Por Mahfuzur Rahman, da IPS –
Daca, Bangladesh, 2/12/2016 – A crescente perseguição do exército de Myanmar (Birmânia) contra os rohinyás muçulmanos obrigou milhares deles a fugirem do Estado de Rakáin, que acabaram perdidos na fronteira com Bangladesh, desamparados e sem suprimentos básicos. Após um ataque coordenado contra três postos fronteiriços no dia 9 de outubro, quando morreram nove efetivos, o exército da Birmânia atacou os povoados onde reside a comunidade rohinyá e expulsou seus residentes.
A Organização Nacional Rohinyá de Arakan (denominação anterior do Estado de Rakáin), com sede em Londres, denunciou, em 29 de novembro, que as forças de segurança da Birmânia haviam matado mais de 500 pessoas, violado centenas de mulheres, queimado mais de 2.500 casas, destruído mesquitas e escolas religiosas, entre outros abusos.
O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), Anistia Internacional e a Human Rights Watch (HRW), entre outras organizações, expressaram preocupação pela violência na Birmânia e qualificaram a última incursão como a mais grave desde 2012, quando morreram centenas de pessoas nos enfrentamentos ocorridos em Rakáin.
A última operação deixou cerca de 250 mil pessoas deslocadas e afetou outros milhares. Mas o governo birmanês e o exército negam as acusações das organizações de direitos humanos e da minoria deslocada. Por sua vez, o vizinho Bangladesh nega a entrada aos rohinyás, alegando que já recebeu 300 mil deles desde 1977. O governo afirma que não é o único que deve ser responsável pela situação.
“Procuramos administrar com eficiência nossa fronteira para que não haja intrusões ilegais e evitar a entrada de homens armados e terroristas”, declarou, no dia 20 de novembro, o diretor-geral da Guarda Fronteiriça de Bangladesh, Abul Hossain. A crise dos rohinyás é um problema internacional e a atenção a tantas pessoas já se tornou um problema para seu país, acrescentou.
As autoridades birmanesas negam a cidadania aos rohinyás, apesar de viverem nesse país, de maioria budista, há várias gerações, por considerá-los imigrantes ilegais. No dia 24 de novembro, a Anistia Internacional denunciou que numerosos rohinyás tiveram que se esconder cruzando o rio Na’f, que separa Birmânia e Bangladesh, onde ficaram em uma situação precária, sem alimentos, nem medicamentos.
O ministro do Interior de Bangladesh, Asaduzzaman Jan, apontou que muitos rohinyás entram neste país pela montanha, o que torna difícil conter sua chegada. “Esperamos que o governo de Myanmar encontre logo uma solução”, afirmou. Por sua vez, o Acnur pediu ao governo bengali que mantenha aberta a fronteira com a Birmânia, para permitir a passagem segura dos civis que fogem da violência.
A Comissão de Direitos Humanos de Bangladesh informou que nove mil rohinyás entraram no país levados por traficantes de pessoas, apesar de as autoridades reforçarem a guarda costeira e de fronteira desde a escalada da violência na Birmânia, e que devolveram muitas pessoas. Além disso, cerca de três mil pessoas teriam fugido para a China.
O jornal bengali Prothom Alo informou que 1.100 rohinyás entraram em Bangladesh no dia 28 de novembro, depois que o exército birmanês queimou suas casas e fez disparos indiscriminados. No contexto da pressão internacional que essa situação gera, a chancelaria de Bangladesh chamou para consulta seu embaixador na Birmânia, no dia 23 de novembro, e expressou enorme preocupação pela operação militar que obriga os rohinyás muçulmanos a buscarem amparo em seu país.
Também pediu à Birmânia que “garanta a integridade de suas fronteiras e detenha o fluxo de pessoas do Estado de Rakáin. Apesar dos esforços de nossa guarda de fronteira, milhares de cidadãos birmaneses desamparados, entre eles mulheres, crianças e idosos, continuam cruzando a fronteira para Bangladesh”.
O governo bengali não está disposto a aceitar mais rohinyás, mas o Partido Nacionalista de Bangladesh (BNP), um dos maiores, pediu urgência na oferta de refúgio aos deslocados por razões humanitárias. A ex-primeiro-ministro e presidente do BNP, Jaleda Zia, afirmou que “muitos refugiados rohinyás há tempos estão em nosso país, densamente povoado e com cada vez menos terras habitáveis, o que nos causa problemas sociais. Mas peço às autoridades que deem refúgio por razões humanitárias para salvar suas vidas”.
Por sua vez, a diretora da Anistia para a Ásia Meridional, Champa Patel, denunciou que “os rohinyás estão oprimidos por essas cruéis ações, tanto da Birmânia quanto de Bangladesh. Fogem do castigo coletivo na Birmânia e são devolvidos pelas autoridades de Daca. Estão presos entre dois destinos cruéis sem que ninguém atenda sua desesperada necessidade de alimentos, água e atenção médica”.
A perseguição aos rohinyás muçulmanos fez com que milhares de pessoas protestassem, no dia 25 de novembro, em Daca, capital do país de Bangladesh, quando alguns queimaram uma imagem da líder birmanesa Aung San Suu Kyi e uma bandeira desse país. Também havia cartazes onde se ia “abram a fronteira para salvar os rohinyás”.
Suu Kyi, que foi uma grande defensora da democracia e dos direitos humanos na Birmânia, o que a fez passar vários anos em prisão domiciliar e lhe valeu o prêmio Nobel da Paz, agora é alvo de críticas por seu silêncio em relação a essa difícil situação que vive a comunidade rohinyá em seu país.
Seu partido, a Liga Nacional para a Democracia, obteve uma vitória contundente nas primeiras eleições democráticas realizadas na Birmânia em 25 anos, que aconteceram em novembro de 2015. Suu Kyi não pôde assumir a Presidência porque a Constituição impede pessoas com filhos estrangeiros de assumirem o cargo, e os dela são britânicos, mas ficou com o cargo de Conselheira de Estado.
Em Bangladesh também acontece intensa campanha nas redes sociais para que os rohinyás possam entrar no país. Por sua vez, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) informou que milhares de crianças desnutridas sofrem falta de atenção médica e estão em perigo de passar fome.
O diretor do Acnur em Bangladesh, John McKissick, denunciou, no dia 24 de novembro, que “os rohinyás muçulmanos sofrem uma limpeza étnica. As forças de segurança da Birmânia matam homens, atiram contra as pessoas, assassinam crianças, violam mulheres queimam e saqueiam casas, forçando-os a cruzarem o rio para este país”.
Mas o porta-voz da Presidência da Birmânia, Zaw Htay, respondeu que “McKissick deveria manter seu profissionalismo e sua ética como funcionário das Nações Unidas porque suas declarações são apenas acusações”. A HRW, com sede em Nova York, divulgou, na última semana de novembro, imagens obtidas por satélite que mostram mais de mil casas de rohinyás destruídas em cinco localidades do Estado de Rakáin.
Por sua vez, os Estados Unidos pediram uma investigação completa, formal e transparente da violência nesse Estado birmanês e destacaram a necessidade de a comunidade internacional participar da busca por uma solução. Envolverde/IPS