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O cimento é o material feito pelo homem mais amplamente usado que existe. Ele só perde para a água como recurso mais consumido no planeta.
Sua forte presença ajudando a moldar construções, porém, também tem um efeito colateral sobre o clima: seu processo de produção é visto como uma gigantesca fonte de dióxido de carbono (CO2) – um dos gases responsáveis pelo aquecimento global.
E possíveis soluções para minimizar o problema estão na pauta de discussão agora.
Qual é o tamanho do problema na indústria?
Segundo o instituto de pesquisa britânico Chatham House, o cimento é fonte de aproximadamente 8% das emissões mundiais de CO2. Se sua indústria fosse um país, seria o terceiro maior emissor desse gás, no mundo, atrás apenas de China e Estados Unidos.
Em outra comparação, suas emissões superam as do combustível de aviação (2,5%) e não estão muito atrás das geradas pelo agronegócio global (12%), por exemplo.
Com emissões nessa proporção, o assunto esteve entre os que foram discutidos na conferência da ONU sobre mudança climática, a COP24, encerrada no sábado na Polônia.
Durante o evento, representantes do setor debateram formas de atender aos requisitos do Acordo de Paris – um compromisso mundial para reduzir a emissão de gases na atmosfera.
Para que o acordo seja cumprido, as emissões anuais do cimento deverão ser reduzidas em pelo menos 16% até 2030.
A tarefa não é considerada fácil.
‘Clínquer’ – o grande poluidor
A produção de cimento envolve a extração e o esmagamento de matérias-primas, principalmente calcário e argila.
Elas são trituradas e misturadas com outros materiais – como minério de ferro ou cinzas – e, na etapa seguinte do processo, introduzidas em grandes fornos cilíndricos e aquecidas a cerca de 1.450 ° C.
O processo de calcinação – como é chamada a reação química de decomposição térmica, usada para transformar o calcário em cal virgem – divide o material em óxido de cálcio e CO2.
Esse processo dá origem a uma nova substância, chamada clínquer. Trata-se não só do principal componente do cimento, mas do material cuja produção emite a maior quantidade de CO2 nessa indústria.
No formato de pequenos grãos com tonalidade acinzentada, o clínquer é resfriado, moído e misturado com gesso e calcário. Em seguida, pode ser transportado para fabricantes de concreto.
Em 2016, a produção mundial de cimento gerou cerca de 2,2 bilhões de toneladas de CO2 – o equivalente a 8% do total mundial. Mais da metade disso teve origem no processo de calcinação.
Juntamente com a combustão térmica, 90% das emissões do setor poderiam ser atribuídas à produção de clínquer.
Material essencial
Como principal material de construção da maioria dos prédios de apartamentos, de estacionamentos, pontes e barragens, o concreto tem seu uso em grande escala marcado por muitas das principais empreitadas arquitetônicas do mundo.
No Reino Unido, contribuiu para a onda maciça de desenvolvimento pós-Segunda Guerra Mundial em várias das principais cidades do país, como Birmingham, Coventry, Hull e Portsmouth, em grande parte definidas pelas estruturas de concreto típicas da época.
A Sydney Opera House, na Austrália, o Templo de Lótus, na Índia, o Burj Khalifa em Dubai – o maior arranha-céu do mundo – bem como o magnífico Panteão de Roma, que ostenta a maior cúpula de concreto sem suporte do mundo, tudo deve sua forma a esse material.
Mistura de areia e cascalho, um aglutinante de cimento e água, o concreto é amplamente adotado por arquitetos, desenvolvedores e construtores por ser um material de construção mais acessível, mas também com outras vantagens.
“Ele é econômico, pode ser produzido em praticamente todos os lugares e tem todas as qualidades estruturais adequadas para a construção de um prédio durável ou de uma obra de infraestrutura”, diz Felix Preston, vice-diretor de pesquisa do Departamento de Energia, Meio Ambiente e Recursos da Chatham House.
