Aos poucos, o Brasil se anima com a Copa. Se Neymar trocar quedas por gols, aí ninguém segura mais. O país vai parar
Os partidos de centro aguardam a Copa para definir seus candidatos. Já o PT vai esperar um pouco mais, na expectativa de fazer um gol na prorrogação ou, se não der, deixar a decisão para os pênaltis.
Mas a crise social não aguarda o final da Copa. Está batendo na porta e pedindo que se faça um debate sério de como enfrentar o drama social brasileiro, após uma queda de 8,2% no PIB per capita, entre 2014 e 2017, quase 14 milhões de desempregados e um déficit fiscal de R$ 170 bilhões.
No Rio de Janeiro, a intervenção militar agravou a insegurança. Tiroteio no Complexo da Maré matou Marcos Vinicius da Silva, 14, que ia para a escola. Foi o 50º cidadão e a oitava criança a morrer ao ser vítima de bala perdida na “Cidade Maravilhosa”, em 2018.
Em São Paulo, uma legião de miseráveis perambula pelo espaço público. A situação, que já era grave, tornou-se dramática. Caminhar à noite nos bairros centrais virou uma corrida de obstáculos, com tantas pessoas dormindo ao relento.
Nas calçadas, nos semáforos, na saída de bares e restaurantes, a abordagem de pedintes alcançou níveis inusitados. Homens com placas de “eu tenho fome” viraram rotina. Muitos ensaiam limpar o para-brisa por uma moedinha. Outros não pedem dinheiro, mas a compra de um sanduíche, de uma coxinha, de um alimento qualquer.
Tamanha crise e nenhum dos três níveis de governo estruturou uma política emergencial para enfrentar o drama dos que não dispõem do mínimo para sobreviver. Nos quatro anos de crise, 430 mil famílias perderam o atendimento pelo programa Bolsa Família no país.
Em São Paulo, a prefeitura (responsável pelo cadastro) ampliou o número de beneficiários de 229 mil para 479 mil durante o governo Haddad. A atual gestão manteve esse patamar. Mas o benefício médio do Bolsa Família (R$ 146,73) é irrisório em uma cidade cara como São Paulo.
O Programa Trabalho Novo foi muito divulgado, mas os resultados são escassos. A maioria dos que obtiveram colocação em empresas não ficou no emprego. Exceções foram para a publicidade da gestão Doria.
O perfil da população em situação de rua tem se alterado, com uma presença cada vez maior de mulheres e crianças. São famílias despejadas por falta de pagamento de aluguel ou expulsas de ocupações por reintegrações de posse.
A violência e a miséria começam a ser naturalizadas pela sociedade, como algo inevitável. O risco é as pessoas se acostumarem com essa situação degradante, como ocorre em alguns poucos países, muito mais pobres que o Brasil. Isso é inaceitável.
*Nabil Bonduki foi vereador em São Paulo e é arquiteto urbanista.
Artigo publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo.