento perca mais de US$ 1 trilhão ao ano”, apontou LeCompte. “É um problema global, que exige uma solução global. Enfrentar os paraísos fiscais é como um jogo de gato e rato. Atende-se o problema em um lado e ele aparece em outro”, acrescentou.

Por sua vez, Weisbrot, um dos diretores do CEPR, afirmou que, “na América Latina, a pobreza passou de 44% para 28% em uma década. A explicação padrão para isso é o auge no preço das matérias-primas, mas o Equador provavelmente seja o melhor exemplo de que isso não é certo”. E observou que “o país precisou realizar várias reformas institucionais, políticas e econômicas para conseguir êxito, e conseguiu. Em 2014 havia reduzido a pobreza em 30%. Diminuiu a desigualdade, melhorou o acesso a saúde, triplicou o produto interno bruto (PIB), que foi dirigido ao investimento público”.

Weisbrot também disse que o Equador “assumiu o controle do sistema financeiro e o regulou realmente, pela primeira vez como deveria ser feito”, e acrescentou que a “consulta popular sobre paraísos fiscais é muito criativa e inovadora”. Por sua vez, Aldo Caliari, diretor do Projeto Repensando Bretton Woods, do Center of Concern, afirmou que “a luta por um órgão intergovernamental não foi ganha em Adis Abeba. Temos que continuar lutando por ele. Trata-se de quem dita as regras do jogo”.

Elise Bean ressaltou que “o Equador nos dá um exemplo de que fortalecendo a capacidade de arrecadação de impostos realmente se contribui para a estabilidade e a capacidade de lutar contra a pobreza. A cultura de pagar impostos é um êxito notável, e é algo a estudar. Devemos tentar replicar em outros lugares”.

E Clark Gascoigne recordou que “o fluxo financeiro ilegal tem um impacto devastador nas nações em desenvolvimento, roubando dezenas de milhares de milhões de dólares. Mas também tem um impacto enorme nos países ricos”, enfatizando que “as últimas estimativas elevam a US$ 150 bilhões ao ano o custo para os Estados Unidos do abuso dos paraísos fiscais, o que exacerba a desigualdade, leva à austeridade e prejudica nossa capacidade de atuar de forma coletiva e resolver os problemas”. Envolverde/IPS