Por Ivet González, da IPS –
Havana, Cuba, 24/1/2017 – “É preciso ter boas e variadas sementes para testar qual se adapta melhor em cada solo”, afirmou o produtor Rubén Torres, que em sua propriedade, no centro de Cuba, obtém de forma orgânica, a cada ano, cerca de 1,6 tonelada de feijão, entre outros alimentos. A importância que este camponês de 71 anos atribui à semente, para que a agricultura possa atender a demanda local da leguminosa, coincide com a avaliação de pesquisadores consultados pela IPS, que propõem incentivar o melhoramento genético e a exploração de outros tipos de leguminosas.
Depois de duas décadas de seleção, Torres cultiva para vender quatro variedades de feijão preto, outras tantas de feijão vermelho e uma de feijão branco. “E tenho outras oito variedades para consumo familiar e realização de pesquisas cientificas”, contou à IPS. Encravado em uma zona pecuária na periferia da cidade de Santa Clara, 268 quilômetros a leste de Havana, seu terreno de se mostra singular porque destina a maior parte de seus 17 hectares ao cultivo de feijão e arroz, os dois itens básicos na dieta dos 11,2 milhões de habitantes do país.
Baños de Marrero, sua propriedade familiar, também está coberta por abacateiros, coqueiros e plantações de milho e tomate. Outros espaços são cobertos por viveiros e alguns grandes repositórios, onde Torres produz 20 toneladas de fertilizante ecológico a partir do húmus de minhoca.
“Os camponeses vão plantar e muitas vezes não têm sementes. Por isso sempre presenteio com as minhas quem necessita. Sem uma semente de qualidade, não se tem êxito”, afirmou Torres, participante do Programa de Inovação Agropecuária Local (Pial), que desde 2000 promove o empoderamento camponês em 45 dos 168 municípios existentes em Cuba. A seu ver “existe uma empresa estatal que vende sementes, mas, para que sejam boas de verdade, devem ser garantidas pelo próprio camponês”.
Com apoio da cooperação suíça e a coordenação do estatal Instituto Nacional de Ciências Agrícolas, o Pial começou ensinando às famílias camponesas do ocidente cubano como obter e selecionar suas próprias sementes, e se expandiu até promover, atualmente, a participação feminina e juvenil no setor agropecuário.
“De fato, sem sementes de alta qualidade não se pode conseguir progressos na produtividade”, ressaltou à IPS o agrônomo Tomás Shagarodsky, sobre um aspecto fundamental para elevar os rendimentos do feijão, o tipo de leguminosa que mais se colhe em Cuba, embora exista potencial para produzir muito mais. Como parte das reformas na agricultura, o setor incentiva, desde 2008, o cultivo de feijão para aumentar a superfície dedicada à sua exploração nas diversas formas produtivas, que são fazendas estatais, cooperativas e pequenos produtores privados.
Entre 2009 e 2014, o país semeou, em média, 126.650 hectares anuais de feijão, obtendo uma média de 118.830 toneladas. Num passado recente, como em 1996, os campos de feijão cobriam apenas 38 mil hectares e rendiam nove mil toneladas ao ano. Agora, o Grupo Agroindustrial de Grãos, pertencente ao Ministério da Agricultura, busca elevar anualmente entre 15% e 20% a produção de feijão, para atender as demandas da população e baixar os altos preços do alimento nos mercados.
“Cuba tem hoje cultivos extensivos de feijão, mas não alcança suas potencialidades de rendimento”, explicou Shagarodsky. Para conseguir melhores colheitas, afirmou que o setor deve solucionar “problemas estruturais”, como escassez de recursos, mão de obra, equipamento e entraves às forças produtivas, e outros mais complexos, relacionados com a mudança climática e a pouca disponibilidade de água.
Nesse sentido, o agrônomo e pesquisador do estatal Instituto de Pesquisas em Agricultura Tropical Alejandro Humboldt (Inifat), que continua o trabalho da primeira instituição científica da agricultura cubana, destacou uma instabilidade sobre a qual pouco se fala. Para ele, “faltam profissionais jovens dedicados ao melhoramento” na sede do Inifat, situada no assentamento Santiago de las Vegas, na periferia de Havana.
“Diminuiu a base de melhoramento, porque os que faziam esse trabalho se aposentaram, outros morreram ou partiram”, lamentou Shagarodsky, entre as paredes descascadas e sob os tetos deteriorados do centro. “É preciso mudar isso e pagar salários mais atraentes”, ressaltou.
Em coleções vivas e câmaras refrigeradas, o Inifat conserva a maior quantidade dos recursos genéticos de Cuba. Em seu banco de germoplasma, guarda 3.250 das 18.433 sementes mantidas em toda a rede nacional de instituições que realizam esse trabalho. As leguminosas constituem 46% dos recursos preservados pelo Instituto. A entidade mantém 1.465 variedades de leguminosas, entre elas feijão, amendoim, grão-de-bico, soja, lentilha e ervilha.
Pela relevância de seu trabalho, o Inifat foi a sede escolhida em dezembro para encerrar, no país, as atividades do Ano Internacional das Leguminosas, como 2016 foi declarado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Theodor, representante em Cuba da FAO, disse nesse encontro que as leguminosas ajudam em dois sentidos a segurança alimentar: têm alto valor proteico e adubam de maneira natural os solos com nitrogênio.
Friedrich acrescentou que “o plantio de leguminosas é a única forma de dar nitrogênio ao solo sem lançar mão de adubo. E tem importantes propriedades nutricionais”, como zero colesterol e glúten, alto conteúdo de ferro, zinco e nutrientes. Por essas e outras razões, a FAO apoia seu cultivo nas províncias ocidentais de Pinar del Río e Artemisa, em um projeto que pretende fortalecer, até 2018, as capacidades locais para produzir de forma sustentável grãos básicos biofortificados e adaptados à mudança climática, entre eles vários tipos de leguminosas.
“Nós comemos todos os tipos, desde feijões até grão-de-bico e lentilha. Para as crianças são muito importantes, por pertencerem às chamadas proteínas vegetais”, apontou à IPS a trabalhadora autônoma Misalis Cobo, que vive com seu filho de seis anos, no município de Cerro, na região da capital. “Consumimos feijão da cota (racionamento) e os outros tipos compro nos mercados e lojas”, detalhou essa mulher de 37 anos. “Posso enfrentar essas compras apesar de caras, porque me rendem muito. Somos apenas eu e o menino. Mas, para as famílias grandes e com poucos recursos, são caros”, ponderou.
Cada pessoa recebe uma pequena cota mensal de feijão a preços subsidiados por meio da caderneta de racionamento, mas, para tê-lo na mesa durante todo o mês, precisam comprar mais feijão e outras leguminosas nos mercados agropecuários estatais privados e lojas de alimentos importados. Os preços oscilam entre US$ 0,50 e US$ 1,20 por meio quilo de leguminosas, em um país onde o salário médio equivale a US$ 23 mensais no setor estatal, o grande empregador cubano.
América Latina, a potência em feijões
O feijão é cultivado em todo o planeta, e os países da América Latina cobrem mais de 45% da sua produção mundial, segundo da FAO. A incidência da seca nos últimos anos afeta os rendimentos das colheitas de feijão, um produto básico da economia e da dieta camponesa na região. Estudos arqueológicos revelam que o feijão é originário do continente americano, com evidências que datam de 5.000 a 8.000 anos. México e Peru disputam como lugar de origem dessa leguminosa. Envolverde/IPS