Por Cintia Barudi Lopes* –
“A destinação ambientalmente adequada do lixo, contribuiria significativamente para que o País cumprisse a meta assumida na Conferência do Clima (COP-26) em Glasgow de redução de 30% da emissão de gás metano”
Conforme dados de notícia divulgada pela Revista DOM Total, no Brasil, metade das cidades brasileiras descarta seu lixo de forma ambientalmente inadequada, conforme apontado no Índice de Sustentabilidade Urbana (ISLU 2021); ainda em 2016, 55% das cidades utilizam lixões a céu aberto para o descarte dos resíduos.
Caso ocorresse, a destinação ambientalmente adequada do lixo, contribuiria significativamente para que o País cumprisse a meta assumida na Conferência do Clima (COP-26) em Glasgow de redução de 30% da emissão de gás metano, uma vez que, o saneamento é responsável por 5% das emissões de gases-estufa gerados no País em função dos lixões a céu aberto. (a notícia pode ser acessada em https://domtotal.com/noticias/?id=1551874).
A legislação brasileira tem empenhado esforços para proposição de soluções no setor de resíduos sólidos urbanos. A Política Nacional incrementada pela Lei n°12.305/2010, o Novo Marco Legal do Saneamento, Lei n° 14.026/20, a Norma de Referência n°01 da ANA, os decretos federais n.º 10.936, 11.043 e 11.044, todos de 2022, representam um conjunto normativo voltado à tomada de ações dos setores que estimulem a reutilização e reciclagem, o sistema de logística reversa, o desenvolvimento de tecnologia limpa com o aproveitamento energético e padrões sustentáveis de produção e de consumo.
Ocorre que o diagnóstico do setor de resíduos sólidos no país anda a passos lentos na implementação das proposições legais. Existem desafios nos mais variados segmentos do lixo: doméstico, hospitalar, industrial, nuclear e tecnológico.
O descarte de grande parte desses dejetos ainda é feito em lixões a céu aberto, sem técnicas adequadas, consideradas de alto custo. Recorde-se que quando se fala em saneamento básico no Brasil, compreende-se quatro grandes eixos de serviços: abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos urbanos e limpeza urbana e, finalmente, drenagem de águas pluviais.
Os Estados tinham a possibilidade de regionalizar todos os eixos dos serviços de saneamento a fim de que os ganhos de eficiência e aumento de investimento no setor, em especial da iniciativa privada, fossem atingidos com o formato de subsídios cruzados, de modo que Municípios com déficit orçamentários pudessem ser financiados por Municípios superavitários.
A pesquisa do Grupo de Direito Administrativo Contemporâneo da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie em parceria com o Instituto Saverr: “Mapeamento da Regionalização do Saneamento Básico no país: perspectivas e desafios” constatou que, todos os Estados priorizaram os serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, deixando em segundo plano a questão do manejo de resíduos sólidos urbanos, limpeza urbana e de drenagem de águas pluviais. Ceará, Espírito Santo, Paraíba, Paraná, Pernambuco e Roraima foram os Estados que incluíram no seu processo de regionalização os serviços de drenagem de águas pluviais. O Estado do Ceará, apesar de incluir em sua legislação (Lei Complementar nº 247/2021) a drenagem de água pluvial, ao que parece prioriza outro eixo, tendo em vista que existem duas concessões em andamento, uma PPP de natureza administrativa em Fortaleza e Cariri, estruturada pelo BNDES e, outra, de natureza comum em Crato, modelada pela CEF, ambas de esgotamento sanitário.
O Projeto de Lei em tramitação perante a Assembleia Legislativa de Goiás (PLC n° 6306/2021) contempla na estrutura regionalizada, além de água e esgoto, os serviços de manejo de resíduos sólidos e limpeza urbana. Rondônia prevê em sua legislação (Lei n° 4955/2021) que o Estado regionalize os serviços de água, esgoto, manejo de resíduos sólidos urbanos e drenagem de água pluvial, deixando de fora apenas os de limpeza urbana. Destaca-se ainda o projeto de lei de em tramitação no Estado de Minas Gerais (PL n° 2884/2021) que prevê a criação de 22 (vinte e duas) Unidades Regionais de Água e Esgoto e 34 (trinta e quatro) Unidades Regionais de Gestão de Resíduos Sólidos.
Diante do cenário atual de regionalização em que poucos Estados brasileiros incluíram em sua legislação os serviços de manejo de resíduos sólidos urbanos, questiona-se: os Estados perderam a oportunidade de agrupar Municípios para dividir esforços na busca de gestão eficiente dos serviços de manejo e descarte do lixo?
O Portal Resíduos Sólidos, em Estudo de Regionalização e proposição de arranjos intermunicipais, alerta que os pequenos municípios, quando associados, de preferência com os de maior porte, podem superar a fragilidade da gestão, racionalizar e ampliar a escala no tratamento dos resíduos sólidos e ter um órgão preparado tecnicamente para gerir os serviços, podendo inclusive, operar unidades de processamento de resíduos, garantindo sua sustentabilidade.
Quando comparada ao modelo atual, no qual os municípios manejam seus resíduos sólidos isoladamente, a gestão associada possibilita reduzir custos. O ganho de escala no manejo dos resíduos, conjugado à implantação da cobrança pela prestação dos serviços, garante a sustentabilidade econômica dos consórcios e a manutenção de pessoal especializado na gestão de resíduos sólidos. (o Portal pode ser acessado em https://portalresiduossolidos.com/estudo-de-regionalizacao-e-proposicao-de-arranjos-intermunicipais/).
Apesar do Novo Marco Legal estimular a regionalização dos serviços de saneamento básico, o fato é que os eixos priorizados no processo se referem ao abastecimento de água potável e esgotamento sanitário. Mais uma vez o setor de resíduos sólidos urbanos ficou à mercê da discricionariedade estatal para a tomada de ações voltadas a solucionar os problemas ambientais produzidos pelo descarte inadequado do lixo.
Perdeu-se, portanto, uma grande oportunidade de agrupar Municípios menores, com os de maior porte, a fim de que houvesse um planejamento e gestão conjuntos, compartilhamento de tecnologia no setor, diminuição de custos operacionais e capacitação de servidores para melhoria dos quadros técnicos destinados à implementação das políticas de resíduos sólidos, ainda tão carentes de efetivação.
Diante do cenário atual da regionalização, não se sabe ao certo qual será o destino da prestação dos serviços de distribuição de água e de esgoto, quiçá dos resíduos sólidos que mais uma vez foram deixados de lado para ganho de eficiência, escala, redução de custos e novos investimentos privados no setor.
Sobre Instituto Saverr
O Instituto Saverr Sustentabilidade é sem fins lucrativos, tem por finalidade o desenvolvimento de pesquisas para a sustentabilidade em todos os segmentos, com a promoção das boas práticas para o Desenvolvimento Sustentável.
Acesse a Pesquisa na íntegra: https://bit.ly/PesquisaRegionalizaçãoSaneamento
Pesquisadores responsáveis pelo Mapeamento da Regionalização do Saneamento no país citado no texto: Antonio Cecílio Moreira Pires, Cintia Barudi Lopes, Lilian Regina Gabriel Moreira Pires, Luísa Vieira Almeida, Marcus Andrade Covre, Thays Rodrigues da Costa.
*Doutora em Direito Administrativo pela Puc-SP. Professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas. Pesquisadora e Advogada.
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