Sociedade

A centenária maior Universidade Federal do Brasil - conquistas e perspectivas

Por Denise Pires de Carvalho*,  Revista Plurale –

Comemoramos, no dia 07 de setembro de 2020, cem anos de existência, o que não é muito tempo para uma instituição de ensino, pesquisa e extensão. Evoluímos muito neste curto espaço de tempo, apesar das inúmeras crises que enfrentamos. Entretanto, ainda há muito a ser construído para chegarmos ao país que sonhamos, menos desigual e com a perspectiva de pleno emprego. A cada crise, as universidades ressurgem ainda mais fortalecidas. Essa é a história que acompanha as sociedades desde o surgimento dessas seculares instituições mundo afora, porque se tornaram berços da ciência contemporânea. Desde o renascimento, com a consolidação do método científico, houve avanços inimagináveis para a humanidade e isso é inquestionável. No Brasil, houve demora na implantação do ensino superior, pois éramos uma colônia de exploração e, portanto, durante alguns séculos não houve intenção da corte em promover o desenvolvimento do país. No entanto, a partir do aumento da produção de bens de consumo na Europa, se inicia paralelamente o processo brasileiro de transição Império-República que se entrelaça com a transição do trabalho escravo para o trabalho livre. Sendo assim, apenas a partir do final do século XVIII e inicio do século XIX as primeiras escolas de ensino superior começaram a surgir, mas eram escolas isoladas, voltadas à formação profissional da elite brasileira que anteriormente estudava na Europa. Seguia-se no Brasil daquela época o modelo napoleônico de formação profissional de nível superior, desconectado da produção cientifica, artística e cultural, que na França acontecia principalmente nos institutos de pesquisa e nas escolas de artes. No início do século XIX, um novo modelo de ensino superior foi implantado na universidade de Berlim, associando o ensino à produção do conhecimento. A partir de então, esse modelo se fortaleceu nas principais universidades do mundo, tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos da América, e prevalece nos países desenvolvidos da atualidade.

A UFRJ, assim como a USP, fora formada inicialmente pela junção de escolas de nível superior pré-existentes, mas a partir da década de 1940 decidiu-se que exerceriam também atividades de pesquisa e desenvolvimento e, assim, serviriam de modelo para as demais instituições públicas de Ensino superior do Brasil. Naquela época, um novo projeto de Estado brasileiro começava a ser estabelecido, o projeto de nação desenvolvida, que depende de instituições especializadas na produção de conhecimento de ponta. A UFRJ foi denominada a “Universidade do Brasil” em 1937 e certamente fomos um dos berços brasileiros deste modelo que hoje congrega mais de cem instituição de pesquisa: as universidades públicas brasileiras que são locais de alta produção cientifica, artística e cultural em todas as regiões do país, associando a geração do conhecimento à formação de pessoas altamente qualificadas, com liberdade de pensamento, emancipadas e críticas. A UFRJ atual forma anualmente cerca de 7.000 profissionais no nível da graduação, além dos mais de 2.500 mestres e doutores nos programas de pós-graduação de excelência. Há riqueza estrutural e de pessoal nessa instituição centenária. Nossos servidores estão entre os mais qualificados do país e funcionamos em três campi, com mais de 10 prédios tombados, mais de 15 museus, mais de 45 bibliotecas e mais de 1.600 laboratórios de pesquisa, que se associam a empresas nacionais e internacionais, gerando riqueza e renda para o nosso país. Conquistamos lugar de destaque entre universidades da América Latina e do mundo, mas podemos melhorar se o financiamento for restabelecido, a burocracia diminuir, a gestão se modernizar e o desenvolvimento da indústria nacional finalmente ocorrer. O sistema de ciência e tecnologia brasileiro depende das instituições públicas que produzem mais de 95% do conhecimento brasileiro, o que proporcionou, como exemplos: o avanço do agronegócio, a possibilidade de extração de petróleo em águas profundas e o correto enfrentamento de novas doenças como a Zyka, a Chikungunya e mais recentemente a COVID-19, devido ao desenvolvimento de novos testes diagnósticos, medicamentos e vacinas. Esse é o verdadeiro Brasil do futuro e corresponde ao modelo de nação que não deve ser ameaçado.

Devemos seguir trilhando esse caminho para nos tornarmos uma nação soberana, com o necessário fortalecimento da indústria nacional, mas com o devido cuidado para preservar o meio ambiente. É mister nos distanciarmos cada vez mais do paradigma de colônia exportadora de “commodities”. Para isso, precisamos olhar para o futuro, com a quarta revolução industrial batendo à nossa porta: a indústria 4.0, a inteligência artificial, a convivência cada vez maior com robôs e a fundamental inovação social e disruptiva. Nessa nova era, as universidades cumprirão um papel ainda mais importante para a sociedade, por serem as instituições mais preparadas, nos dias atuais, para enfrentar os enormes desafios que essa nova revolução tecnológica impõe à humanidade. Nossa centenária universidade esta pronta para vencer mais esses desafios, porém o país precisa escolher o seu rumo. A emenda que impõe teto de gastos (EC95) às áreas de educação, ciência e tecnologia precisa ser urgentemente revista, sob a pena de perdermos o bonde do futuro e ingressarmos de volta ao passado como nação subserviente e periférica.

Oxalá possamos trabalhar para deixar o legado de um país mais bem posicionado no cenário internacional, mais integrado às demandas atuais da sociedade nacional e internacional, mais moderno e equânime. Precisamos voltar a acreditar no verdadeiro Brasil do futuro, que deveria estar se preparando adequadamente no presente, o que é impossível sem o adequado investimento per capita comparado àquele de nível internacional. As instituições públicas de ensino, pesquisa e extensão são hoje as joias da nossa coroa. Não podemos perdê-las, sob a pena de estarmos definindo um futuro cada vez mais incerto para os nossos jovens.

 

(*) Professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ e Pesquisadora nível 1 do CNPq. Atua como docente nos cursos de Graduação da área da Saúde e nos Programas de Pós-graduação em Medicina (Endocrinologia) e Ciências Biológicas-Fisiologia da UFRJ. Foi orientadora na turma fora de sede da UECE e no Mestrado Profissional da UFRJ para Formação Científica de Professores de Biologia. Médica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1987 (diploma Cum Laude), possui mestrado em Ciências Biológicas (Biofísica) (1989) e doutorado em Ciências (1994), ambos pelo Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho. Pós-doutorado no Hôpital de Bicêtre, Unité Tiroïde, Paris, e na Universitá Degli Studi di Napoli, Itália. Foi Diretora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (2010-2013), Coordenadora Acadêmica da Pró-reitoria de Graduação da UFRJ, Diretora Adjunta de Graduação (1998-1999) e de Pós-graduação (2001-2005) e vice-Diretora do Instituto de Biofísica da UFRJ (2007-2010). É a primeira mulher eleita Reitora da história da UFRJ para o período 2019/2023 por eleição que começa em consulta à toda a comunidade e depois eleição no colégio eleitoral, formado pelos colegiados superiores.

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