Por Sônia Araripe, Editora de Plurale –
Os principais temas sobre sustentabilidade nos últimos 10 anos foram apresentados na tela do programa “Cidades e Soluções”, apresentado na GloboNews pelo jornalista André Trigueiro. Clima, água, energia, a questão do lixo e reciclagem, acidentes como o que soterrou dois distritos de Mariana (MG) pela mineradora Samarco (o maior da história da América Latina) e tantos outros assuntos tiveram destaque na abordagem desta que é uma das principais mídias no segmento.
Na agradável conversa, o colega jornalista seleciona algumas das reportagens que mais ficaram marcadas em sua memória nesta década. “A virada energética da Alemanha (2013), a guerra contra a poluição do ar na China (2014) e o terrível desastre de Mariana (2015) foram as reportagens mais marcantes que fiz.” Conta também sobre o privilégio de ter entrevistado alguns dos principais pensadores e âncoras do movimento sustentável neste período, como Noam Chomsky, Vandana Shiva, Al Gore , Jeffrey Sachs, entre outros, permitindo “semear” o que chama de ecodicas para os espectadores.
Super premiado, sem jamais perder o foco na simplicidade, o jornalista conta que tem uma identificação espiritual com o tema sustentabilidade. E, apesar de 30 anos na atividade, ainda se sente “um aprendiz diante de tanto conhecimento, tanta informação relevante. É um universo apaixonante.”
Tivemos a sorte de sermos testemunha ocular da trajetória profissional de André: começamos praticamente na mesma época, ele pela Rádio Jornal do Brasil, eu na redação da Economia do Jornal do Brasil. Curiosamente, também a nossa Plurale completa 10 anos agora, em setembro de 2017. Orgulho de trilharmos e militarmos a mesma busca pela migração para a economia de baixo carbono. Otimista, assegura que “as soluções existem”. Confira a entrevista.
Plurale – Como surgiu a ideia do livro? Como fizeram o “garimpo” para selecionar os principais temas, já que o programa ao longo destes 10 anos apresentou um sem número de reportagens e abordagens as mais variadas?
André Trigueiro – Foi ideia da minha mulher. Claudia é telespectadora assídua do Cidades e Soluções e achou que esses 10 anos de existência (mais de 400 programas exibidos e 24 prêmios conquistados) constituíam um legado importante que deveria ser eternizado num livro. Mas a obra não é simplesmente uma coletânea dos melhores programas. A seleção que fizemos justificou uma atualização dos dados e novos conteúdos que foram adicionados à obra. Compartilhamos ainda “ecodicas”, histórias deliciosas sobre os bastidores das gravações e um resumo das entrevistas que fizemos com alguns pensadores ilustres como Noam Chomsky, Vandana Shiva, Al Gore, Jeffrey Sachs, entre outros. O resultado é espetacular.
Plurale – Você vem de uma longa trajetória como jornalista, à qual tivemos o privilégio de acompanhar, desde os tempos da Rádio Jornal do Brasil. Se encontrou na TV não só no telejornalismo do noticiário diário, mas, especialmente, como especialista em Sustentabilidade. Como foi desbravar e assegurar este espaço na GloboNews?
Trigueiro: Não planejei essa trajetória. Ela vem acontecendo, e devo dizer que nada me foi dado de bandeja. Tenho orgulho de olhar para trás e perceber que fui conquistando a confiança das pessoas próximas a partir do meu trabalho. Tenho uma identificação espiritual com o tema da sustentabilidade e fui buscar uma formação fora do jornalismo para entender melhor a complexidade desse assunto que se renova a cada dia. O incrível é que já estou nessa há quase 30 anos e me sinto um aprendiz diante de tanto conhecimento, tanta informação relevante. É um universo apaixonante.
Plurale – O público passou a acompanhar e gostar deste tema em uma década? Deixou de ser um tema para “os iniciados/ os mesmos”?
Trigueiro: Sem dúvida. Se ainda estamos na grade da GloboNews (com reprises no Canal Futura e presentes no acervo de vídeos do Museu do Amanhã) é porque esse tema vem crescendo em importância e interesse. A evolução do conhecimento na área da sustentabilidade vem determinando mudança de hábitos, comportamentos, estilos de vida e padrões de consumo. Em 10 anos há mais gente preocupada em economizar água e energia, andar de bicicleta nas cidades, consumir com moderação, priorizar alimentos orgânicos, reciclar o lixo, etc. É um processo que avança lenta e progressivamente. Trata-se de uma nova cultura, e não se muda cultura por decreto ou medida provisória. É devagar mesmo. Mas não tem volta.
