Nairóbi, Quênia, 22/8/2014 – Na pressão para salvar meninos e meninas com HIV e tratar suas mães, especialistas alertam que na África se está esquecendo de um elemento fundamental na prevenção do contágio: anticoncepcionais para as mulheres soropositivas. Os anticoncepcionais são o segundo pilar de uma prevenção de sucesso da transmissão do vírus HIV de mãe para filho, além de evitar a infecção de mulheres e bebês, bem como cuidar das pessoas portadora desse vírus, causador da aids.
“As necessidades de anticoncepcionais das mulheres com HIV costumam ser ignoradas, pois a maior atenção se concentra em manter saudáveis filhos e mães”, disse à IPS Florence Ngobeni-Allen, porta-voz da Fundação Elizabeth Glaser de Aids Pediátrica. Esta sul-africana, que em 1996 soube que era portadora do HIV, perdeu um bebê por causa da aids, mas logo teve outros dois filhos sadios.
A anticoncepção é fundamental na África oriental e austral, onde à alta prevalência do vírus se soma a grande demanda insatisfeita de planejamento familiar. Nesta área, oito em cada dez mulheres soropositivas estão em idade reprodutiva, segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Os estudos sugerem que as mulheres com HIV têm igual, “quando não mais, desejo de limitar a maternidade em comparação com as que não têm o vírus”.
“Reduzir as necessidades insatisfeitas em matéria de planejamento familiar neste setor da população é fundamental para cumprir o objetivo de diminuir as novas infecções em 90%”, diz o informe Mulheres em Voz Alta, da Organização das Nações Unidas (ONU). Pesquisas com mulheres soropositivas no Quênia e no Malawi mostram que quase três em cada quatro entrevistadas disseram não querer mais filhos nos dois anos seguintes, mas apenas um quarto delas usa anticoncepcionais modernos.
Um estudo da organização Family Health International com mulheres portadoras do vírus da aids em Ruanda, Quênia e África do Sul mostrou que mais da metade não haviam planejado a última gravidez. E, quando as mulheres se interessavam no planejamento familiar, era difícil o acesso aos serviços. Um dos obstáculos foi o pessoal da saúde: desconheciam as opções de anticoncepcionais para portadoras do HIV, a maioria só oferecia preservativos masculinos, apesar de as mulheres preferirem injeções ou implantes de longa duração e muitos emitiam juízo de valor sobre a vida sexual das pacientes.
“Às vezes as enfermeiras se esqueciam que as mulheres têm uma vida sexual ativa quando ficam sabendo que são soropositivas”, pontuou Ngobeni-Allen. Cerca de 25% das mulheres no Quênia não têm as necessidades de anticoncepcionais atendidas, mas essa proporção chega a 60% entre as soropositivas, destacou à IPS o médico John Ong’ech, diretor-adjunto do Hospital Nacional Queniano.
As carências no acesso ao planejamento familiar para mulheres com HIV – que têm entre seis e oito vezes mais probabilidades de morrer por complicações relacionadas à gravidez, em comparação com as que não têm o vírus – “é uma debilidade dos programas de saúde”, reconheceu o médico, embora seja mais barato e efetivo fornecer anticoncepcionais do que realizar o tratamento para evitar a transmissão de mãe para filho.
Mary Naliaka, especializada em aids pediátrica no Ministério da Saúde do Quênia, disse à IPS que o planejamento familiar deve integrar o programa de tratamento do HIV e oferecer ampla variedade de anticoncepcionais. Mas o sistema de saúde na África oriental e austral costuma ter problemas de fornecimento de produtos e muitas clínicas carecem de infraestrutura. “Para colocar um dispositivo intra-uterino (DIU) é preciso um ambiente estéril”, destacou Ong’ech. A injeção é o método mais popular porque as mulheres podem usar sem contar ao marido, acrescentou.
O desequilíbrio nas relações de gênero e a falta de poder de negociação influem no uso de anticoncepcionais. Naliaka contou que na cultura africana “a sogra pode orquestrar a dissolução do casamento se não há um bebê a caminho”. Dorothy Namutamba, da Comunidade Internacional de Mulheres com HIV na África oriental (ICWEA), com sede na capital de Uganda, observou à IPS que se educa as mulheres para agradar os maridos.
“Se ele quer que tenha dez filhos, deve tê-los, e, se não puder, ele buscará em outra parte”, afirmou Namutamba. “A maioria dos homens não incentiva as mulheres a buscarem serviços de planejamento familiar. É um grande problema”, destacou. O estigma e a violência doméstica agravam o problema. “As mulheres temem revelar sua condição de saúde por medo de sofrerem violência de gênero, o que limita o acesso ao planejamento familiar”, pontuou à IPS Anthony Mbonye, comissário de serviços de saúde em Uganda.
Devido ao poder de decisão dos homens em relação à gravidez, é fundamental oferecer serviços de saúde reprodutiva para casais, mas “os centros de saúde estão abarrotados e sem capacidade de absorver os maridos”, lamentou Naliaka.
A esterilização forçada de mulheres com HIV no Quênia, Malawi, Namíbia, África do Sul e Zâmbia, com julgamentos pendentes, complicou mais a questão das necessidades e dos direitos reprodutivos em relação ao HIV. “Foi uma vergonha para o setor da saúde”, opinou Naliaka. “Mas, por causa desses casos de repercussão, o sistema e o público compreenderam que essas mulheres têm necessidades em matéria de saúde reprodutiva semelhantes às que não possuem o vírus”, acrescentou.
Para continuar avançando, os especialistas recomendaram integrar o HIV ao planejamento familiar, aos serviços de saúde infantil e materna para economizar tempo dos usuários e do pessoal de saúde.
Sete países da África austral criaram os “centros integrais” de saúde reprodutiva, onde uma mulher pode receber antirretrovirais, fazer colonoscopia, receber assessoria sobre planejamento familiar e amamentação, tudo em uma única visita, em um só lugar, às vezes em uma única sala e com um único profissional. Segundo o UNFPA, vincular os serviços é mais rentável.
Anticoncepção e HIV
A maioria dos métodos anticoncepcionais modernos hormonais é segura para as mulheres com HIV. Mas alguns não são recomendados para as que recebem antirretrovirais porque podem alterar o tratamento.
O dispositivo intrauterino (DIU) não é recomendado para mulheres com aids devido à fragilidade de seu sistema imunológico. Os espermicidas e diafragmas não são aconselháveis para mulheres soropositivas.
Fonte: Organização Mundial da Saúde (OMS). Envolverde/IPS