Crescimento da indústria de cimento
Tais atributos do concreto, considerados incomparáveis, ajudaram a impulsionar a produção global de cimento a partir dos anos 50, com a Ásia – e, particularmente, a China – respondendo pela maior parte do crescimento a partir dos anos 90.
A produção aumentou em mais de trinta vezes desde 1950 e em quase quatro vezes desde 1990.
A China usou mais cimento entre 2011 e 2013 do que os Estados Unidos durante todo o século 20.
Mas, com o consumo chinês se estabilizando, a expectativa é de que a maior parte do crescimento futuro da construção aconteça nos mercados emergentes do Sudeste Asiático e da África Subsaariana – impulsionados pela rápida urbanização e pelo desenvolvimento econômico.
A área construída no mundo deve dobrar nos próximos 40 anos, segundo os pesquisadores da Chatham House, exigindo que a produção de cimento aumente em um quarto até 2030.
Longa história
Para alguns de nós, a presença do concreto nas cidades pode parecer recente, mas arquitetos e construtores têm usado o material há milênios.
Acredita-se que o uso mais antigo tenha ocorrido há mais de 8 mil anos, com comerciantes na Síria e na Jordânia criando pisos de concreto, edifícios e cisternas subterrâneas.
Mais tarde, os romanos ficaram conhecidos como mestres do concreto, ao construírem o Panteão de Roma em 113-125 dC, com seu domo de concreto de 43 metros de diâmetro, o maior do mundo.
O concreto usado em nosso ambiente moderno, no entanto, deve muito de sua composição a um processo patenteado no início do século 19 pelo construtor Joseph Aspdin, de Leeds, na Inglaterra.
Sua técnica inovadora de queimar pedra calcária e argila em um forno e depois triturar até virar pó para fazer “pedra artificial” é agora conhecida como cimento Portland – que continua a ser o ingrediente chave em quase todo o concreto moderno.
Mas, a despeito da sua presença universal, as credenciais ambientais do concreto têm sofrido um maior escrutínio nas últimas duas décadas.
A produção de cimento Portland não apenas envolve a extração em pedreiras – causando a poluição do ar com poeira – mas também requer o uso de fornos enormes, que demandam grandes quantidades de energia.
O processo químico de fabricação de cimento também emite níveis incrivelmente altos de CO2.
‘Ação necessária’
O setor fez progressos – melhorias na eficiência energética de novas usinas e na queima de materiais residuais em vez de combustíveis fósseis levaram a uma redução de 18% nas emissões médias de CO2 por tonelada de produto nas últimas décadas, segundo a Chatham House.
A recém-criada Associação Global de Cimento e Concreto (GCCA, na sigla em inglês), atualmente representando cerca de 35% da capacidade mundial de produção de cimento e com foco no desenvolvimento sustentável, participou da cúpula ambiental COP24.
O executivo-chefe da entidade, Benjamin Sporton, disse que o fato de a organização existir agora “é uma demonstração do compromisso do setor com a sustentabilidade, incluindo a adoção de medidas para a mudança climática”.
A GCCA deve publicar um conjunto de diretrizes de sustentabilidade, que seus membros terão de seguir.
“Reunindo atores globais para fornecer liderança e foco (ao movimento), bem como entregando um programa de trabalho detalhado, podemos ajudar a garantir um futuro sustentável para o cimento e o concreto, e para as necessidades das gerações futuras”, diz Sporton.
Mas, apesar da promessa, a Chatham House argumenta que a indústria está atingindo os limites do que pode fazer com as atuais medidas.
Se o setor tem alguma esperança de cumprir os compromissos que firmou em 2015 no Acordo de Paris, precisará considerar a revisão do processo de fabricação do cimento em si, não apenas reduzindo o uso de combustíveis fósseis.
Soluções
Preston, do Departamento de Energia, Meio Ambiente e Recursos da Chatham House, e seus colegas argumentam que o setor precisa urgentemente buscar uma série de estratégias de redução de CO2.