Plurale – Há um efeito cada vez mais multiplicador – pessoas, ongs e empresas replicando as boas soluções apresentadas pelo programa?
Trigueiro: Já inspiramos projetos de Lei em Brasília, políticas públicas no Ministério do Meio Ambiente, novos modelos construtivos, aulas em escolas e universidades…A lista é longa, mas evito compartilhar os detalhes porque poderiam confundir isso com exibicionismo. O que me importa é ser útil para alguém. O jornalismo precisa ser útil. Num mundo que experimenta uma crise ambiental sem precedentes na História da Humanidade, as soluções se tornam ainda mais urgentes e preciosas.
Plurale – O mercado publicitário passou realmente a entender a relevância da mídia sustentável?
Trigueiro: Quem patrocina as mídias antenadas com sustentabilidade descobre rápido que está posicionando a marca no lugar onde estão a esperança, a verdadeira prosperidade, o prazer de viver num planeta em equilíbrio. Cresce o interesse das pessoas em saber como transformar o mundo num lugar melhor e mais justo. Isso passa pela sustentabilidade. São muitas as mídias que realizam a nobre missão de reportar os caminhos de um estilo de vida mais sustentável, e há patrocinadores atentos a isso. Mas eles podem ser mais numerosos. A hora de apoiar é essa.
Plurale – Qual foi a reportagem que mais te marcou ao longo destes 10 anos? A tragédia de Mariana?
Trigueiro: A virada energética da Alemanha (2013), a guerra contra a poluição do ar na China (2014) e o terrível desastre de Mariana (2015) foram as reportagens mais marcantes que fiz. Mas tive o privilégio de acompanhar de perto tantos movimentos curiosos e inovadores…Difícil resumir 10 anos numa resposta.
Plurale – E qual foi, por outro lado, o programa que gerou maior audiência/retorno do público ao longo destes anos do ponto-de-vista positivo, de multiplicação?
Trigueiro: Os programas que mostram soluções caseiras para o lixo (reciclagem, criação de minhocas, composteiras, etc.) são invariavelmente inspiradores para muita gente. Certa vez mostramos um programa sobre plantas que limpam o ar de casa ou do escritório que também “bombou”. Outro programa que foi muito bem avaliado mostrou como tratar o esgoto das cidades usando plantas da Bacia do rio Nilo, sem adicionar produtos químicos ou gastar energia. Tudo isso funciona muito bem e inspira as pessoas.
Plurale – Em 10 anos, muitos fatos e mudanças marcaram a área socioambiental – no Brasil e no mundo. Como a Rio + 20; a questão do clima; a crise da água; investimentos fortes no Brasil em energia renovável; avanços nas cidades e também em empresas em ações realmente sustentáveis e por aí vai. O Cidades e Soluções registrou estas mudanças. O que você imagina que ainda virá pela frente? Quais são as tendências dos próximos 10 anos?
Trigueiro: Uma estrondosa revolução energética que vai surpreender muita gente, e que deverá produzir terríveis estragos nos setores da economia ainda fortemente vinculados aos combustíveis fósseis. A capacidade de estocar em baterias inteligentes a energia do sol ou do vento é a bola da vez. A Tesla deu o pontapé inicial com a Powerpack e a Powerwall. Uma corrida tecnológica mobiliza países como Estados Unidos, China e Alemanha. O mundo será bem diferente a partir dessas inovações. Outra mudança importante será a universalização da água de reuso. Beber água tratada de esgoto será algo comum. Isso já acontece nos Estados Unidos, Namíbia e Cingapura. Eu bebi e não senti nenhuma diferença (rs).
Plurale – Que recado você gostaria de deixar para o seu público?
Trigueiro: Todas as crises trazem lições valiosíssimas. Não tenho dúvida alguma de que a informação acelera processo na direção de uma nova consciência, mais ética e sustentável. O jornalismo também serve para isso, inspirar as mudanças que precisam ter lugar no mundo em favor da coletividade. Este livro foi escrito com esse objetivo. As soluções existem. Quanto mais gente souber disso, melhor.
Entrevista publicada originalmente pela Plurale