Por Redação da SOS Mata Atlântica –
Promovido nesta quinta-feira (29) pela Fundação SOS Mata Atlântica, em São Paulo, o evento “Tietê Vivo: Seminário Internacional de Recuperação dos Rios Metropolitanos” fez um balanço sobre a questão do saneamento ambiental no Estado e discutiu alternativas para acelerar a despoluição do maior rio paulista, abordando os principais desafios para o Projeto Tietê e experiências de outros países.
No encontro foi divulgado um relatório completo sobre o histórico e a atual situação da Bacia do Tietê. As informações foram entregues ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e serão encaminhadas ao Governo do Estado de São Paulo.
Com exposições feitas por especialistas e entidades do Brasil e do exterior, incluindo Portugal e Uruguai, o seminário foi mediado pela jornalista Paulina Chamorro e teve a presença de representantes do BID, da Sabesp e dos governos estadual e federal. A tônica da discussão girou em torno do papel da sociedade na cobrança de políticas eficientes de saneamento básico e da possibilidade da criação de um pacto para o aperfeiçoamento da gestão hídrica no país.
“Os rios são espelhos da situação das cidades. Em São Paulo, vivemos no maior polo econômico do Brasil e convivemos com um rio morto há mais de 25 anos”, lembrou Malu Ribeiro, coordenadora da Rede das Águas da Fundação SOS Mata Atlântica. “Mas a principal diferença do Projeto Tietê para as outras iniciativas de despoluição é que a sociedade paulista nunca deixou de acreditar nesta causa. Para que os projetos de saneamento sejam permanentes, e não atrelados a um governo, este tipo de mobilização é fundamental.”
Mario Mantovani, diretor de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, reforçou a importância da participação popular na criação e fiscalização dos projetos de despoluição do Tietê. “Na época da criação do Projeto Tietê, ainda sem redes sociais, conseguimos 1,2 milhão de assinaturas. Com isso, a sociedade nos credenciou a buscar um controle social do projeto e cobrar as autoridades. Nosso trabalho foi de construção de uma política pública, pois, ao lutar pelo Tietê, nós trabalhamos pela causa hídrica em todos os outros rios do país.”
No seminário, foi apresentado o relatório “25 Anos de Mobilização: O retrato da qualidade da água e a evolução dos indicadores de impacto do Projeto Tietê”. Entre os dados apresentados estão o atual trecho considerado morto do Tietê, de 137 quilômetros, e um levantamento que mostra a cobertura florestal ao longo da bacia. “O projeto hoje é focado na bacia do Alto Tietê, mas o ideal é que o rio seja tratado por inteiro, em todas as seis bacias, pois cada uma tem problemas e realidades diferentes”, afirma Malu. “A SOS Mata Atlântica também vai levar daqui até 2018, no Fórum Mundial da Água, nossa campanha Saneamento Já, que pede o fim dos rios mortos no Brasil.” Mais detalhes e a petição para assinatura da campanha estão disponíveis no site www.saneamentoja.org.br.
Exposições e debate
Após a abertura feita pelos especialistas da SOS Mata Atlântica, Hugo Florez Timoran, representante do BID no Brasil, destacou que a parceria de mais de duas décadas com a ONG se tornou referência. “Estes projetos de despoluição levam tempo, exigem esforço e demandam muitos parceiros. O aporte do BID tem sido técnico e financeiro, com investimentos de mais de 1,2 bilhão de dólares nas primeiras três etapas. Vemos que muito já foi feito, mas há muito ainda a percorrer”, afirmou.
Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, iniciou as exposições apresentando os principais desafios envolvendo a despoluição do Rio Tietê e a questão do saneamento básico no Brasil. Para ele, os investimentos no setor não acompanharam o crescimento populacional e a exploração imobiliária desde a década de 70, e a sociedade deixou de cobrar. “Os indicadores de qualidade na Bacia do Alto Tietê são péssimos. Nas 37 cidades, 20 tratam menos de 25% do esgoto; 8 tratam mais de 50%. Se pegarmos os últimos 10 anos, o avanço foi muito pequeno”, afirmou Édison. “A gente acreditou que rio era feito para diluir esgoto, hoje estamos colhendo os frutos de uma história de descaso completo.”