Esforços adicionais em termos de eficiência energética, substituição de combustíveis fósseis por fontes alternativas, além de captura e armazenamento de carbono, ajudam, mas não são o bastante.
“Temos um longo caminho para fechar esse fosso”, diz Preston.
O que a indústria realmente precisa fazer é desenvolver esforços para produzir novos tipos de cimento, argumenta ele.
Cimentos de baixo carbono e “cimentos novos”, afirma, podem eliminar completamente a necessidade de clínquer.
Novos cimentos
Um dos que tentam conseguir maior apoio para a produção de cimentos alternativos é Ginger Krieg Dosier, co-fundadora e CEO da BioMason – start-up da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, que usa trilhões de bactérias para cultivar tijolos de “bioconcreto”.
A técnica, que envolve colocar areia em moldes e injetar nela microorganismos, desencadeia um processo semelhante ao que cria o coral.
“Eu tenho um grande fascínio por cimentos e estruturas marinhas”, explica Krieg Dosier, arquiteta que se surpreendeu ao não encontrar alternativas ecológicas reais para tijolos e alvenaria quando começou a pesquisar em uma empresa de arquitetura há mais de 10 anos.
A descoberta a levou a criar sua própria solução – que, depois de anos de desenvolvimento, agora leva apenas quatro dias para ficar pronta.
O processo acontece à temperatura ambiente, sem a necessidade de combustíveis fósseis ou calcinação – duas das principais fontes de emissão de CO2 da indústria cimenteira.
Krieg Dosier acredita que os “cimentos verdes” e tecnologias como a dela oferecem uma solução para a questão das emissões do setor.
“As práticas tradicionais de produção de cimento Portland continuarão a liberar CO2 devido a sua química fundamental”, diz ela, acrescentando que, em vez de recorrer à captura e armazenamento de carbono, é preciso investir mais em técnicas que removem efetivamente o carbono da atmosfera.
“Cimentos alternativos e tecnologias com ação fixadora vão além da captura evolutiva de CO2 para métodos revolucionários que fundamentalmente sequestram o CO2.”
Outras forças
“Este setor de movimentação lenta e difícil de mudar está começando a se chocar com essas profundas rupturas (de modelo) que estamos começando a ver no ambiente construído”, diz Preston.
Mas, com pouquíssimo cimento de baixo carbono chegando ao mercado, e nenhum sendo aplicado em larga escala, parece provável que o apoio contínuo do governo seja necessário.
Sem que os governos pressionem a indústria ou ofereçam financiamento, talvez não seja possível tirar a próxima geração de cimentos com baixo teor de carbono de dentro dos laboratórios no prazo necessário.
E o prazo está cada vez menor.
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – o principal órgão internacional na área de aquecimento global – defendeu no mês passado que o aumento da temperatura média global precisava ser mantido abaixo de 1,5°C – e não de 2°C conforme registrado no Acordo de Paris. Isso significa que as emissões de CO2 precisam diminuir em 45% em relação aos níveis registrados no ano 2010. E isso até o ano 2030.
Como outras jovens empresas, Krieg Dosier descreve as dificuldades de desenvolver e comercializar simultaneamente seus produtos e ampliar os processos de fabricação para competir dentro da indústria de construção como um todo.
Mas ela vê razões para ser otimista.
“Acredito que a indústria da construção está se aproximando de um ponto em que materiais alternativos serão mais amplamente adotados”, diz ela. “Isso se deve em parte à demanda do mercado, a outras tecnologias inovadoras e à preocupação mais ampla com as mudanças climáticas.”
Preston diz que é crucial que os governos e a indústria ajam rapidamente.
“Há uma necessidade urgente de casas economicamente acessíveis e de qualidade”, diz ela. “Há necessidade de nova infraestrutura. Só podemos enquadrar esse círculo se formos capazes de melhorar drasticamente o modo como construímos, de modo que, em geral, esses edifícios sejam construídos com emissões líquidas o mais próximas possível de zero.”
(#Envolverde)