por Samyra Crespo, especial para Agência Envolverde –
Embora nosso país pouco aprenda com o que passou.
Vejo na TV uma fala curta do Betinho, a título de chamar para uma série documental, que nos diz:
“uma coisa é viver a história, outra é contá-la”.
Acho que ele se refere a dois tempos. Um que é tecido em acontecimentos e vai ao compasso cardíaco do coração e outro em que a memória seleciona o que quer lembrar e o que quer contar.
Por isso dizemos que o resgate histórico tem que ser coletivo. Contar o vivido é tarefa para mais de um.
É recorrente ouvir que o Brasil negligencia a sua história. Talvez porque o passado encerre – sem encerrar de verdade – muitos fatos tristes, como a escravidão, os pactos oligárquicos que perpetuaram a desigualdade, e mais recentemente a Ditadura.
Em termos ambientais, a ferro e fogo como dizem Pádua e Warren Dean, somos campeões em tirar mais valia da natureza e desperdiçar recursos.
Lembrar por aqui dói. E nossos poucos heróis são quase sempre brindados com um solene esquecimento.
Comecei esta série quando percebi, chocada, que os mais jovens não sabiam quem tinha sido Chico Mendes. E que um constrangido ministro se via flagrado em sua ignorância num programa televisivo.
Falta de cultura? Falta de memória.
Ao participar dias atrás do Congresso da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental (Envolverde/Unibes, São Paulo) – pude verificar, encontrando varias gerações de jornalistas que cobrem a área, como é importante cultivar a memória e contar a história.
Encontrei no primeiro dia o jornalista Ricardo Carvalho, passado dos 60 (como eu) e engajado na causa desde os anos 90′, quando já era profissional experimentado.
Hoje ele preside a ABI/SP, mas fomos parceiros em muitos projetos e entre eles o Site Memória do Meio Ambiente. Criamos na antevéspera da Conferência de Joanesburgo (2010) mas não decolou. A midia internética não estava como hoje a pleno vapor.
Mas o grande sonho do Ricardão (assim afetuosamente chamado no meio) era dirigir uma TV do Meio Ambiente.
ma TV digital que promovesse o que ele chamava de uma “nova estética”, uma outra maneira de comunicar que ultrapassasse a linguagem dominante da National Geographic: muito bicho, muita paisagem, mas longe, bem longe das quebradeiras de coco babaçu, dos catadores, dos extrativistas, dos indígenas brasileiros e das mazelas urbanas. Quero mostrar um ambientalismo quente, com gente” dizia.
Investiu recurso próprios, montou um estúdio na própria casa, foi à cata de grana (chamamos pomposamente de captação) e deu com os burros n’água.
Conseguiu, num desses dias em que se comemora o meio ambiente (5 de junho) – manter um programa 24 horas no ar. Durante todo esse dia desfilaram nas gravações grandes figuras do ambientalismo brasileiro. Depoimentos emocionantes. Registros ainda possíveis de ser resgatados no Youtube.
No Congresso, e neste tempo grave – quando o patrimônio ambiental brasileiro está sob forte ameaça – ele voltou a falar apaixonadamente da necessidade de comunicar para o grande público, com poesia e beleza, o que significa a luta por um mundo melhor e por um ambiente mais equilibrado.
O Ricardão, ou Carvalhão (ele é alto e corpulento) remoça e renova nossas crenças com sua voz tonitruante.
Abre braços largos e afetuosos para velhos e jovens jornalistas. Também para os estudantes que ali estiveram.
Faz a gente acreditar que a estrada, apesar dos percalços, é senda da melhor esperança.
Suas palavras e ações repercutem. Porque sonhamos juntos.
Somos muitos.
Samyra Crespo é cientista social, ambientalista e pesquisadora sênior do Museu de Astronomia e Ciências Afins e coordenou durante 20 anos o estudo “O que os Brasileiros pensam do Meio Ambiente”.
(#Envolverde)
Este texto faz parte da série que publico semanalmente para o site ENVOLVERDE/CARTA CAPITAL sobre o ambientalismo brasileiro.