O alto crescimento populacional, além da expansão urbana desordenada, também foi apontado pela representante da Sabesp, Andrea Ferreira, como o principal desafio – por isso, segundo ela, a empresa tem priorizado as regiões periféricas, com maiores dificuldades de execução técnica. Coordenadora de Planejamento do Projeto Tietê, Andrea reconheceu que nos últimos dois anos, com a crise hídrica paulista e a crise econômica no país, algumas obras foram retardadas. “A partir do final do ano vamos retomar todas as licitações para chegar até 2020 com 84% de tratamento na região metropolitana. Desde o começo do projeto, avançamos de um tratamento de 4 mil litros/segundo para 16 mil, o que equivale a uma população de 8 milhões. A meta é até 2020 chegar a 27, com a universalização da coleta e tratamento de esgoto”, afirmou.
Paulo Constantino, porta-voz do Movimento pro-Tejo, trouxe de Portugal um exemplo de como a sociedade pode atuar de forma decisiva para a despoluição. Com um resumo das ações realizadas no rio, destacou a consulta pública que levou à criação de um Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Rio Tejo 2016/2021. “Hoje o movimento conta com 38 organizações e a adesão de mais de 2.500 pessoas. Sem a competente ação de vigilância e o controle de autoridades responsáveis, é preciso a ação de organizações e da sociedade em geral, inclusive pelas redes sociais”, afirmou.
Outra experiência positiva apresentada no seminário veio da Bacia do Rio Prata, no Uruguai. Jorge Alsina, engenheiro responsável pelo Plano de Saneamento Urbano de Montevidéu, mostrou como a parceria de 35 anos com o BID, desde 1981, tornou a cidade uma das primeiras capitais com saneamento adequado na América Latina.
“Entre as lições aprendidas estão o esforço de manter um projeto de longo prazo como política de estado e o seu gerenciamento por especialistas técnicos, e não por políticos, indo além do ciclo eleitoral”, explicou Alsina.
A última exposição foi feita por Stela Goldenstein, diretora-executiva da Associação Águas Claras do Rio Pinheiros, que reforçou a urgência de uma nova cultura do espaço urbano e de suas águas, para além da busca de novos padrões de tecnologia, engenharia ou gestão. “Nossa métrica não pode ser apenas a da companhia de saneamento, a métrica da sociedade tem que ir muito além disso. Não existem, por exemplo, planos de recuperação para as bacias urbanas, as responsabilidades hoje estão divididas. Muitas vezes a urbanização, quando chega, tem bons resultados, mas pouca continuidade”, afirmou.
Para a revitalização de bacias urbanas, Stela defende persistência nas metas, continuidade e fiscalização social. “É preciso criar uma agenda intermunicipal de gestão hídrica. Não há uma agenda em comum, apenas uma herança em comum. Integração não se dá apenas por que a lei prevê ou um engenheiro determina, é uma ação política empurrada pela sociedade, buscando metas para o interesse comum”, disse. “Há uma zona institucional cinzenta que tem sido nosso calcanhar de Aquiles. Nossos modelos institucionais, financeiros e de decisão não estão à altura dos anseios da sociedade. Além disso, é muito difícil a articulação entre os entes da União.”
Na parte final do seminário, o secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente, Ricardo Soavinski, e o presidente da Sabesp, Jerson Kelman, se juntaram aos participantes para um breve debate sobre os temas discutidos, respondendo a perguntas do público. Kelman afirmou que, no ritmo atual, o projeto de despoluição do Tietê deve levar mais 20 anos – segundo ele, a aceleração do projeto é possível do ponto de vista técnico, mas somente poderia ser colocada em prática por meio de novas fontes de financiamento, como o aumento da tarifa.
“A despoluição do Tietê poderia ser mais rápida, mas temos que ter recursos e um pacto da sociedade, que passa pelo aumento de tarifa. Em Londres, se paga quatro vezes mais e se tem serviço completo. Para ter este serviço completo aqui, é preciso um maior pagamento, que deve vir não pelo governo, que não tem mais dinheiro, e sim pela sociedade. É preciso cobrar a Sabesp para cada vez fazer mais por menos, mas não conseguimos fazer mágica”, disse Kelman.
No plano nacional, Ricardo Soavinski lembrou que a questão do saneamento básico ainda está longe de encarada como prioridade entre as políticas públicas. “Muitos estados foram buscar recursos com o governo e conseguiram implantar infraestrutura, mas ainda falta gestão”, afirma. (SOS Mata Atlântica/ #Envolverde)
* Pubilcado originalmente no site SOS Mata Atlântica.